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Nem cismático nem excomungado

De Mgr. Lefebvre ao Cardeal Hoyos  

2ª Parte

Nem Cismático nem Excomungado  

 

Quando Mgr. Lefebvre percebeu que o Vaticano tentava ganhar tempo e não lhe dava o mandato prometido para a sagração dos bispos, recuou e retirou sua assinatura do Protocolo de acordo, como vimos na 1ª parte. Diante dessa situação, escreveu ao Cardeal Ratzinguer mais uma vez, pedindo um posicionamento claro sobre as questões que o inquietavam:

 

CARTA DO MONS. LEFEBVRE AO CARDEAL RATZINGER

+ Albano, 26 de maio de 1988

Eminência, 
Parece-me necessário precisar o que vos escrevi em 6 de maio último.
Depois de bem refletir, afigura-se-nos claramente que o objetivo dos colóquios e da reconciliação é reintegrar-nos na Igreja Conciliar, única Igreja à qual fazíeis alusão nesses colóquios.
Pensávamos que nos daríeis os meios de continuar e desenvolver as obras da Tradição, especialmente dando-nos alguns coadjutores, pelo menos três, e dando também, na Comissão Romana, uma maioria à Tradição.
Ora, nesses dois pontos, que nos parecem necessários para manter as nossas obras livres de qualquer influência progressista e conciliar, não obtivemos satisfação.
É por isso que, com grande pena, nos vemos obrigados a pedir-vos que, antes do dia 1 de junho, nos indiqueis claramente quais são as intenções da Santa Sé sobre esses dois pontos: consagração dos três Bispos postulados para 30 de junho, e maioria dos membros da Tradição na Comissão Romana.
Se não tiver resposta a estes pedidos, procederei à publicação dos nomes dos candidatos ao Episcopado, que consagrarei a 30 de junho com a colaboração de S. Exa. Mons. de Castro Mayer.
A minha saúde, as necessidades apostólicas para o crescimento de nossas obras, já não permitem atrasos suplementares.

+ Marcel Lefebvre

RESPOSTA DO CARDEAL RATZINGUER A MGR. LEFEBVRE

  Citta del Vaticano, 30 de maio de 1988  

Excelência,

Depois de ter sido recebido em audiência pelo Santo Padre, sexta-feira 27 de maio, como vos tinha indicado no nosso colóquio de 24, estou em condições de responder à carta que me haveis entregue nesse mesmo dia a respeito dos problemas da maioria dos membros da Fraternidade na Comissão Romana e da sagração dos bispos.
A respeito do primeiro ponto, o Santo Padre considera que convém manter os princípios definidos no ponto II/2 do protocolo que haveis aceitado. Essa Comissão é um órgão da Santa Sé a serviço da Fraternidade e das diversas instâncias com as quais será preciso tratar para estabelecer e consolidar a obra da reconciliação. Para mais, não é ela, mas o Santo Padre, quem, em última instância, tomará as decisões: portanto, a questão da uma minoria não se levanta; os interesses da Fraternidade são garantidos pela sua representação no seio da Comissão, e os receios que exprimistes em relação aos outros membros não têm razão de existir, uma vez que a escolha desses membros será efetuada pelo próprio Santo Padre.
No que diz respeito as segundo ponto, o Santo Padre confirma o que já vos indiquei da sua parte, a saber que ele está disposto a nomear um bispo membro da Fraternidade (em conformidade com o ponto II/5.2 do protocolo), e a fazer acelerar o processo habitual de nomeação, de forma que a consagração possa ter lugar no encerramento do Ano Mariano, em 15 de agosto próximo.

[Como se sabe, todos os candidatos apresentados por Mons. Lefebvre haviam sido recusados (N. da R.).]

Isso requer, de um ponto de vista prático, que apresenteis sem tardar a Sua Santidade um número mais elevado de dossiês de candidatura, para lhe permitir escolher livremente um candidato que corresponda ao perfil desejado e, ao mesmo tempo, aos critérios gerais de aptidão que a Igreja determina para a nomeação dos bispos.
Sabeis enfim que o Santo Padre espera de vós uma carta contendo, no essencial, os pontos de que tratamos, e particularmente os tratados durante o nosso colóquio de 24 de maio. Mas, como ainda recentemente anunciastes a vossa intenção de ordenar três bispos em 30 de junho próximo, com ou sem a anuência de Roma, é necessário que, nessa carta (cf. 4º parágrafo do projeto), digais claramente que a isso renunciais, e que vos submeteis em plena obediência à decisão do Santo Padre.
Com essa última diligência, realizada com a menos demora possível, o processo de reconciliação chegará ao seu termo, e a notícia poderá ser dada publicamente.
Excelência, no momento de concluir, apenas posso dizer-vos, como na última terça-feira, e ainda com maior gravidade se isso é possível: quando se considera o conteúdo positivo do acordo ao qual a benevolência do Papa João Paulo II permitiu que se chegasse, não há comparação entre as últimas dificuldades que haveis exprimido e o prejuízo que constituiria agora um fracasso, uma ruptura da vossa parte com a Sé Apostólica, e somente por esses motivos. Deveis confiar no Santo Padre, cuja bondade e compreensão recentemente manifestadas em relação a vós e em relação à Fraternidade constituem também a melhor garantia para o futuro. Deveis enfim – e devemos todos – confiar no Senhor, que permitiu que a via da reconciliação fosse aberta, como o está  hoje, e que a meta pareça agora tão próxima.
Dignai-vos aceitar, Excelência, etc.

Jospeh Card. Ratzinger

A primeira impressão que se tem, ao ler esta resposta, é que poderia ter havido uma precipitação de Mgr. Lefebvre, visto que o Papa concedia um bispo para 15 de agosto, um mês e meio depois da data limite. Mas devemos considerar duas coisas: Mgr. Lefebvre já tinha entregue mais de uma lista ao Vaticano, com os nomes dos candidatos, porém todos sempre foram vetados. O próprio Cardeal fala na escolha de um candidato "que corresponda ao perfil desejado". Certamente o perfil desejado pelo Vaticano não coincidia muito com o perfil desejado por Mgr. Lefebvre. Além disso, o Vaticano se apresenta sempre como um pai bondoso recebendo de volta um filho pródigo! Como se Mgr. Lefebvre fosse, de fato, um rebelde, vindo em busca de perdão! Não é nada disso. Mgr. Lefebvre nunca foi rebelde, nunca fez nada pela Igreja de que tivesse que pedir perdão, sempre cumpriu fielmente a doutrina da Igreja e sua moral. Ele vinha como defensor da Fé esperançoso de encontrar em Roma um ambiente favorável ao restabelecimento da Tradição. Mas o que ele encontrou foi enganação e duplicidade.

Texto integral do comunicado de D. Lefebvre

Dificilmente se compreende a interrupção das conversações se estas não estão colocadas em seu contexto histórico.

Apesar de nunca termos querido romper com a Roma Conciliar; mesmo depois da primeira visita a Roma, em 11 de novembro de 1974, que foi seguida de medidas sectárias e nulas - o fechamento da obra em 6 de maio de 1975 e a «suspensão», em julho de 1976, estas relações só podiam transcorrer em um clima de desconfiança. Louis Veuillot diz que não há ninguém mais sectário do que um liberal; com efeito, comprometido com o erro e a Revolução, o liberal se sente condenado por aqueles que permanecem na Verdade e é por isso que, se possui o poder, persegue a estes encarniçadamente. É o nosso caso e de todos aqueles que se opõem aos textos liberais e às Reformas liberais do Concílio.

Querem por tudo que tenhamos um complexo de culpa em relação a eles quando são eles que são culpados de duplicidade.

Foi pois, em um clima de tensão, se bem que polido, que as relações transcorreram com o Cardeal Seper e o Cardeal Ratzinger entre os anos de 76 e de 87, mas também com alguma esperança de que, a auto-demolição da Igreja se acelerando, acabassem por nos olhar com benevolência.

Até então, para Roma, a finalidade dessas relações era de nos fazer aceitar o Concílio e as Reformas e de nos fazer reconhecer nosso erro. A lógica dos acontecimentos devia me levar a pedir um sucessor ou mesmo dois ou três para assegurar as ordenações e confirmações. Diante da recusa persistente de Roma, a 29 de junho de 1987 anunciei minha decisão de sagrar Bispos.

A 28 de julho, o Cardeal Ratzinger abriu novos horizontes que podiam legitimamente dar a impressão de que, enfim, Roma nos olhava com um olhar mais favorável. Não pediam mais que assinasse um documento doutrinal, nem pedido de perdão, porém um visitador era enfim anunciado, a sociedade poderia ser reconhecida, a Liturgia seria a de antes do Concílio, os seminaristas permaneceriam com o mesmo espírito...

Aceitamos então encetar este novo diálogo, mas com a condição de que nossa identidade fosse bem protegida contra as influências liberais, por Bispos formados na Tradição e por uma maioria de membros na Comissão Romana para a Tradição. Ora depois da visita do Cardeal Gagnon, da qual nunca soubemos nada, as decepções se acumularam.

As conversações que se seguiram, de abril a maio, nos decepcionaram bastante. Puseram-nos diante de um texto doutrinal: acrescentaram o novo Código de Direito Canônico; Roma reserva para si 5 dos 7 membros da Comissão Romana, inclusive o presidente (que seria o Cardeal Ratzinger) e o Vice-Presidente.

A questão do Bispo foi solucionada com dificuldade: insistiam em nos mostrar que não tínhamos necessidade dele.

O Cardeal nos notificou que era preciso deixar celebrar uma missa nova em S. Nicolas-du-Chardonet. Insistia sobre a única Igreja, a Igreja do Vaticano II.

Apesar das decepções assinei o protocolo de 5 de maio, Mas a data da consagração episcopal já era um problema. Depois um projeto de pedido de perdão ao Papa me foi posto entre as mãos.

Fui obrigado a escrever uma carta ameaçando fazer as sagrações episcopais para chegar a ter a data de 15 de agosto para ela.

O clima não era mais o de uma colaboração fraterna e um puro e simples reconhecimento da Fraternidade. Para Roma, a finalidade das conversações era a reconciliação, como disse o Cardeal Gagnon, numa entrevista dada ao jornal italiano «L'Avvennire, quer dizer, a volta da ovelha desgarrada para o aprisco. É isto que exprimo na carta ao Papa de 2 de junho: a finalidade das conversações não é o mesmo para vós e para nós.

E quando pensamos na história das relações de Roma com os tradicionalistas, de 1965 a nossos dias, somos obrigados a constatar que é uma perseguição sem descanso e cruel, para nos obrigar à submissão ao Concílio. - O último exemplo em data é o do Seminário «Mater Ecclesiae» dos saídos de Ecône, que em menos de dois anos foram enquadrados na Revolução conciliar, contrariamente a todas as promessas!

[nota de D. Lourenço: E assim continua: a própria Fraternidade São Pedro, dissidente de Ecône, está nesse momento sendo dilacerada e engolida pelo Vaticano modernista. Veja na Terceira Parte deste trabalho]

A Roma atual, conciliar e modernista, não poderá jamais tolerar a existência de um vigoroso ramo da Igreja católica que a condena por sua vitalidade.

É preciso esperar ainda alguns anos, sem dúvida, para que Roma reencontre sua Tradição bi-milenar. Nós continuaremos a provar, com a graça de Deus, que esta Tradição é a única fonte de santificação e de salvação para as almas, e a única possibilidade de renovação para a Igreja.

Ecône, 19 de junho de 1988. 

Marcel Lefebvre

Poucos dias depois de receber a carta do Cardeal Ratzinguer, Mgr. Lefebvre escreveu ao Papa uma carta importante, que traça rapidamente os erros doutrinários que  o afastam da Roma modernista e estabelece o critério do mandato que será usado em Ecône, no dia das sagrações: se o Vaticano aceitou a sagração em 15 de Agosto, é que existe uma vontade formal em permiti-la. O que nos impede de esperar esta data é a malicia e a duplicidade daqueles que permitem a sagração para melhor nos empurrar ao progressismo. Não é por espírito cismático que não esperamos até agosto. Logo esta vontade explicitada pelo Vaticano é suficiente para a realização das sagrações.

CARTA DE Mgr. LEFEBVRE AO SANTO PADRE

 + Ecône, 2 de junho de 1988

Beatíssimo Padre,

Os colóquios e encontros com o Cardeal Ratzinguer e com os seus colaboradores, embora tenham decorrido numa atmosfera de cortesia e de caridade, convenceram-nos de que o momento de uma colaboração franca e eficaz ainda não tinha chegado.
Com efeito, se qualquer cristão está autorizado a pedir às autoridades competentes da Igreja que seja conservada a fé do seu batismo, que dizer em relação aos sacerdotes, religiosos e religiosas?
Foi para manter intacta a fé do nosso batismo que tivemos de nos opor ao espírito do Vaticano II e às reformas que ele inspirou.
O falso ecumenismo, que está na origem de todas as inovações do Concílio, na liturgia, nas novas relações da Igreja e do mundo, na concepção da própria Igreja, conduziu a Igreja à sua ruína e os católicos à apostasia.
Radicalmente opostos a esta destruição da nossa fé, e decididos a mantermo-nos na doutrina e na disciplina tradicional da Igreja, especialmente no que diz respeito à formação sacerdotal e à vida religiosa, sentimos necessidade absoluta de ter autoridades eclesiásticas que partilhem as nossas preocupações e nos ajudem a premunir-nos contra o espírito do Vaticano II e contra o espírito de Assis.
Foi por isso que pedimos vários bispos, escolhidos na Tradição, e, na Comissão Romana, a maioria dos membros, para nos protegermos da possibilidade de comprometerem os acordos.
Tendo em conta a recusa em considerar os nossos pedidos, e sendo evidente que o objetivo desta reconciliação não é em absoluto o mesmo para a Santa Sé e para nós, julgamos preferível esperar tempos mais propícios ao regresso de Roma à Tradição.
É por isso que nos dotaremos dos meios para prosseguir a Obra que a Providência nos confiou, certos, pela carta de S. E. o Cardeal Ratzinguer de 30 de maio, de que a consagração episcopal não é contrária à vontade da Santa Sé, uma vez que é concedida para 15 de agosto.
Continuaremos a rezar para que a Roma moderna, infestada de modernismo, torne a ser a Roma católica e reencontre a sua Tradição bi-milenar. 
Então o problema da reconciliação deixará de ter a razão de ser, e a Igreja encontrará uma nova juventude.Dignai-vos aceitar, Beatíssimo Padre, a expressão dos meus sentimentos muito respeitosos e filialmente devotos em Jesus e Maria.

+ Marcel Lefebvre
Arcebispo-Bispo emérito de Tulle
Fundador da Fraternidade São Pio X

 

CARTA DO SANTO PADRE A Mgr. LEFEBVRE

A Sua Excelência 
Monsenhor Marcel Lefebvre 
Arcebispo-Bispo emérito de Tulle

É com viva e profunda aflição que tomei conhecimento da vossa carta de 2 de junho.
Guiado unicamente pela solicitude da unidade da Igreja e na fidelidade à Verdade revelada – dever imperioso imposto ao Sucessor do Apóstolo Pedro – tinha disposto o ano passado uma Visita Apostólica à Fraternidade São Pio X e às suas obras, que foi realizada pelo Cardeal Édouard Gagnon. Seguiram-se colóquios, primeiro com peritos da Congregação para Doutrina da Fé, depois entre vós próprio e o Cardeal Joseph Ratzinguer. Durante esses encontros, foram elaboradas soluções, aceites e assinadas por vós a 5 de maio de 1988: elas permitiam à Fraternidade São Pio X existir e trabalhar na Igreja em plena comunhão com o Sumo Pontífice, guardião da unidade na Verdade. Por seu lado, a Sé Apostólica não visava senão um objetivo nessas conversações convosco: favorecer e salvaguardar essa unidade na obediência à Revelação divina, traduzida e interpretada pelo Magistério da Igreja, nomeadamente nos vinte e um Concílios ecumênicos, desde o de Nicéia até o Vaticano II.
Na carta que me dirigistes, pareceis rejeitar tudo o que foi obtido nos precedentes colóquios, dado que manifestastes claramente a vossa intenção de “vos dotardes de meios para continuar a vossa Obra”, nomeadamente ao proceder em breve e sem mandato apostólico a uma ou várias ordenações episcopais, em flagrante contradição, não só com as prescrições do Direito Canônico, mas também com o protocolo assinado a 5 de maio e com as indicações relativas a este problema contidas na carta que o Cardeal Ratzinguer vos escreveu, a meu pedido, a 30 de maio.
Com coração paternal, mas com toda a gravidade que requerem as circunstâncias presentes, exorto-vos, Venerável Irmão, a renunciar ao vosso projeto que, se for realizado, não poderá parecer senão um ato cismático, cujas inevitáveis conseqüências teológicas e canônicas são por vós conhecidas. Convido-vos ardentemente ao retorno, na humildade, à plena obediência ao Vigário de Cristo.
Não só vos convido a isso, mas peço-o pelas chagas de Cristo nosso Redentor, no nome de Cristo que, na vigília de sua Paixão, orou pelos seus discípulos, “para que todos sejam um só” (Jo. 17,20).
A este pedido e a este convite, junto a minha oração quotidiana a Maria, Mãe de Cristo.
Caro Irmão, não permitais que o ano dedicado, de um modo particular, à Mão de Deus traga uma nova ferida ao seu Coração de Mãe!

 Do Vaticano, a 9 de junho de 1988

Joannes Paulus PP. II

Nessa hora, o Papa evoca a obediência à Revelação Divina e aos 21 Concílios Ecumênicos, de Nicéia a Vaticano II. Por que razão, nos documentos emitidos tanto pelo Papa quanto  pelas Congregações Romanas, só Vaticano II é que tem voz? Por que razão Cardeais se levantaram diversas vezes para dizer que Vaticano II é o anti-Syllabus, ou que a Igreja não segue mais os ensinamentos do Concílio de Trento? Como deve agir um católico que ouve tais ensinamentos, contrários a tudo o que a Igreja ensinou em dois mil anos de Magistério infalível? Fugiria dos limites desse trabalho apresentar a visão que o Papa tem da sua autoridade, seu modo democrático de governar, contrário à constituição monárquica da Igreja. Ele chama Mgr. Lefebvre para a unidade, mas para essa unidade do número, que congrega todos os bispos em torno de Vaticano II. Os textos do Vaticano estão aí para os que quiserem analisá-los.

A partir dessa carta, os documentos do Vaticano insistirão em que a atitude de Mgr. Lefebvre de sagrar os bispos em 30 de  junho seria um ato cismático. Esse é, doravante, o  nó da questão e  já citamos na 1ª Parte dois importantes documentos onde Mgr. Lefebvre diz claramente que sua atitude não é cismática. O bispo de Ecône receberá uma advertência pública do Cardeal Gantin, prefeito da Congregação dos Bispos, datada de 17 de junho de 1988, ameaçando-o de excomunhão, caso proceda às sagrações "sem ter pedido o mandato ao Sumo Pontífice". Nós vimos que o que ele mais fez foi pedir o mandato, o qual foi sempre adiado sem motivos. No dia das Sagrações, 30 de junho de 1988, Mgr. Lefebvre leu o seguinte mandato:

[No início da cerimônia da sagração episcopal, é pedido ao bispo que consagra que apresente o mandato, ou delegação da Santa Sé (cân. 953, CIC 1917), para proceder ao ato. Eis o mandato lido por Mons. Lefebvre em 30 de junho.]

- Tendes um mandato apostólico?

- Temos.

- Leiam-no.

“Esse mandato, temo-lo da Igreja Romana, sempre fiel à Santa Tradição que recebeu dos Apóstolos. Essa Santa Tradição é o depósito da Fé, que a Igreja nos manda transmitir fielmente a todos os homens, para a salvação das almas.
“Desde o Concílio Vaticano II até hoje, as autoridades da Igreja Romana estão animadas do espírito do modernismo; agiram contrariamente à Santa Tradição: “Já não suportarão a sã doutrina (...). Hão de afastar os ouvidos da verdade, aplicando-os a fábulas”, como diz S. Paulo na segunda epístola a Timóteo (IV, 3-5). É por isso que consideramos sem nenhum valor todas as sanções e todas as censuras dessas autoridades.
“Quanto a mim, quando “já me ofereci em sacrifício e já chegou o momento da minha partida”, ouço o apelo dessas almas que pedem que lhes seja dado o Pão de Vida que é Jesus Cristo. Tenho pena dessa multidão. Constitui, pois, para mim uma grave obrigação transmitir a graça do meu episcopado aos caros padres que aqui estão, para que possam, por sua vez, conferir a graça sacerdotal a outros clérigos, numerosos e santos, instruídos segundo as santas tradições da Igreja Católica.
“É em virtude desse mandato da Santa Igreja Romana, sempre fiel, que escolhemos para o Episcopado na Santa Igreja Romana os padres aqui presentes, como auxiliares da Fraternidade Sacerdotal São Pio X:

“P. Bernard Tissier de Mallerais,
“P. Richard Williamson,
“P. Alfonso de Galarreta, 
“P. Bernard Fellay.”           

 Não é possível ler este curto texto sem sentir uma emoção diante da grandeza, da paz, da serena afirmação de um homem que tem uma grave responsabilidade diante de si e que a cumpre, malgrado a perseguição que isso lhe acarreta. Um pai, que se preocupa antes com a salvação dos seus filhos do que com as mensagens enganadoras que querem perverter a essência da família católica. E fica cada vez mais incompreensível a insensatez e a frieza desses dirigentes do Vaticano que ouvem palavras como essas e não param, não se perguntam onde foi que podem ter errado, para que um santo bispo lhes admoeste desse modo, com tanto fundamento e doutrina.

Ao contrário: da Roma modernista virá o tiro, o ataque iníquo, a tentativa de matar espiritualmente o bispo que lhes toca na ferida. Veremos adiante as razões da nulidade da excomunhão de Mgr. Lefebvre e de Dom Antônio de Castro Mayer. Cabe-nos, antes, publicar o texto da excomunhão:

DECRETO DE EXCOMUNHÃO DE Mgr. MARCEL LEFEBVRE,

DE DOM ANTÔNIO DE CASTRO MAYER

E DOS QUATRO BISPOS POR ELES SAGRADOS

Sagrada Congregação para os Bispos

Monsenhor Marcel Lefebvre, Arcebispo-Bispo emérito de Tulle, tendo – apesar da advertência canônica formal de 17 de junho último e das repetidas interpelações pedindo-lhe que renunciasse ao seu propósito – realizado um ato de natureza cismática ao proceder à consagração episcopal de quatro bispos sem mandato pontifício, e contra a vontade do Sumo Pontífice, incorreu na pena prevista pelo cânone 1364, par. 1, e pelo cânone 1382 do Código de Direito Canônico.

Declaro que os efeitos jurídicos são os seguintes: o sobredito Monsenhor Marcel Lefebvre, Bernard Fellay, Bernard Tissier de Mallerais, Richard Williamson e Alfonso de Galarreta incorreram ipso facto na excomunhão latae sentenciae reservada à Sé Apostólica.

Declaro ainda que Mons. Antônio de Castro Mayer, Bispo emérito de Campos, tendo participado diretamente na celebração litúrgica como co-consagrante e tendo publicamente aderido ao ato cismático, incorreu na excomunhão latae sentenciae, prevista pelo cânone 1364, par. 1.

Exortamos os padres e os fiéis a não aderirem ao cisma de Monsenhor Lefebvre, pois incorreriam ipso facto na mesma pena de excomunhão.

Da Congregação para os Bispos, dia 1 de julho do ano de 1988.

Bernadin Cardeal Gantin 
Congregação para os Bispos , Prefeito

*

Assinalamos em negrito a razão de ser dessa excomunhão, no pensamento do Vaticano: um ato cismático. Vamos mostrar agora que este decreto é nulo pelo Direito Canônico do Papa João Paulo II, de 1983. Esse mesmo Direito que é evocado no decreto do Cardeal Gantin mostra claramente que o decreto não tem nenhuma validade.

Comecemos pela noção de cisma. O que é um cisma?

"Cisma é a separação voluntária e pertinaz do batizado da unidade da Igreja" (M.C. CoronataTomo II, col. 2298)

"Não basta uma desobediência, por mais obstinada que seja, para constituir um cisma; é necessário, além disso, uma revolta contra a função do Papa e da Igreja" (Cardeal Charles Journet, teólogo suiço, amigo de Paulo VI, L'Eglise du Verbe Incarné)

"Quando se desobedece ao superior em determinado caso, julgando-se, por exemplo, que ele se engana ou que age ilegitimamente; em outras palavras, quando se recusa a obedecer à pessoa, respeitando-se, no entanto, a função, não se configura o cisma, mas a desobediência. O cisma se verifica quando a recusa de obedecer atinge, na ordem recebida ou na decisão promulgada, a própria autoridade, reconhecida como real e competente" (Cajetano, citado em Dictionaire de Théologie Catholique (DTC), col. 1204)

"Os teólogos medievais, pelo menos os dos séculos XIV, XV e XVI,  tiveram o cuidado de notar que o cisma é uma separação ilegítima da unidade da Igreja, pois, dizem eles, poderia haver uma separação legítima, como, por exemplo, se alguém recusasse a obediência ao Papa que ordenasse uma coisa má ou indevida" (Torquemada, Summa De Ecclesia, citado em DTC, col.1302)

Se tomarmos estas definições tiradas do ensinamento constante dos teólogos e aplicarmos a elas o que já sabemos sobre as intenções de Mgr. Marcel Lefebvre ao sagrar os quatro bispos, concluiremos que, de fato, não houve cisma. Porém, poderiam objetar que estou tirando esta conclusão por mim mesmo, sem levar em consideração o que dizem as autoridades da Igreja. Assim sendo, vamos ouvi-las:

"O ato de consagrar um bispo, sem autorização do Papa, não é, de si, um ato cismático" (logo não pode ser punido com excomunhão) (Cardeal Castillo Lara, presidente da Pontifícia Comissão para a Autêntica Interpretação do Código. In La Republica, 7/10/1988)

O Caso de Honolulu: uma capela da Fraternidade São Pio X recebeu do bispo de Honolulu a pena de excomunhão, por um decreto de 1º de maio de  1991. Cinco pessoas dessa capela recorreram a Roma. Em 28 de junho de 1993 o Cardeal Joseph Ratzinguer ordenou à Nunciatura Apostólica dos Estados Unidos que respondesse aos interessados.
"Depois de haver examinado o caso, com base no Direito Canônico, comunico que os atos referidos no decreto acima mencionado  não são atos cismáticos formais, nos sentido estrito, e também não constituem pecado de cisma, e por isso, a Congregação para a Doutrina da Fé afirma que o decreto de 1/5/1991  carece de fundamento e validade"

"...A situação dos membros da Fraternidade Sacerdotal São Pio X é uma questão interna  da Igreja Católica. A Fraternidade não é uma outra Igreja ou uma outra comunidade eclesial, no sentido usado pelo Diretório. Seguramente a Missa e os Sacramentos administrados pelos padres da Fraternidade são válidos. Os bispos são ilicitamente, mas validamente sagrados." (Cardeal Edwar Cassidy, presidente do Pontifício Conselho para a Unidade dos Cristãos: 3 de maio de 1994, resposta a uma carta)

"Mgr. Lefebvre não fez absolutamente nenhum cisma com as suas sagrações  episcopais". (Professor Geringer, perito em Direito Canônico da Universidade de Munique)

A Tese do Padre Gerald Murray: 
Em julho de 1995, a Universidade Gregoriana, de Roma, aprovou com nota máxima, a tese de doutorado em Direito Canônico do padre americano Gerald Murray. Título da tese: O Estatuto Canônico dos fiéis do Arcebispo Marcel Lefebvre e da Fraternidade Sacerdotal São Pio X: estão eles excomungados como cismáticos?
O padre conclui: "cheguei à conclusão de que, canonicamente falando, Mgr. Marcel Lefebvre não é culpável de nenhum ato cismático... O exame das circunstâncias nas quais o arcebispo Lefebvre procedeu a sagrações episcopais à luz dos cânones 1321, 1323, 1324, suscita pelo menos uma dúvida significativa, senão uma certeza razoável contra a validade da declaração de excomunhão pronunciada pela Congregação dos Bispos. A declaração administrativa da Santa Sé parece ter deixado de levar em consideração o direito penal revisado do Código de Direito Canônico, especialmente no que diz respeito à mitigação ou isenção das penas latae sententiae. A malícia do arcebispo Lefebvre foi pressuposta. Suas convicções subjetivas sobre o estado de necessidade alegado foram pura e simplesmente omitidas por um comunicado não assinado, quando o Direito Canônico estipula que o fato de ter uma tal convicção e agir em conseqüência, mesmo estando enganado, preserva a pessoa de incorrer na pena latae sententiae.

Eis, então, as autoridades romanas, do Vaticano, afirmando diversas vezes que não houve cisma e não há excomunhão. Para aqueles que desejam aprofundar mais esta questão, publicamos um artigo do Professor Rudolf Kaschewsky, da revista alemã, Una Voce-Korrespondenz, de março-abril de 1988:

A Sagração Episcopal sem Mandato do Papa 

Carta do Canonista Pe. de Graviers, enviada aos Cardeais de Paris e Lyon

Nessa altura das nossas reflexões, depois de termos visto que a atitude de Mgr. Lefebvre não foi cismática e que não houve excomunhão, e que o direito da Igreja distingue entre ato cismático  e desobediência, podemos ir mais adiante e mostrar porque razão Mgr. Lefebvre estava em condições de não seguir as orientações do Papa, ou seja, de desobedecer. 

Cabe lembrar que essa matéria é revestida hoje de uma característica própria: as pessoas ignoram tudo sobre a infalibilidade papal e ficam repetindo pelos cantos, com ares de heróis da fé, um raciocínio falso mas que agrada, principalmente porque resolve dois problemas ao mesmo tempo: dá ao ignorante a impressão de ser muito católico e, por outro lado, evita ter de aprofundar o debate. Pois se o Papa é infalível, para quê discutir; obedeçam e não chateiem.
É preciso, portanto, abandonar a superficialidade criada pelos inimigos da fé e analisar com a frieza necessária a  doutrina católica sobre o poder do Papa, sobre nosso dever de obediência e sobre a necessidade extrema de se defender a verdadeira doutrina, mesmo contra a opinião de um papa.

O que a Santa Igreja nos ensina e declarou como dogma de Fé é que o Papa é infalível, sim, nas condições estabelecidas pelo Concílio Vaticano I, de 1870. [veja em breve o link para o decreto sobre a Infalibilidade Papal]

Mgr.  Lefebvre nos deixou um texto, anterior às negociações de abril-maio 1988, onde explica com toda a mansidão e simplicidade a doutrina do "estado de necessidade", em que nos encontramos hoje.

Pode a obediência a Deus obrigar-nos a desobedecer ao Papa?

O Estado de Necessidade é uma realidade jurídica expressa no Código de Direito Canônico. Assim explica o Prof. Georg May, presidente do Seminário de Direito Canônico da Universidade de Mayence:

O Estado de Necessidade na Igreja

Desobedecer materialmente ao Papa não significa, portanto, de forma alguma, querer impor uma opinião própria, querer rebelar-se contra uma autoridade agindo dentro dos seus limites. A Fé vale mais do que a obediência cega, logo podemos estar, e estamos de fato, em condição de agir assim para guardar a fé, nosso mais importante dever. 
Que a atitude de Mgr. Lefebvre, assim como a de Dom Antônio de Castro Mayer, em Campos, Rio de Janeiro, sirvam para nós como exemplo de zelo pela doutrina infalível da Igreja. Que nós possamos compreender que, ao desobedecer ao Papa, Mgr. Lefebvre fazia a única coisa eficaz para proteger este mesmo papa. Protege-lo do erro, protege-lo dos inimigos da Santa Igreja que ainda hoje querem destruí-la transformando-a num "clube" de filantropia e pesquisas religiosas.

Na próxima parte vamos analisar a atitude e a atualidade dos dissidentes, dos que trairam Mgr. Lefebvre e que hoje encontram-se cercados de todos os lados: ou aceitam a missa nova e continuam "de acordo" com o Vaticano, ou recusam a missa nova e são expulsos da agremiação vaticana.

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