Preâmbulo: grandezas e renúncias do Portugal católico, das origens a 1917.
Uma terra de eleição.
A Rainha do céu jamais faz algo por acaso. Assim, não foi sem razão que, em 1917, escolheu Portugal para trazer ao mundo a devoção ao seu Coração Imaculado: Portugal sempre foi uma terra mariana.
Desde o início de sua história, tão logo a antiga Lusitânia romana fora liberada de três séculos de ocupação muçulmana pelos cruzados franceses, seu primeiro rei, Afonso Henriques, neto do duque de Borgonha, colocou o país sob a proteção de Nossa Senhora, declarando-a padroeira da dinastia e da nação. Corria o ano de 1139.
Mais tarde, depois da conquista da independência de Portugal contra o reino de Castela, seu soberano, João de Avis, invoca solenemente a proteção de Maria no planalto mesmo de Fátima. Era 13 de agosto de 1385. Pela primeira vez, o décimo terceiro dia do mês via Nossa Senhora publicamente honrada neste lugar. Uma vitória espantosa ocorreu no dia seguinte. Em reconhecimento, o rei faz edificar o mosteiro de Batalha que havia prometido à Virgem caso ganhasse o combate. Ele o confia aos dominicanos e, de lá, a devoção ao santo rosário se espalha por toda o país. Foi também em um 13 de maio que, à demanda do mesmo rei, o papa Bonifácio IX (1355-1404) concedeu que todas as catedrais do país fosem consagradas à santa Virgem.
Portugal lançou-se então na conquista apostólica de novas terras. Esta conquista foi confiada à Maria por seus missionários e navegadores numa pequena capela erigida na praia do Restelo, em Lisboa, donde partiam as caravelas Foi lá que Henrique, o navegador, Vasco da Gama, Pedro Álvares Cabral e tantos outros, confiaram suas navegações à Nossa Senhora. Portugal tornou-se o maior império colonial do mundo, teve o privilégio de estender o reino de Nosso Senhor e de Nossa Senhora sobre três outros continentes: na África (Angola em 1485 e Moçambique em 1492), na Ásia (Índia, 1498) e na América do Sul (Brasil em 1500).
Ao longo dos séculos, e apesar das peripécias de sua história, o país jamais se afastará de sua piedade para com a Mãe de Deus. Citemos aqui o ato de João IV. O país saía de um novo período de dominação espanhola: em 20 de outubro de 1646, renovando o feito do fundador da monarquia, o rei restaurador proclama a Virgem da Conceição como padroeira de seu reino. Ao mesmo tempo, ele se obrigava por juramento, ao qual o príncipe herdeiro e as cortes se associaram, a professar e defender, mesmo ao preço de sua vida, a doutrina da concepção imaculada de Maria, sob a condição da anuência da Igreja. Dois séculos antes da definição do dogma, note-se. Terra de Santa Maria, Portugal tornava-se mais especialmente, Terra da Imaculada. “E se alguém ousar algo contra nossa promessa, juramento e vassalagem, diz o ato oficial, nós o consideraremos desde então como não mais pertencente à nação e nosso desejo é que seja expulso do reino; e se é o rei, quod Deus avertat, que Deus não permita, que a maldição divina e a nossa caia sobre ele, e que não seja contado entre nossos descendentes; nosso voto é que seja derrubado e despojado do trono pelo mesmo Deus que nos deu o reino e nos elevou à dignidade real A todas as municipalidades de Portugal foi dada a ordem de tomar por padroeira Nossa Senhora da Conceição.
Nestas poucas linhas se encontram condensadas toda a história de Portugal: quando fiel a sua aliança com Maria imaculada, prospera; quando não, só conhece ruínas e desordens. Compreende-se porque a Virgem Maria escolheu este país em 1917 para vir pedir a devoção à seu Coração Imaculado: ela viera à sua casa.
Renúncias
O século XVIII, que viu o surgimento das “Luzes” em França, viu começar a decadência do Portugal católico.
Os dez últimos anos do reino do rei João V inauguram um período conturbado. O rei, doente, parcialmente paralisado, não mais governava. Desordem máxima reinava na corte e a nobreza aproveitou para assumir tarefas importantes, não para servir ao reino, mas por pura ambição.
Morto o rei João V, seu filho, que escolhe o nome de José I, quis reinar como monarca absoluto, livre da monarquia, mas também independente da Igreja. Para atingir seus fins, ele concede todo poder a seu ministro, o sinistro marques de Pombal, que era maçom.
Houve uma terrível advertência celeste: no dia 1º. De novembro de 1755, um violento terremoto destruiu grande parte de Lisboa. O número de mortos foi considerável. Em seus sermões, os pregadores chamaram o povo à penitência e à conversão para aplacar a cólera divina. Mas a lição não foi aprendida pelo governo. Pombal seguiu com crescente intensidade sua política anticlerical. Mencionemos algumas medidas: expulsão dos jesuítas em 1759; instituição do ensino ateu em 1769; no mesmo ano, o poder de censura de livros é tirado da Inquisição e confiada à autoridade real. Estas disposições diziam também respeito às colônias, é claro.
Com a morte de José I, a nova rainha, Maria I, dispensa Pombal, apesar de continuar sua política em diversos pontos. Muito piedosa, foi mais favorável à Igreja. Contudo, as idéias das “Luzes”, que se espalhavam pela Europa, conquistavam as elites do país. No ano de 1807 a situação se complica: tendo a rainha Maria enlouquecido, as tropas de Napoleão invadem o país e o príncipe regente, futuro João VI, foge para o Brasil com a corte. Ele retornará a Portugal em 1821, mas, começara no ano anterior uma revolução fortemente inspirada nos princípios da Revolução francesa, que a ocupação napoleônica se encarregara de difundir largamente. João VI não pôde retornar a Portugal senão sob a condição de aceitar uma monarquia constitucional.
Morto João VI, seu segundo filho, Miguel I, embora sustentado pela Igreja e pela maioria do povo, tentou uma restauração católica, mas foi obrigado a abdicar após oito anos de contínua guerra civil patrocinada pela Inglaterra. Pedro IV então conquistou o trono e restabeleceu uma monarquia constitucional. Uma de suas primeiras medidas, em 1834, sob o ministério de Aguiar, foi suprimir as ordens religiosas e apoderar-se dos bens do clero.
A partir de 1870 uma parte dos maçons deixa de apoiar a dinastia e começa a preparar o advento da república.
No dia 1º. de fevereiro de 1908, o rei Carlos I, que tentara retomar as rédeas da situação, foi assassinado junto com o príncipe herdeiro por ordem da maçonaria portuguesa. Manuel II, seu segundo filho, muito frágil, não resistiu muito. Foi derrubado e a republica proclamada em 5 de outubro de 1910.
A república portuguesa: caos político e furor anticatólico
O novo poder logo mostra seu sectarismo. Passados cinco dias apenas da proclamação da república, as leis de Pombal e do ministério Aguiar (1834) contra os religiosos foram restabelecidas.
Pouco tempo depois, as relações com a Santa Sé foram rompidas, os bens eclesiásticos confiscados, os bispos que protestaram banidos de suas dioceses e condenados ao exílio, suas cabeças postas à prêmio. A lei da separação da Igreja e do Estado, votada em 20 de abril de 1911, foi aplicada com um sectarismo cruel.
Pouco antes da votação desta lei, em 26 de março de 1911, ocorreu em Lisboa um congresso de livre-pensadores durante o qual Afonso Costa, presidente do Conselho e autor da lei, declarou: “Graças a esta lei, em menos de duas gerações Portugal terá eliminado totalmente o catolicismo, que é a principal causa da situação em que se encontra nosso país
Durante estes anos, a violência contra a Igreja e os católicos irá até o assassinato. Esta violência durou até 1917-1918. Somente no ano de 1917, 111 igrejas e capelas foram pilhadas (69 no interior, 42 em Lisboa), freqüentemente com profanação das santas espécies, e isto, ao menos na capital, perante os olhos benevolentes da polícia e do governo.
As medidas persecutórias contra os católicos foram numerosas: calou-se a imprensa católica, o ensino religioso nas escolas foi suprimido, instituiu-se o controle dos seminários, a batina foi proibida, as obras de apostolado foram interditas, foram criados obstáculos ao exercício do culto, padres fora de seus presbitérios eram expulsos, documentos pontificais eram censurados e sua circulação interdita, propaganda atéia nas escolas (estudantes eram obrigados a desfilar com cartazes onde se lia “Nem Deus, nem religião”), autorização do divórcio etc.
No plano político, complots incessantes: a anarquia causava a desagregação do país, a ruína financeira. De 1910 a 1926 (golpe de estado do general Carmona – ver adiante), Portugal conheceu 16 revoluções, 8 presidentes da república, mais de 40 mudanças de ministério. O objetivo da impiedade era aproveitar o caos para descristianizar as massas populares camponesas, que seguiam fiéis às práticas religiosas tradicionais.
Sociedades terroristas organizadas em centros carbonari e duplicadas por células bolcheviques (Mão negra, Máscara vermelha etc) exerciam o terror no país, enquanto lojas maçônicas o mantinham sob uma tirânica ditadura.
Sob o ponto de vista econômico, o país não tinha mais crédito: as taxas de juros, oficialmente em 8%, chegavam a de 15% na prática quotidiana. A Sociedade das Nações, credora, cogitava colocar as finanças portuguesas sob controle estrangeiro.
Deste período, escreveu Salazar: “Antes de 1917, desordem política, desordem social, desordem financeira, desordem econômica reinavam em Portugal; uma desordem que não significava apenas falta de ordem, mas a aliança de todos os elementos positivos de desagregação, de ruína, de dissolução nacional
Contudo, no meio do povo, e especialmente entre os camponeses, a fé continuava profunda, especialmente na região de Fátima. Em maio de 1916, um ano antes das aparições de Nossa Senhora, uma cruzada do rosário teve tamanho sucesso que as igrejas de Lisboa se encheram para as práticas em honra da Rainha do céu. Fato notável: no meio do povo se via muitos oficiais uniformizados.
O milagre português
O repentino restabelecimento de Portugal foi, antes de mais nada, fruto das aparições que sacudiram o país.
A Repercussão das aparições sobre a população
— Os fenômenos atmosféricos
Quando os três pastores viam Nossa Senhora, fenômenos atmosféricos acompanhavam cada uma de suas vindas. Ainda que diversamente percebidos pelos que assistiam, atraíam mês a mês uma turba cada vez mais numerosa à Cova da Iría Jamais tal coisa ocorrera, nem em Lourdes, nem em La Salette. Estes prodígios são “uma característica das aparições de Fátima”
Clarões súbitos, inexplicáveis meteorologicamente, por vezes acompanhados de trovões, anunciavam a chegada da Virgem; ou então uma redução notável da luminosidade; a atmosfera adquiria uma cor amarelo-dourado; uma neblina esbranquiçada rodeando a verde azinheira e os três videntes; os galhos do arbusto que se dobravam em círculo ou que se inclinavam para o leste na chegada e na partida da visitante celeste; uma fumaça ao redor da azinheira, como se Nossa Senhora estivesse sendo incensada; um globo de luz que desliza lentamente pelo espaço, como um pedestal sob uma pessoa (em 13 de setembro); uma chuva de pétalas brancas como a neve etc. Quando a Virgem falava aos pastorinhos, somente Lúcia e Jacinta a ouviam, mas muitos dos presentes percebiam, sem compreender palavra alguma, o murmuro de uma voz muito fina, semelhante ao zumbido de uma abelha.
No dia 13 de outubro ocorreu o grande milagre anunciado pela Virgem em 13 de julho: o sol rodopiou sobre si mesmo como uma bola de fogo, produzindo toda espécie de cor. Podia-se fixar os olhos nele sem se queimar. Em seguida, ele pareceu soltar-se do céu e cair sobre a terra. O fenômeno foi observado muitos quilômetros ao redor. Os presentes, encharcados pela chuva, viram-se subitamente secos.
Todos estes sinais confirmavam a cada vez o testemunho dos videntes. Em 13 de outubro, no meio da multidão havia curiosos, maçons, livre-pensadores e “alguns dos homens mais ilustres nas letras, artes e ciências, quase todos incrédulos”. O maior jornal maçônico de Lisboa, O Século, viu-se obrigado a reconhecer a realidade dos fatos, logo ridicularizado pelo resto da imprensa anticlerical. Mas esta agitação permitiu a todo o país se informar, uma vez que milhares de testemunhas relatavam ao seu redor as maravilhas de Fátima.
— As curas milagrosas
Numerosas curas milagrosas ocorridas em Fátima contribuíram também para sacudir Portugal. A primeira se deu em 13 de outubro de 1917: tratava-se de uma mulher com tuberculose em estágio final, que caminhara 35 km a pé sob a forte chuva.
Enquanto multidões afluíam à Cova da Iria, cada vez mais doentes os acompanhavam. A Voz de Fátima registrou mais de mil casos de curas reconhecidamente autênticas: tuberculoses, cegueiras, paralisias, ossos fraturados, úlceras, meningites, doença de Pott, cânceres, gastrites etc. As curas ocorriam durante o rosário, perante a estátua de Nossa Senhora de Fátima, à passagem do Santíssimo Sacramento, muitas vezes com uso da água da fonte.
— As conversões
Porém, os milagres mais importantes, mais decisivos, são aqueles que se produzem nas almas. Sua característica, em Fátima, é a subtaneidade da graça e a universalidade dos casos: pessoas vivendo em pecado, livres-pensadores que vieram para ridicularizar, comunistas etc. Nenhuma estatística destes prodígios, é claro, pode ser feita: muitos deles continuam segredo de confissão. Contudo, as conversões foram inúmeras, e começaram a renovar o país a partir de 1917.
— Peregrinação espontânea
Depois da última aparição, em 13 de outubro, a Cova da Iria foi considerada definitivamente pelo povo português como um destino de peregrinação mariano. Solitários ou em grupo, inicialmente sem nenhuma intervenção da autoridade eclesiástica, peregrinos começaram a afluir de toda parte, mais numerosos aos domingos e dias de festa. No dia 13 de cada mês, sobretudo de maio a outubro, os fiéis acorriam aos milhares. Rezava-se o rosário, cantava-se cânticos, fazia-se penitência. Dir-se-ia que todo o Portugal acabara de se converter e reencontrar seu fervor com a Virgem de Fátima. Como era de se esperar, os sectários fizeram tudo para impedir a peregrinação, mas foi em vão. A visitado do santuário por Mons. Da Silva, novo bispo de Leiria, em 12 de setembro de 1921, fortaleceu o movimento. Ainda não era o reconhecimento oficial, que viria em 13 de outubro de 1930, mas era um imenso encorajamento.
Como escreve o padre Denis, O. P.:
Após muitos séculos de letargia, a Igreja portuguesa recuperava a confiança em si mesma. E a confiança nascera do simples fato de que católicos portugueses, respondendo ao apelo da Virgem, fizeram e refizeram sem se cansar a peregrinação de Fátima. Estas enormes pulsações, fluxo e refluxo regular de todo um povo, tiveram papel essencial no reerguimento religioso de Portugal. Ao complexo de inferioridade de outrora, sucedia aos poucos uma atitude de orgulho, uma bela e alegre confiança na Igreja e em si mesmo.
Conversão política
O retorno de Portugal a uma política católica não foi súbito, ao modo de um Deus ex machina. Nenhuma restauração católica verdadeira pode ser feita em um país sem a conversão de uma expressiva parte da população. Esta conversão se deu pela peregrinação de Fátima, e foi preciso um certo tempo, e muitas etapas, para que suas conseqüências se fizessem sentir de modo estável no plano político.
A tentativa de Sidónio Pais
Na história é freqüente que Deus intervenha no momento final, depois que todas as esperanças humanas desapareceram. É a hora da virtude teologal, que se apóia apenas sobre o socorro divino para obter a salvação e tudo o que a ela conduz. Mas, de modo ordinário, Deus se serve paralelamente de instrumentos que suscita para este efeito, mesmo na vida das nações.
As aparições de Fátima ocorreram num momento em que a anarquia atingia um grau sem precedente em Portugal. O poder pertencia à bomba e à pistola.
Sidónio Bernardino Cardoso da Silva Pais, professor em Coimbra, comandante do exército, republicano por convicção, maçom confesso, ministro de Estado, conseguiu reunir em torno de si grande numero dos que, no mundo político e militar, desejavam acabar como terrorismo e aspiravam a um regime mais moderado. Ele assumiu o poder dia 8 de dezembro de 1917, primeira festa da Imaculada Conceição após os acontecimentos da Cova da Iria. Após tantos excessos, ele desejava pacificar o país e acabar com as perseguições contra a Igreja. Pouco a pouco, as medidas sectárias desapareceram. O ato mais espetacular desta nova orientação foi o restabelecimento das relações diplomáticas com a Santa Sé, em julho de 1918.
Maçom em público, ele não escondia a seus confidentes seu desejo de conversão. O historiador Costa Brochado nota: “Um oficial de sua polícia, seu devotado tenente Faria, contou-nos um dia que Sidónio Pais considerava-se como que protegido pela santa Virgem e que, no final de sua vida, teve “visões encorajadoras” que lhe deram uma irresistível força moral.” Mas as Lojas maçônicas fizeram com que ele fosse assassinado na estação de Lisboa em 14 de dezembro de 1918. Colocou-se um crucifixo no seu peito, rasgado pelas balas.
Foi preciso esperar ainda dez anos, durante os quais o país recaiu na anarquia política e num terrorismo como jamais havia visto. A situação religiosa, no entanto, mudara: fortificado e aumentado pelos acontecimentos de Fátima, o catolicismo começava a se organizar, e ninguém ousou revogar as medidas tomadas por Sidónio Pais em favor da Igreja.
O Portugal de Salazar
Em 28 de maio de 1926, foi de Braga, capital do bastião católico do norte, que partiu o levante militar liberador, enquanto um congresso mariano presidido pelo núncio exaltava as felizes conseqüências das aparições de Fátima para o país:
Justo no momento em que, em procissão, saía a imagem da Virgem da igreja do Pópulo para o Samerio, saiam também de suas casernas, contiguas à igreja, sob a benção, dir-se-ia, de Maria, as tropas do 8º. Regimento de infantaria, preludiando a revolução. Em três dias ela ganhou o país inteiro e triunfou, sem ter dado um só golpe de fuzil nem derramado uma única gota de sangue: caso único em toda história de Portugal
Em 1928, o general Carmona, tendo assumido sozinho todo o poder, pediu para o ministério das Finanças Antônio de Oliveira Salazar, professor de direito na universidade de Coimbra. Salazar pediu conselhos ao seu amigo, o padre Manuel Gonçalves Cerejeira e ao padre Mateo Crawley, o ardente apóstolo do Sagrado Coração, então de passagem por Portugal. Em seguida, passou muitas horas em oração diante do tabernáculo e, enfim, após ter ajudado na missa dominical do padre Mateo, aceitou.
O novo ministro aplicou-se inicialmente a reerguer as finanças e a economia, coisa que conseguiu fazer em apenas dois anos.
É neste contexto que ocorre um acontecimento decisivo para o país: a Consagração de Portugal ao Coração Imaculado de Maria pelo cardeal Cerejeira e todo o episcopado, em 13 de maio de 1931. O padre Alonso afirma que a irmão Lúcia foi a inspiradora da consagração. Em todo caso, este ato, que correspondia totalmente aos desejos do Coração de Maria, fez com que Nossa Senhora derramasse sobre Portugal uma chuva de graças, como veremos.
Quanto a Salazar, sua autoridade se consolidava em todos os domínios de modo incontestável. Em 5 de julho de 1933, o general Carmona lhe suplica que tome a frente do governo tornando-se presidente do Conselho.
Portugal, que era o país da Europa mais instável, irá se tornar o mais estável: o general Carmona seguirá presidente da República até sua morte em 1951, e Salazar dirigirá o governo até 1968. O país atravessará a revolução comunista espanhola e a Segunda Guerra Mundial mantendo-se em paz assim como todas suas colônias, voltaremos a isso.
— Os princípios do Estado novo.
Os princípios do Estado novo encontram-se resumidos em duas declarações de Salazar:
“Não temos apenas a intenção de reparar as manchas dos trinta últimos anos de nossa história, mas queremos ir mais longe e, pelo retorno a nossas melhores tradições, reintegrar Portugal na linha tradicional de seu destino [...] Sem deixarmos de ser de nosso tempo em tudo o que diz respeito ao progresso material e às conquistas da civilização, encontramo-nos nas altas esferas da espiritualidade, as mesmas de oito séculos atrás”
“Somos antiparlamentares, antidemocratas, antiliberais e queremos estabelecer um Estado corporativo [...]
A democracia parlamentar resultou por toda parte em instabilidade e desordem, ou então transformou-se numa espécie de dominação absoluta dos partidos sobre a verdadeira nação. [...]
Não é verdade que os regimes qualificados de liberais tenham realmente salvaguardado as liberdades públicas. Nós, nós somos antiliberais, porque queremos garantir estas liberdades. [...]
Somos antidemocratas porque nossa democracia, que aparentava apoiar-se no povo e representá-lo, acabava por só se lembrar do povo nas eleições; nós, ao contrário, queremos elevar o povo, educá-lo, protegê-lo, arrancá-lo da escravidão da plutocracia. Por outro lado, imaginar, como hoje em dia se faz, que as liberdades públicas estão na dependência da democracia e do parlamentarismo, é não ter em conta as realidades mais evidentes da vida política e social de todos os tempos
No contexto dos erros da Rússia denunciados por Nossa Senhora, é preciso acrescentar as seguintes linhas:
“Somos, pois, contra todos os internacionalismos, contra o comunismo, contra o socialismo, contra o sindicalismo libertário, contra tudo o que diminui, divide, dissolve a família, contra a luta de classes, contra os sem-pátria e os sem-Deus, contra a escravidão do trabalho, contra a concepção puramente materialista da vida, contra a força como origem do direito. Somos contra todas as grandes heresias de nosso tempo...
A bem dizer, o comunismo russo não representa hoje nem um regime político, nem um sistema econômico: é uma doutrina, uma filosofia, uma moral, uma religião. Pelo intermédio de seus apóstolos e agentes revolucionários, pretende substituir por outra, e isso em todo o mundo, as concepções que a maioria dos povos civilizados recebeu mais ou menos diretamente de Roma e do cristianismo [...] De seu lado, o fascismo e o nacional-socialismo, que diverge do comunismo por suas concepções econômicas e suas exigências espiritualistas, assemelham-se a eles por sua concepção do Estado totalitário
— As relações com a Igreja
Contudo, não se deveria representar a “revolução nacional” de Salazar como o regime mais perfeito. No que toca a relação do Estado Novo com a Igreja, Salazar opta sem hesitar pela separação;
Em nosso país, o catolicismo continuava a ser, juridicamente, a religião do Estado, e as relações entre o Estado e a Igreja estavam regulamentadas por acordos chamados de concordadas. Em teoria, esta situação parecia ser a que mais se conformava com as exigências do Direito canônico e da doutrina da Igreja. Mas, na realidade, podia-se formular duas reservas importantes: a primeira relativa à extinção das ordens religiosas; a segunda no que toca a abusiva intervenção do poder civil [nos assuntos] da Igreja. Em compensação, o Estado subvencionava o culto. A Igreja se encontrava, por conseguinte, naquele tempo, unida ao Estado por algemas de ouro [...] Em 1911 foi decretado, com excesso de violência, a separação da Igreja e do Estado [...] Contudo, por uma fatalidade lógica do regime de separação, foi preciso reconhecer juridicamente a liberdade da Igreja, isto é, a não-intervenção do Estado no governo das almas e na nomeação às honrarias eclesiásticas [...] A priori, privada de seu prestígio, ignorada oficialmente, freqüentemente perseguida, a Igreja recebera, no entanto, uma liberdade preciosa, da qual jamais sequer precisara agradecer. Esta liberdade mostrar-se-ia indispensável à sua vida e ao seu progresso, seria como a condição de seu renascimento. Este fato é fundamental para compreender a atualidade mais próxima [...] O Estado deverá [pois] abster-se de fazer política com a Igreja na certeza de que a Igreja abster-se-á de fazer política com o Estado. [...] O melhor caminho a seguir não era a adoção oficial pelo Estado de uma religião, mas o reconhecimento do fato de que a religião católica era a religião professada pela maioria do povo. [...] Por conseguinte, o Estado português não é confessional, mas reconhece a importância toda especial da religião católica na formação da consciência portuguesa, na ação histórica da nação e, graças às missões, na conquista moral das terras de além-mar. Conceder à Igreja suporte e simpatia, sem prejudicar a liberdade de culto, é, pois, de especial interesse [...] Enquanto católico, creio que a Igreja deve conservar, antes de tudo, sua liberdade, aceitando para isso os sacrifícios necessários. Enquanto chefe do governo, tenho obrigações para com os católicos e também para como os que não o são. Cabe a mim fazer prevalecer as soluções que salvaguardam as liberdades religiosas de todos os portugueses e afastem as rixas ou a desunião, pois, também eu, tenho outras ovelhas que não são deste aprisco.
Na prática, Salazar deu à Igreja um apoio tão considerável que lhe permitiu voltar a exercer uma influência considerável, como veremos. Mas, como os princípios estavam errados, isto não poderia durar muito tempo após sua morte. A situação dependia muito de um único homem.
De todo modo, este homem foi providencial. Irmão Lúcia escreveu as seguintes linhas ao Monsenhor da Silva, bispo de Leiria, numa época em que o governo de Salazar corria perigo:
Minha carta tem por objetivo dizer a vossa Excelência que o bom Deus quer que os senhores bispos, no pouco de tempo que resta até as eleições, falem ao povo, pela intervenção do clero e da imprensa, para dizer que Salazar é a pessoa que Ele escolheu para continuar a governar nossa pátria, que é a ele que serão dadas luz e graça para conduzir nosso povo pelos caminhos da paz e da prosperidade. [...] É preciso fazer isso rapidamente e sem medo.
Monsenhor da Silva transmitiu a carta ao cardeal Cerejeira, que transmitiu instruções aos bispos e fez com que o próprio Salazar lesse a carta, a fim de encorajá-lo.
A Ressurreição da Igreja
O melhor modo de dar-se conta da ajuda dada a Igreja por Salazar é examinar a concordata assinada com a Santa Sé em 7 de maio de 1940 para “estabelecer de comum acordo e de modo durável a situação jurídica da Igreja católica em Portugal, pela paz e pelo maior bem da Igreja e do Estado”. Ao garantir liberdade integral à Igreja para o exercício de seu ministério, ele lhe dá, ao mesmo tempo, vantagens consideráveis, em particular:
— Artigo 21: O ensino dado pelo Estado nas escolas públicas se inspirará nos princípios da doutrina e moral cristãs, princípios tradicionais do país. Em conseqüência, ensinar-se-á nas escolas públicas elementares, complementares e intermediárias, a religião e a moral católicas aos alunos cujos pais ou quem quer que esteja em seu lugar não tenham feito, à propósito deste ensino, pedido de dispensa [...]
— Artigo 22: O Estado português reconhece efeito civil aos casamentos celebrados conformes às leis canônicas [...]
— Artigo 24: Em harmonia com as essências propriedades do matrimônio católico, entende-se que, pelo fato mesmo da celebração do casamento canônico, os cônjuges renunciam à faculdade legal de pedir o divórcio, o qual, por conseguinte, não poderá ser aplicado pelos tribunais civis aos matrimônios católicos.
No mesmo dia em que a concordata foi assinada, concluiu-se um “acordo missionário” concernente à vida religiosa nas colônias portuguesas. Ressaltamos os pontos seguintes:
— Artigo 9: As ordens missionárias de homens e de mulheres reconhecidas, independentemente dos recursos que possam receber da Santa Sé, serão subvencionadas pelo governo da metrópole e da colônia interessada, conforme a necessidade. [...]
— Artigo 10: Além das subvenções às quais alude o artigo precedente, o governo continuará a conceder gratuitamente os terrenos disponíveis às missões católicas para o seu desenvolvimento e para novas fundações. [...]
— Artigo 14: Todo o corpo missionário terá direito ao reembolso das despesas de viagem ao interior e para além das colônias. [...]
— Artigo 19: A Santa Sé continuará a usar de sua autoridade para que as ordens missionárias portuguesas intensifiquem a evangelização dos indígenas e o apostolado missionário.
Esta ajuda eficaz do Estado português acelerou a ressurreição de um catolicismo já renovado pela peregrinação de Fátima. Mas é absolutamente necessário acrescentar o seguinte: foi por causa das aparições de Fátima, que transformaram inteiramente o país, que uma tal concordata e, de maneira geral, a restauração de Portugal, foram possíveis. Sidónio Pais, apesar de suas boas intenções, não pôde reerguer o país porque os portugueses não haviam se convertido. Para corrigir a situação, Salazar teve de começar por um pesado aumento de impostos. Como este sacrifício teria sido aceito pelo povo, se os costumes não tivessem sido elevados e as paixões apaziguadas? Salazar também teve de tomar medidas muito severas para erradicar todos os elementos da desordem. Como isto teria sido possível sem demonstração de força e sem que isto provocasse sua queda, como ocorreu com João Franco sob o rei dom Carlos? Ora, assim foi porque o país transformado o apoiava totalmente. Sem Fátima, Salazar jamais teria êxito. Como escreveram o cônego Barthas e G. da Fonseca:
Se Portugal é um exemplo para as outras nações, elas não devem esquecer que é também um milagre da graça de Deus. Não se conseguiria fazer a “experiência” política, econômica e social deste país sem imitar sua profunda vida religiosa e sua devoção à Rainha dos anjos e dos homens. Beata gens cujus Dominus Deus ejus, feliz o povo de quem Deus é o verdadeiro rei, de quem Maria é verdadeiramente soberana!
O primeiro milagre português é a conversão de todo um povo pela Virgem Maria; e é isto que ela promete em escala mundial no dia em que seus pedidos forem atendidos.
Os resultados são eloqüentes em Portugal:
— Em 1911, Magalhães Lima, chefe da maçonaria portuguesa, profetizava: “Em poucos anos, não haveria jovem algum que queira se tornar padre em Portugal, os seminários ficarão vazios.”. Ora, as vocações aumentaram a tal ponto que, na província de Lisboa, por exemplo, o número de padres passou de 950 em 1933 a 1603, em 1964 e, no mesmo período, na diocese de Braga, passou de 2618 a 3188. Quanto aos religiosos, o seu número quadruplicou entre 1934 e 1943.
— Os sacramentos são freqüentados e honrados por todas as classes sociais. As primeiras sextas e os dias 13 de cada mês são dias de comunhão habitual para uma porção considerável e crescente de fiéis.
— As obras católicas prosperam. A Cruzada eucarística, por exemplo, é organizada em todas as paróquias e os Cruzados de Fátima são mais de meio milhão em 1942.
— A imprensa católica se desenvolve, e a publicação mensal Voz de Fátima tem tiragem superior a 350.000 exemplares.
— Em 1941, em plena guerra mundial, a natalidade é florescente em Portugal, que atinge, neste quesito, a segunda posição na Europa.
Portugal: preservado do terror comunista e da Segunda Guerra Mundial
Na sua aparição de 13 de julho de 1917, a santíssima Virgem advertira: “Virei pedir a consagração da Rússia a Meu Imaculado Coração, e a comunhão reparadora nos primeiros sábados. Se atenderem a meus pedidos, a Rússia se converterá, e terão paz. Se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições à Igreja.”
Como a Rússia não foi consagrada por Pio XI, nem a prática da comunhão reparadora espalhou-se entre os católicos, o comunismo continuou sua expansão. Conforme o plano de Lenin, a Europa deveria ser quebrada nas duas cabeças de um alicate: a Rússia e a Península Ibérica. Assim, quando a situação começa a tornar-se inquientante na Espanha, com o sucesso da Frente popular nas eleições de 16 de fevereiro de 1936, o cardeal Cerejeira e os bispos de Portugal, durante o seu retiro anual em Fátima, fizeram a promessa solene de “vir no dia 13 de maio de 1938, à frente da peregrinação nacional, render graças à santíssima Virgem Maria, Mãe de Deus, em nome de toda a nação, se ela obtivesse para Portugal a vitória sobre o comunismo ateu e o benefício da paz”.
Seus temores não eram infundados: no dia 8 de setembro seguinte, dois navios de guerra revoltaram-se e tentaram aliar-se com os Vermelhos e, em 4 de julho de 1937, um fracassado atentado a bomba ocorreu contra Salazar quando este se dirigia a Missa. Contudo, nada ocorreu além disso e, enquanto o horror comunista distruía a Espanha, Portugal seguia numa paz perfeita.
13 de maio de 1938, em Fátima, perante 500.000 fiéis, em ação de graças e para cumprir suas promessas, os bispos renovaram a consagração de Portugal ao Coração Imaculado de Maria, que fizeram em 1931.
Mas um outro perigo não menos temível estava adiante. “Se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI, começará outra [guerra] pior”, anunciara Nossa Senhora em 13 de julho de 1917.
No dia 2 de dezembro de 1940, irmã Lúcia escreveu ao papa Pio XII: “Santo Padre, Nosso Senhor prometeu a nossa pátria uma proteção muito especial durante esta guerra, em consideração da consagração que os reverendos prelados portugueses fizeram da nação ao Coração Imaculado de Maria. Esta proteção será a prova das graças que Ele derramará sobre outra nações se, como Portugal, elas lhe forem consagradas.”. O escopo deste artigo não me permite entrar nos detalhes destes acontecimentos. Ainda que Hitler tenha preparado tudo para invadir Espanha e Portugal afim de ganhar Gibraltar, o plano não pôde ser levado adiante e Portugal foi preservado com todas as suas colônias, enquanto o mundo todo ardia em chamas. Pio XII declararia aos portugueses: “A mais terrível das guerras que jamais desolou o mundo [...] passou ao redor de vossas fronteiras, mas não as rompeu, graças sobretudo a Nossa Senhora que, desde seu trono de misericórdia, [...] velava por vós e vossos governantes
Declarações do Papa Pio XII e dos bispos de Portugal
Numa hora trágica de trevas e desvairamento, quando a nau do Estado Português, perdido o rumo das suas mais gloriosas tradições, desgarrada pela tormenta anticristã e antinacional, parecia correr a seguro naufrágio [...] das trevas brilhou a luz, do caos surgiu a ordem, a tempestade amainou em bonança, e Portugal pôde encontrar e reatar o perdido fio das suas mais belas tradições de Nação fidelíssima, para continuar [...] na sua rota de glória de povo cruzado e missionário.
Honra aos beneméritos, que foram instrumento da Providência para tão grande empresa!
Mas primeiro glória, benção, ação de graças à Virgem Senhora, Rainha e Mãe da sua Terra de S. Maria, que tem salvado mil vezes, que sempre lhe acodiu nas horas trágicas, e que nesta talvez a mais trágica, o fez tão manifestamente, que já em 1934 Nosso Predecessor Pio XI de imortal memória, na Carta Apostólica Ex officiosis litteris, atestava « os extraordinários benefícios com que a Virgem Mãe de Deus acabava de favorecer a vossa Pátria» (Acta Ap. Sedis a. XXVI 1934 p. 628). E ainda àquela data não se pensava no Voto de Maio de 1936 contra o perigo vermelho, tão temerosamente próximo e tão inesperadamente conjurado. [...]
Hoje que a atmosfera de milagre que bafeja Portugal, se desentranha em prodígios físicos e em maiores e mais numerosos prodígios de graças e conversões, e floresce nessa primavera perfumada de vida católica, prometedora dos melhores frutos, hoje com bem mais razão devemos confessar que a Mãe de Deus vos cumulou de benefícios realmente extraordinários; e a vós incumbe o sagrado dever de lhe renderdes infinitas graças.
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— Desde que Nossa Senhora apareceu em 1917 no céu de Fátima, uma benção especial desceu sobre a terra portuguesa. O ciclo violento de perseguições se acabou e uma época nova de pacificação das consciências e restauração cristão se abriu
— Portugal é hoje o único país da Europa realmente em paz. Os estrangeiros o provam melhor que nós mesmos, eles que, ao chegar aqui, não crêem nos próprios olhos, julgando-se estar em algum país de sonho e lenda. Uma tal conjuntura é um verdadeiro milagre, uma graça extraordinária que nos vêm das mãos da Rainha do céu.
— Foi então que a santa Virgem apareceu em Fátima, infundindo um espírito novo na alma portuguesa e espalhando por todo país os raios de sua luz vivificante. Sem dúvida, o dedo de Deus está presente! [...] Se alguém fechasse os olhos há 25 anos e não os abrisse senão agora, não reconheceria mais Portugal, visto a profundidade e a extensão da transformação operada pelo fator modesto e invisível das aparições de Fátima.
Uma conversão incompleta
Os fatos maravilhosos que acabamos de relatar devem nos deixar realistas, contudo. Não devemos idealizar.
Vimos que a restauração política não chegou ao ponto de reconhecer a realeza social de Nosso Senhor sobre Portugal. Mas, mesmo sobre o plano religioso — e isso explica sem dúvida aquilo — não houve senão uma conversão pela metade.
Em 19 de outubro de 1946, a irmã Lúcia escrevia:
Quanto aos tempos maus que atravessamos, é Deus quem nos há de salvar pela intercessão do Coração Imaculado de Maria, nossa tão boa Mãe do céu: confiança. Mas, como sabeis, esta promessa é condicional: “Se deixarem de ofender a Deus, se fizerem penitência, se rezarem”. Se considerarmos a nação no seu conjunto, temos razão para temer. Deixamos de ofender a Deus? No lugar da vida de pecado que antes levávamos, abraçamos uma vida de penitência que necessariamente implique numa verdadeira reparação? Acaso rezamos com humildade, contrição e perseverança? Um pequeno grupo, sim; no seu conjunto, a maioria, não. Considerando tudo isso, temos razão para temer; mas tenho confiança porque Deus é infinito em sua misericórdia.
Esta ausência de conversão profunda tem por causa, certamente, o fato de que a devoção reparadora dos primeiro sábados, prática essencial da mensagem de Fátima, não foi difundida em Portugal, nem por Mons. Da Silva, bispo de Leiria, nem pelo cardeal Cerejeira, nem por nenhum outro bispo do país. Por que isto? Os bispos portugueses foram sem dúvida arrefecidos pelas crescentes reservas de Roma com relação à Fátima, provocadas pela influente tese do padre Dhanis S.J. Irmã Lúcia será, ademais, progressivamente reduzida ao silêncio a partir de 1955 e, sobretudo, a partir de 1960, sob João XXIII.
Faltando profundidade, o restabelecimento de Portugal não durará.
Após o Concílio, os erros do Vaticano II penetram em Portugal. Eles deram ao clero esquerdista pretexto para combater Salazar, enquanto que Paulo VI renova pouco a pouco o episcopado português, afastando os bispos mais ligados à Fátima. As sedes-chave de Lisboa e Leiria, em particular, foram confiadas a progressistas.
Em setembro de 1968, afligido por uma hemorragia cerebral, Salazar teve de deixar o governo e foi substituído pelo Dr. Marcelo Caetano, que inicia imediatamente uma série de medidas para liberalizar o regime. Ele foi derrubado em 25 de abril de 1974 pela “revolta dos cravos”.
O episcopado português soube evitar o retorno ao terror bolchevique consagrando uma vez mais o país ao Coração Imaculado de Maria, em 13 de maio de 1975, o que desencadeou um último sobressalto do povo católico que expulsou os comunistas. Mas, desde então, Portugal continua a escorregar na apostasia religiosa e na corrupção das democracias modernas. A luz da fé se conserva, contudo, na gente do interior sempre fiel ao terço e à Fátima.
Conclusão: Uma imensa esperança elevou-se sobre o mundo
Lênin tentara quebrar a Europa pelas duas cabeças de um alicate: entre a Rússia e a península ibérica. As aparições de Fátima fizeram com que metade do plano falhasse. Para destruir a segunda cabeça do alicate antes que ela espalhasse seus erros pelo mundo, seria preciso que o papa consagrasse a Rússia ao Imaculado Coração de Maria, em união com os bispos do mundo inteiro. Isto será feito um dia, o Céu o prometeu. O que ocorreu com Portugal é imagem do que ocorrerá com a Rússia, quando o sucessor de são Pedro obedecer à Virgem Maria.
Para recompensar os bispos portugueses por ter consagrado seu país ao Coração Imaculado de Maria, em 13 de maio de 1931, Nossa Senhora concedeu com efeito a Portugal as três graças que ela houvera prometido pela consagração da Rússia apenas:
— Um milagre de conversão manifestando-se por uma admirável restauração da Igreja, e correspondendo à promessa da santa Virgem: “muitas almas serão salvas”.
— Um milagre de renovação política e social que permite entrevir o que há de ser “a conversão da Rússia” prometida por Nossa Senhora. Notemos a respeito que a Virgem Maria não diz “conversão dos russos”; ao utilizar a palavra “Rússia”, ela designa o país enquanto entidade política: haverá, pois, não apenas uma conversão da maioria da população — pressuposto a toda restauração, como já vimos — mas também uma regeneração de todas as instituições da Rússia, que se tornará um autêntico país da cristandade.
— Enfim, um milagre de paz: Portugal foi preservado da revolução comunista espanhola e da Segunda Guerra Mundial. Um belo símbolo foi a construção da basílica de Fátima em plena guerra, enquanto que, em tantos países do mundo, as igrejas eram destruídas às centenas sob os bombardeios. Este milagre é um eco da promessa de 13 de julho de 1917: “Será dado ao mundo um certo tempo de paz”. Certamente, não se trata aqui de uma paz qualquer, mas a paz de Cristo pelo reino de Cristo.
Terminemos com o cardeal Cerejeira:
Fátima fala não apenas a Portugal, mas a todo o mundo. Nós cremos que as aparições de Fátima iniciam um novo período: o do Coração Imaculado de Maria. O que se passou em Portugal proclama o milagre. E anuncia o que o Coração Imaculado de Maria prepara para o mundo.
Quando consideramos o que o Coração Imaculado de Maria realizou em um Portugal convertido pela metade, só podemos imaginar o que não ocorrerá no mundo, quando a Rússia tiver sido consagrada e a comunhão reparadora tiver sido difundida pela hierarquia!
traduzido de Le Sel de la Terre