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FAMÍLIA
"Em relação aos muros da casa de família há porém um problema semelhante ao das fronteiras das nações. Há casas patrióticas e casas nacionalistas. Poderíamos também mencionar as casas internacionalistas, onde entra e sai quem quer, onde todo o mundo faz o que lhe passa pela cabeça, e onde, em suma, impera tamanha tolerância que não seria impróprio chamá-las casas de tolerância.
 
"As nacionalistas são aquelas que mais abrigam uma quadrilha do que uma família. Não porque sejam os seus membros ferozmente desunidos; antes porque são unidos ferozmente. Unidos contra as outras casas."
(A Casa, O Globo 3/1/76)
 
FILHOS
"Vejam, vejam senhores como o mundo do homem é feito de sucessivas e concêntricas fronteiras que vão, desde aquelas que vemos no mapa com rios e cordilheiras, até a porta fechada da câmara conjugal. Mas agora apreciam o reverso do fenômeno: cada uma dessas muralhas é sucessivamente superada, como barragem de açude que se quer cheio para que transborde em serviço. O dinamismo das fronteiras está voltado para fora. E agora, vejam, vejam nessa nova direção como se expande o mundo do homem.
 
"De fato, se é verdade que os esposos se escondem, em compensação não há nada menos escondido do que o fruto do seu segredo e não há nada mais apregoado, mais publicado do que a criança que nasce. Toca cem vezes o telefone, esse pequeno sino familiar do natal dos homens. É menino ou menina? Expedem-se cartões. Abrem-se janelas. Como se chama? Quanto pesa? Com quem se parece? As vizinhas comentam; as criadas, esquecidas de tudo, enternecem-se, e varrem melhor, lavam melhor, como se o filho, sendo da casa, fosse como pouco delas também; e as tias e as avós emitem vaticínios, ou confirmam profecias de que aliás ninguém mais se recorda.
 
"O segredo tornou-se público. A porta misteriosa foi arrombada por um ladrão recém-nascido. E o aroma de alfazema que sai pelas frestas da casa, que se dilui no ar, no ar da rua, da paróquia, da cidade, já é a primeira suave emanação da amizade cívica, o oxigênio das almas.
 
"A casa nesse dia deu o seu fruto. Fez a sua entrega.
 
"Nasceu hoje uma criança. Nem é preciso telefonar para saber que naquela casa nasceu hoje uma criança. Vê-se de longe. Quem estiver acaso à janela pelas cercanias logo verá que alguma coisa aconteceu naquela casa, naquele navio ancorado: porque no seu exíguo convés, em sinal de festa, tremula uma carreira de fraldas ao vento — bandeiras brancas de júbilo e de paz."
(A Casa, O Globo 3/1/76)
 
FILOSOFIA POLÍTICA
"Seu João soltou então um grande rugido que a custo reprimia.
 
-- Ai, minha senhora, os maçons mataram nosso Rei, e mais o Príncipe Luiz. Estamos sem Rei. É uma desgraça uma grande desgraça...
 
E para bem exprimir seus sentimentos, Seu João, no tom mais respeitoso do mundo, soltava palavrões (...). Foi nesse tempo que ouvi as lições de uma insuspeitada sabedoria que naquele tempo nos fazia sorrir. Foi preciso viver 77 anos para descobrir que valeu a pena prestar ouvido as palavras aladas de seu João. Sobretudo as que exprimiam a sua filosofia política. Uma noite resolvi enfrentar seu máximo furor, e perguntei-lhe porque se apegava tanto à monarquia e tanto se enfurecia contra a república. Com palavras e argumentos precoces para meus nove anos de menino vivo nascido numa república, tentei confundir o lusitano perguntando-lhe porque razão fazia questão de um Rei. Erguendo seus quase dois metros de altura, e ainda avantajando com os braços enormes atirados ao teto, seu João soltou um rugido de leão flechado; mas depois começou a falar pausadamente. O menino era muito novo; a experiência da vida é que ensina. Ora, o que ela ensina é que, para governar um povo nada se inventou melhor do que um rei. E seu João repetia com uma voz grave e lenta: "Um RRRei! Sim, meu menino, um Rei". Sentando-se com as mãos nos joelhos, debruçado e didático prosseguiu: -- O que lá está e se diz presidente, o tal de Bombardino Rachado (Beranrdino Machado), sai à rua com um guarda-chuva e diz que é igual a um de nós, pedreiro como eu ou carpinteiro como José. Ora m'o M'nino, se ele é igual a João Martins Duarte, pedreiro, como é que pode governar Portugal?
 
"E depois de uma pausa para meditação seu João me deixou cravado na memória esse argumento sublime e definitivo: -- Naquele tempo (o da monarquia) m'o m'nino, quando Sua Majestade saía de seu Palácio de Viçosa, quem estivesse nas ruas, alçava-se nas pontas dos pés, quem estivesse nas lojas assomava à porta, quem estivesse em casa chegava à janela, a GENTE VIA O REI PASSAR.
 
"Naquele tempo o menino de 9 anos ria-se do fantástico argumento de seu João Martins Duarte e precisou viver 77 anos para desconfiar que se ria com riso errado."
(O Globo, 5/12/74)
 
"E agora, sem nenhum receio dos adjetivos e advérbios que me atirarão, ouso dizer que, nas circunstância do mundo contemporâneo, para ser razoavelmente bom o regime político deve ser preliminarmente anticomunista e nesta conditio sine qua non deve evitar qualquer sinal de nostalgia democrática. As nações do mundo inteiro estão à espera de um regime onde os dirigentes procuram fazer o bem e evitar o mal. E também ouso dizer que o governo que disso mais se aproximou no século XX foi o governo de Franco na Espanha que durou 39 anos de paz e prosperidade"
(O Globo, 11/5/78)
 
FRANÇA
"E detenho-me para aproveitar o pouco espaço que resta para dizer que há duas Franças, uma corrompida, achatada e em processo acelerado de imbecilização, e outra -- louvado seja Deus -- que continua a vocação católica da França de Santa Maria Madalena, de São Luís, de Santa Joana d´Arc, do Cura d´Ars e de Santa Teresinha do Menino Jesus.
 
"Essa França verdadeiramente francesa e verdadeiramente católica é hoje o lugar do mundo onde as mais inteligentes e corajosas equipes lutam dia e noite, com revistas, livros, retiros, movimentos espirituais, contra toda a onda do mal desencadeada pela revolução que quer obter a universalidade da recusa de Deus e a unanimidade de um Pecado Terminal que seria para os levitas do "progressismo" o arremate da "reussite de l´homme". Honra e glória à França sempre francesa e sempre católica! Honra e glória à França que quer purgar, pagar e corrigir os erros, as traições, os crimes cometidos nos dias medonhos da Resistance e da Épuration em que, sob inspiração comunista, a França viveu "en état de bassesse" depois de ter vivido dez anos "en état de bêtise" sob a inspiração do Front populaire."
(Os três Brasis e as duas Franças, O Globo, 8-11-71)
 
 
FREUD
"O que há de curioso na obra de Freud, a meu ver, é o seu completo desinteresse pelo centro do homem. Suas admiráveis descobertas vieram revelar a diversidade, a riqueza misteriosa de nosso organismo psíquico. Conclui ele então que o homem é um pobre ser dilacerado e sem unidade. Ora, isto me parece ilógico. A mim, quanto mais diferenciado e decidido se evidenciar nosso psiquismo, mais forte se afirmará o princípio de unificação que apesar de tudo ainda consegue uma vitória, mais penosa, mas por isso mesmo mais valiosa, por ser um domínio sobre numerosos e dispersos elementos. Na doutrina de Freud, ao contrário, a ilógica conclusão a que se chega, ou pelo menos aquela a que ele nos convida com insistência, é a do enfraquecimento de nosso centro de gravidade. Na estrutura que Freud propõe para o nosso psiquismo, como já observou um moderno psicólogo, a parte principal do drama se passa entre o id e o super-ego. O enredo interessante está todo nas obscuras intrigas de nosso inconsciente e nas categóricas repressões policiais da zona exterior do super-ego, ficando no meio do palco, anódino, inerme, com as mãos abanando, o Ego consciente. Vê-se pois que essa psicologia, e suas derivadas, se caracteriza por um forte extrinsecismo, disfarçado, porque chega muito perto do centro, e tanto mais forte e resoluto quanto resiste com maior deliberação à poderosa atração da proximidade. Ao que me parece, essa psicologia, com toda a sua respeitável contribuição, é antes uma força de dissociação do homem do que uma tentativa de descoberta do princípio que faz de um eu a coisa mais una, mais separada, mais brutalmente segregada do universo. Ela contraria, por curiosidade analítica, por dissociação, o primeiro fato bruto da primeira experiência da alma."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 199-200) 

 

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