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Art. 2 ― Se o amor é paixão.

O segundo discute-se assim. ― Parece que o amor não é paixão.
 
1. ― Pois, nenhuma virtude é paixão. Ora, todo amor é virtude, de algum modo, como diz Dionísio1. Logo, o amor não é paixão.
 
2. Demais. ― O amor é uma união ou nexo, segundo Agostinho2. Ora, união e nexo são antes relação que paixão. Logo, o amor não é paixão.
 
3. Demais. ― Damasceno diz que a paixão é um certo movimento3. Ora, o amor não implica o movimento do apetite, que é o desejo, mas o princípio desse movimento. Logo, não é paixão.
 
Mas, em contrário, diz o Filósofo, que o amor é uma paixão4.
 
Solução. ― A paixão é um efeito do agente no paciente. Ora, o agente natural produz no paciente duplo efeito: dá-lhe a forma e o movimento conseqüente a esta; assim, a geração dá ao corpo a gravidade e o movimento que a ela se segue; e a conaturalidade mesma, princípio do movimento para o seu lugar conatural, por meio da gravidade, também pode de certo modo chamar-se amor natural. De maneira que o apetível dá ao apetite, primeiro, uma certa coaptação para ele, que é uma como complacência no apetível, donde resulta o movimento para este. Pois, o movimento apetitivo age circularmente pelo processo seguinte: o apetível move o apetite, introduzindo-lhe, por assim dizer, na intenção; e o apetite tende para o apetível, que deve ser realmente conseguido, de modo a o fim do movimento coincidir com o princípio do mesmo. Por onde, a primeira imutação do apetite pelo apetível se chama amor, que não é senão a complacência no apetível, da qual resulta o movimento para este, que é o desejo; e por último vem o repouso, que se chama alegria. Assim pois o amor, consistindo numa quase imutação do apetite pelo apetível, é manifesto que é paixão: propriamente, enquanto tem a sua sede no concupiscível; comumente e em geral, enquanto está na vontade.
 
Donde a resposta à primeira objeção. ― Virtude, significando o princípio do movimento ou da ação, Dionísio dá essa denominação ao amor enquanto princípio do movimento apetitivo.
 
Resposta à segunda. ― A união é própria do amor enquanto que, pela complacência do apetite, o amante se refere ao que ama, como a si mesmo ou a algo de si. Por onde, é claro que o amor não é a relação mesma da união, antes, esta é conseqüência daquela. Por isso diz Dionísio, que o amor é uma virtude unitiva5; e o Filósofo que a união é um efeito do amor6.
 
Resposta à terceira. ― O amor embora não designe o movimento do apetite tendente para o apetível, designa contudo o movimento do apetite em virtude do qual este sofre imutação do apetível, de modo a lhe agradar a ele.

  1. 1. IV De div. nom., lect. XXI.
  2. 2. VIII De Trinit., cap. X.
  3. 3. II Orthod., fid. Cap. XXII.
  4. 4. VIII Ethic., lect. V.
  5. 5. IV De div. nom., IX, XII.
  6. 6. II Polit., lect. III.
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