(III Sent., dist. XXVI, q. 1, a . 3; De Verit., q. 26, a . 4).
O segundo discute-se assim. ― Parece que a contrariedade entre as paixões do irascível é correlativa à existente entre o bem e o mal.
1. ― Pois as paixões do irascível se ordenam às do concupiscível, como já dissemos. Ora, a contrariedade existente entre estas últimas ― p. ex., entre o amor e o ódio, a alegria e a tristeza se baseiam na que existe entre o bem e o mal. Logo, o mesmo se dá com as paixões do irascível.
2. Demais. ― As paixões diferem pelos seus objetos, como os movimentos, pelos seus termos. Ora, a contrariedade entre aqueles supõe a existente entre estes, como se vê em Aristóteles. Logo, a contrariedade entre as paixões também se baseia na que existe entre os seus objetos. Ora, o objeto do apetite é o bem ou o mal. Logo, em nenhuma potência apetitiva pode haver contrariedade entre as paixões senão fundada na que existe entre o bem e o mal.
3. Demais. ― Toda paixão da alma supõe uma aproximação e um afastamento, como diz Avicena. Ora, aquela é causada pela idéia de bem; este, pela de mal; pois assim como o bem é o que todos os seres desejam, conforme Aristóteles, o mal é o que todos evitam. Logo, a contrariedade entre as paixões da alma só se pode fundar na que existe entre o bem e o mal.
Mas, em contrário. ― O temor e a audácia são contrários, como se vê em Aristóteles. Ora, entre si não diferem só pelo bem e pelo mal, pois ambos dizem respeito a algum mal. Logo, nem toda contrariedade entre as paixões do irascível é correlativa à que existe entre o bem e o mal.
Solução. ― A paixão é um movimento, como diz Aristóteles; logo, a contrariedade entre as paixões deve deduzir-se da existente entre os movimentos ou mutações. Ora, nestas e naquelas há dupla espécie de contrariedade, segundo Aristóteles. Uma, relativa à aproximação ou ao afastamento de um mesmo termo e que é própria das mutações; assim, a contrariedade entre a geração, que é mudança para o ser, e a corrupção, mudança que parte do ser. A outra é a contrariedade dos termos, própria dos movimentos; assim o dealbar é um movimento do preto para o branco e se opõe ao enegrecer, que é um movimento do branco para o preto.
Assim pois há nas paixões da alma dupla contrariedade: baseada uma na contrariedade dos objetos, a saber, a que existe entre o bem e o mal; a outra, relativa à aproximação ou afastamento de um mesmo termo. Ora, nas paixões do concupiscível há só a primeira espécie de contrariedade, relativa aos objetos; ambas as espécies existem porém nas paixões do irascível. E a razão é que o objeto do concupiscível, como já se disse, é o bem e o mal sensíveis absolutamente considerados. Ora, o bem como tal não pode ser termo de afastamento mas só de aproximação; pois nenhum ser foge do bem com tal, antes, todos o desejam. Semelhantemente, nenhum ser deseja o mal como tal, mas todos o evitam; e por isso o mal não constitui um termo de aproximação, mas só de afastamento. Por onde, todas as paixões do concupiscível, como o amor, o desejo e alegria, referindo-se ao bem, para este tendem: e todas as paixões desse apetite referentes ao mal como o ódio, a aversão ou abominação e a tristeza, dele se afastam. Logo, entre as paixões do concupiscível não pode haver contrariedade por aproximação e afastamento do mesmo objeto.
O objeto do irascível porém é o bem ou o mal sensíveis, não absolutamente, mas enquanto difíceis ou árduos, consoante já dissemos. Ora, o bem árduo ou difícil, enquanto bem, provoca de um lado, a tendência para si, tendência própria à paixão da esperança; mas por outro lado, enquanto árduo e difícil, provoca o afastamento, próprio da paixão do desespero. Semelhantemente, o mal árduo, enquanto mal, por natureza deve ser evitado, e isto pertence à paixão do temor; provoca porém uma tendência para si, enquanto árduo. ― pelo qual escapamos da sujeição ao mal ― e essa tendência para ele constitui a audácia. Logo, entre as paixões do irascível há contrariedade fundada na que existe entre o bem e o mal. ― p. ex., a contrariedade entre a esperança e o temor; e há a relativa à aproximação e ao afastamento de um mesmo termo, como entre a audácia e o temor.
Donde se deduzem claras as resposta às objeções.