Category: Pe. Mateo Crawley-Boevey
Nascido no Peru, em 1875, tornou-se após ser curado milagrosamente de uma grave enfermidade, verdadeiro apóstolo do Sagrado Coração de Jesus. Morreu em Valparaíso, Chile, em maio de 1960.
Nota da Permanência: Pe. Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante.
Pe. Matéo Crawley-Boevey
Santidade pela via comum
A santidade é possível a todos
É formidável que um pregador lhes incuta coragem e força durante o retiro. Com frequência sofremos tentações de desânimo, porque não conseguimos emendar-nos, mesmo depois de anos e anos. Viver em luta às vezes é deprimente, mormente se percebemos as misérias, feiuras e lacunas de nossa alma. Deixem para lá os cálculos, porque é ridículo: cálculos são para a ciência e não para a vida espiritual. A tentação do desânimo vem do pensamento sobre a persistência das misérias pessoais após anos dentro do convento. Escutem: a santidade é um dever, e dever sempre possível; portanto, é possível tornar-se santo. Se não, estaríamos dizendo a Nosso Senhor: “Estais louco? Vós ordenais o impossível!” Nada disso: a santidade não só é possível, como dever de vocação; na verdade é o único, pois tudo se inclui nele. Assim, repito: A santidade é possível a todas, porque é um dever da vocação de vocês.
Deus nos dá os meios para a santidade
Fizeram vocês os três votos só para não cometer pecado mortal? Ingressaram no convento só para evitar o mal? Não, vieram aqui para se tornarem santas, pois é esta a lei dos conselhos evangélicos. Geralmente se pergunta se isto ou aquilo é permitido, se em determinado caso é ou não pecado. Nosso dever não é contentar-nos em evitar o pecado. Existem coisas que são boas em si mesmas, como quem sabe os perfumes, mas não são boas para mim nem para vocês; se querem ser boas, abandonem dez, cem coisas belas e boas e sigam-me. Nosso Senhor não exige um grama a mais; porém, se vocês pedirem dez quilos, ele lhes dará mais dez graças em acréscimo; se ele lhes exigir um trabalho de gigante, dar-lhes-á uma força de gigante. Jesus é sabedoria, justiça e amor, por isso se ele exigir dez, jamais lhes dará menos de dez; e se exigir cinqüenta, não lhes dará menos de cinqüenta. Quiçá ele lhes peça um extra, a exemplo dos mártires; se assim for, dar-lhes-á uma graça extra. Os mártires receberam o chamado e com ele a graça correspondente. Quando ele lhes pede dez, dá-lhes sempre dez, quando não vinte.
A revolução na Espanha era uma guerra entre vermelhos e brancos; no fundo, era uma guerra contra os católicos: 16.000 padres e 12 bispos foram chacinados, afora as 200.000 pessoas mortas, e não houve nem um apóstata sequer, fosse ele padre, religiosa, seminarista, noviço, homem ou mocinha! É este um fenômeno singular na história da Igreja. Se há trinta anos alguém previsse: “Acontecerá daqui a alguns anos atrocidades; vocês serão maltratados e assassinados”, teriam essas pessoas a coragem então demonstrada?
Certo dia uma menininha de onze anos, cujo pai ia à Missa todas as manhãs, foi detida por um revolucionário: “Escute, minha menina, se você puser com bastante cuidado aqui (ele tinha um crucifixo na mão) só um pouquinho da lama do seu pezinho, não vai ser trucidada”. Ela deu um grito e, de fronte erguida, declarou: “Não, nunca, jamais”. Colocaram-na no paredão...
O grande meio
Como é reconfortante pensar que a santidade é possível para todos e que devemos esforçar-nos para nos transformar em santos!
Mas por que caminho, rota ou meio?
O caminho? Ele é o caminho! Vocês não conseguiriam imitar João Batista, que não come nem dorme. Por isso, siga a Ele. Seremos santos, como Santa Margarida Maria ou Santa Teresinha, se andarmos no singelo caminho de Nazaré, na vereda banal do dever cotidiano; a superiora, no dever de estado de superiora; a instrutora de turma, no dever de estado de instrutora; a cozinheira, no dever de estado de cozinheira. A vida de santidade não é uma estrada em ziguezague, mas o dever de estado, e o dever de estado é uma simples linha reta, que se vai elevando mais e mais. O caminho da santidade é a simplicidade de Nazaré no cumprimento do dever próprio e particular a cada um.
É possível um homem ser um camponês paupérrimo e magnânimo; é possível uma mulher ser humilde mas virtuosa e magnânima.
Nazaré era um cantinho do paraíso onde os três – a trindade terrestre – viveram a vida simples e obscura, no cumprimento do dever de estado! Só eles são santos de verdade. Aquele varão que está serrando a madeira é José; aquela mulher que com modéstia arruma a casa é Maria; e aquela criança, incomparável criança, é Jesus. Sim, os únicos santos, muitos mais simples e humildes que vocês e eu. Que fazem eles? A que se dedicam? Ao governo dos povos? Não: cumprem o dever de estado, e o cumprem durante trinta anos, escondidos, ignorados, sem glória. Quantos são os que querem operar milagres, quando é a vida de obscuridade que nos leva à santidade! O dever de estado de cada um é o caminho da santidade. Não existem duas categorias de religiosas: a irmã conversa está tão obrigada à santidade quanto a superiora; mas a superiora se santificará no cumprimento do dever de superiora, e a cozinheira no de cozinheira. Não esqueçam que os três santos de Nazaré são maiores que todos os santos do céu. Visitei a fonte onde Maria ia retirar água, e comecei a imaginar na simplicidade daquela grandiosa mulher, a Virgem, que não fez milagres e nunca viveu uma só hora de glória terrestre; imaginei também em São José, homem simples, de vida operosa e humilde.
Santidade e auréola
Há muitos equívocos sobre a santidade, e talvez vocês mesmas alimentem erros a respeito dela. Os santos seriam criaturas com auréolas! Existem muitos deles que não possuem auréola e ainda assim são santos, pois que milagres e visões não fazem santos. A santidade é um milagre de fé e amor. Há santos sem auréola e auréola sem santos. A rainha dos santos não tinha auréola nem operou milagres. Judas tinha auréola e operou milagres, e ele não é santo. Prestem atenção: joguem no cesto as biografias desconcertantes, que amiúde são poesia e às vezes besteira. Recusem as narrativas que empurram a santidade para fora do caminho de Nazaré. Joguem fora as revelações de Catarina Eymerich, de Maria de Ágreda e de outras mais! Vocês oferecem e transmitem essas revelações ridículas, e as noviças engolem isso e ficam divagando: “Nunca fiz milagres, nunca tive visões!” Sem divagações, por favor, e mais doutrina. Sem êxtases – sus! – pois os nossos conventos já estão empesteados de visionárias e histéricas. Maria, a Virgem de Nazaré, sem milagres, sem visões, era a rainha da fé; e José, um santo de fé, sem êxtases.
Certo dia uma senhora me veio bater à porta: “Trago-lhe uma mensagem do Sacratíssimo Coração de Jesus. – Não recebo mensagens do Sacratíssimo Coração de Jesus, vindas de uma palhaça como você. Vá lavar o rosto (ela estava toda maquiada).”
Outra veio procurar-me: “Padre, o senhor me disse A, mas Nosso Senhor me disse B! – Então vá se confessar com Nosso Senhor, se não dizemos a mesma coisa.”
Carismas não significam santidade
Nazaré, Nazaré! Caminho simples, estrada real. Francisco de Assis não é santo porque carregava os estigmas, que são apenas um carisma. Deus pode dar carismas, ou seja, presentes, mas carismas não significam santidade. Podemos ter o presente e não sermos santos.
Vivemos numa época de fantasia e histeria; a guerra acentuou tais fraquezas. Declara a Igreja: vivam da fé e amem a Deus, e não: tenham visões e façam milagres! Deixem de lado as visões e os estigmas, que não provam nada, e andem pelo caminho simples de Nazaré. Oh, como Nazaré é bela! Não havia êxtases, mas o batido caminho do dever. Nazaré, a estrada real! Vocês podem ser grandes santos exatamente onde estão.
Um médico de Milão, bom católico, morreu de súbito num vagão de trem. Aparentemente era um médico como outro qualquer, mas que coração tinha ele! Vivia só para Deus. Um chefe de estação italiano, que logo será beatificado, cumpriu durante a vida inteira o seu humilde dever cotidiano, e recusava até as promoções; era um contemplativo. Madre Cabrini, canonizada vinte e dois anos após a morte, era graciosa, sorridente, amável, divertida; ela seguiu o caminho usual do trabalho e da oração no cumprimento do dever de estado. Alguém pode perguntar porque tal fundador ou fundadora não está canonizado; talvez porque a comunidade não é o que devia ser.
Um homem nasce artista, mas não santo
Na cerimônia de canonização de Teresinha, o papa declarou que a santa de Lisieux nos deu três lições importantes:
1. A santidade é um dever;
2. O dever tem de ser cumprido na vida cotidiana;
3. A santidade é sempre amor.
Por vezes encontramos deslumbradas que são joguete do diabo: três irmãs abandonaram a comunidade para bancarem as contemplativas; após algumas semanas retornaram.
Tenho vocação de trapista, tenho alma de trapista, mas sou um judeu errante: é a vontade de Deus!
Certo dia alguém me disse: “Rezo pela sua conversão – Agradeço, mas comece pela sua!” Pois é, o diabo em tudo mete os chifres e o rabo: uma religiosa contemplativa, que estava doente, comungava da mão de um anjo – era o diabo! Ela estava era possuída; Roma a desligou do convento. Já vi santos e demônios; é ridículo uma senhora diretora de padres!
Fé, amor e vontade de Deus. Nada acima da vontade de Deus, que é o supremo amor. Ensinem às suas filhas o caminho simples, e não admitam nada extra. Se alguém deixa de comer e dormir, perde o rumo. Não é possível ser carmelita, quando se administra um hospital. À morte de Teresinha, uma de suas companheiras perguntou: “Que escreveremos sobre essa irmãzinha, se nem boa religiosa foi?” Talvez quem falava assim tivesse visões, mas não viu bem. Nenhum santo, exceto Maria, nasceu santo. Teresa d’Ávila se tornou Santa Teresa d’Ávila. Agostinho se tornou Santo Agostinho. Ambos nasceram gênios, mas se tornaram santos pelo esforço pessoal. E Teresinha? Ela também não nasceu santa, porém trabalhou dia após dia a fim de ser uma. Um homem nasce artista, mas não santo: os santos se tornaram santos trabalhando. Transformem-se em santos aos pouquinhos, a exemplo do alvorecer do sol. José Sarto era uma boa criança mas comum; quando se tornou padre, elevou-se; quando bispo, continuou elevando-se; quando patriarca de Veneza, elevou-se ainda mais; quando papa (Pio X), já era santo! Carecemos de santos.
Com uma vontade viril, tornamo-nos santos. Todos os santos tiveram defeitos: as vidas de santos já prontos só servem para ganhar dinheiro. Nisso há muita fantasia; a curiosidade é um doença. Que dizer da vida de Teresa Neumann ? Os fatos são verdadeiros, mas a Igreja não se pronunciou; então, aguardemos, pois nada nos garante que os fatos sejam divinos.
Vocês podem ser santas tão grandiosas quanto Margarida Maria e Teresinha, seguindo o batido caminho do dever, e o livrinho das regras e constituições: façam isso e viverão. Não tenho reparos a fazer ao que a Igreja aprovou para cada obra; por isso, não lhes digo para que sejam carmelitas ou outra coisa mas, onde estiverem, tornem-se santas se valendo da regra.
Vivam a vida simples de Nazaré, com humildade e amor ao dever; e lá onde estiverem, superiora ou irmãs conversas, imitem a trindade da terra: Jesus, Maria e José; lá onde estiverem, amem quem tanto as amou.
Nota da Permanência: O Padre Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante.
Pe. Matteo Crawley-Boevey
Pensamento na eternidade
Certo dia um grande pregador dominicano que passava por Ávila consultara Santa Teresa sobre o tema das pregações. “Pregue sobre o que quiser, disse-lhe ela, mas sempre tenha o pensamento na eternidade, pois não existe missão sem pensamento na eternidade.” Pois então, nada de retiro sem o pensamento na eternidade. Eis o que veremos uns dez minutos antes de comparecer diante do tribunal. Durante os estertores acontece uma batalha, uma luta: o moribundo apreende com impressionante nitidez a sua vida inteira e, nesse momento de extraordinária lucidez, descortina-se para ele a eternidade...
Certa vez um jovem marquês divertia-se num baile noturno, onde se reuniam mais de quinhentas pessoas. De súbito exclamou: “Eu vejo, eu vejo! Oh, oh! ...” Acercam-no as pessoas: “Que viu você? – Eu vi, eu vi! – Mas viu o quê? – Vi o juiz e o tribunal; vi a eternidade. Ah, como somos loucos! Sim, loucos, pois dançamos às bordas do abismo eterno!” Acharam que havia surtado. Ele, no entanto, exigia: “Mandem vir o tabelião, para fazer o meu testamento! Estou morto, deem os meus bens aos jesuítas etc.” Atenderam aos desejos dele. Pouco tempo depois ele se retirou numa gruta da floresta, onde levava vida de bicho mas alegre como um passarinho.
Bem-aventurados os que já estão preparados! Muitos ainda não estão prontos, até entre as almas consagradas. Se vocês são complacentes consigo mesmas, será dureza, mas se forem rigorosas, será leve. Julguemo-nos a nós enquanto há tempo: vejamos a partir de agora o que veremos às portas da eternidade, na hora da agonia, dez minutos antes de morrer. Nada melhor que repassar a nossa vida.
Apresento-lhes três pinturas ou quadros:
1º A brevidade da vida – Vocês tinham sete ou oito anos; lembrem-se da primeira confissão, da primeira comunhão... Parece que está longe, mas na verdade foi ontem. Neste ínterim, a vida passou como um sonho. Onde estaremos daqui a trinta anos? Como é bom sentir-se sacudido por um pensamento cristão! Se temos medo de acompanhar um enterro, talvez signifique que ainda não estamos prontos. Vocês aconselham as suas filhas, mas será que estão preparadas? Ah, as ilusões da vida!
Certa feita uma moça de vinte e quatro anos, casada havia sete meses, estava para morrer, mas ela não aceitava: “Oh, não posso morrer, não quero morrer, sou jovem demais!” – O pensamento da morte deveria ser a nossa alegria.
Uma criança de dez anos, bastante doente, preparava-se para morrer; fui visitá-la e lhe perguntei: “Você tem medo da morte? – Não, me respondeu ela, não tenho medo de morrer, mas do que vem depois.” Ela tinha razão. O mistério é o depois. Quando uma pessoa é religiosa de verdade, a morte não é assustadora. Compreendam isso à luz do retiro: se vocês negligenciaram as orações e a vida interior, pensem no que verão à hora da morte. Há algo de sagrado na morte, mas infelizmente somos qual o capitão que estimula a que outros embarquem, enquanto ele fica na praia...
Havia um moço de vinte e oito anos que escalava uma montanha, subindo e subindo a cada passo. De repente deu com o pé em falso e escorregou, caindo vertente abaixo, apesar de em vão tentar agarrar-se às saliências da encosta. Onde foi ele parar? Foi até às bordas do abismo! Deteve-o uma pedrinha. Alçaram-no dali com uso de cabos, conseguindo-o tirar daquela situação. Ficou com os cabelos totalmente brancos.
2º Tudo é vaidade, exceto Deus – Renunciamos ao casamento, instituição sagrada; renunciamos à vida de família, instituição excelente – e apegamo-nos a bibelôs ridículos. Somos uns loucos! Vaidade é orgulhar-se do próprio talento; vaidade orgulhar-se das próprias qualidades; vaidade orgulhar-se das alegrias sensíveis: música, poesia, pintura; vaidade orgulhar-se de um encargo ou honraria, pois tudo passa. A pior das mancadas é chegar à morte sem nunca haver pensado a sério em formar santas. Quantos remorsos sentirão! Vocês são superioras; talvez já tenham sentido o leve contentamento e o discreto perfume da elevação. Pois bem, o Juiz Supremo lhes pedirá contas do encargo... Bem-aventurada quem enxerga claramente antes da morte! O Papa Celestino abandonou o pontificado dizendo: “Quero ir para a solidão e salvar a minha alma.” A única realidade da vida é a morte, só ela. Tudo passa, tudo some, tudo foge, mas só ela permanece.
Certo moço, conde e oficial das forças armadas, casara com uma jovem marquesa. Alguns anos depois, aquele moço, cujo casamento abençoei, pediu-me para que se entronizasse o Sacratíssimo Coração de Jesus em seu lar. Falei algo sobre a devoção ao Sagrado Coração e o modo de viver a entronização. Estavam todos de joelhos: o pai, a mãe, os irmãos; as irmãs também estavam presentes. Pregava eu: “A única realidade é o Sacratíssimo Coração de Jesus, é Ele a única realidade, a única!” Quando menos se esperava, uma luz iluminou o conde, que escutava uma voz como a lhe dizer: “Deixa tudo, deixa tudo”. A luz e a voz o perseguiam; depois de alguns dias, a jovem marquesa, que já havia sonhado com o Carmelo, sentira também o chamado. Escreveram ambos a Roma; a resposta demorou um ano. No dia 8 de dezembro de 1918 ou 1919 despediram-se e cantaram o Magnificat. Ela escolheu um Carmelo flamengo, para que ficasse mais isolada; hoje é ela a priora de lá. Já ele é o meu superior geral. Caso vocês conservem apegos, cortem-nos antes de morrer. Não haja em suas vidas o menor laço.
3º O pecado – Já cometeram algum pecado mortal durante a vida? O pecado é uma triste realidade. Para a glória do rei, temam o pecado! Transformar-se num leproso mefítico, embora apavorante, é aceitável; já o pecado é o pior dos males para vocês e suas filhas.
A grande prova da existência do inferno
Qual é o argumento mais poderoso para provar existência do inferno e a eternidade dele? Algo de mais poderoso que a palavra de Nosso Senhor? O crucifixo. Um Deus se crucifica por diversão? Não, ele morre como um bandido para nos poupar do inferno. Nosso Senhor fala no Evangelho mais de dez vezes acerca da geena e do fogo: “Temei a geena... sereis lançados ao fogo do inferno.” Porém, a morte do Cristo para salvar-nos desse fogo cala ainda mais forte. Quem contradita o Eterno é louco ou canalha. Existem livros que nos instruem sobre o inferno afirmando que todos os demônios estão presentes à hora da morte. Por que não dizem que quem estará lá conosco é o Salvador, o Bem-Amado, o que derramou sangue para nos salvar? Vocês são o espólio do Senhor, assim para que escapem de Seus braços seria preciso que fizessem força, pois Ele não as abandonará tão facilmente. O temor filial é dom, graça, prudência e humildade. Esperem n’ Ele, confiem n’Ele sempre mais, esperem! Até os canalhas devem esperar nele. Ele aguarda, aguarda mais um segundo, ainda outro, para que vocês lhe declarem: “Eu Vos amo!” Os nomes de vocês estão gravados no coração de Jesus desde o batismo, ou melhor, desde a profissão. Ninguém será capaz de apagá-los de lá, a menos que vocês mesmas o façam. Vocês hão de enxergar tais nomes no momento da agonia! Hão de morrer como São José, nos braços de Nosso Senhor, com a cabeça apoiada sobre o peito dele. Não é morte morrer assim!
Há alguns meses, uma humilde irmãzinha, serva dos pobres, morreu em grande júbilo, cantando. Só quem é humilde e confiante morre assim. A religiosa é religiosa, esposa e rainha para sempre. Sejam santas na vida e na morte, e a morte não será morte, pois passarão da vida de consagradas cá embaixo à glória de prediletas lá em cima, ao lado dele.
Nota da Permanência: O Padre Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante.
Pe. Mateo Crawley-Boevey
O grande perigo da mediocridade
Não prego sobre o inferno, pois não é a minha missão; porém lhes darei uma conferência sobre a mediocridade. Certa vez me dizia um arcebispo após essa pregação: “Se o senhor me desse um tapa na cara, o efeito seria o mesmo! Ah, se soubesse como chorei!” O grande perigo, o único nos conventos, é a mediocridade, pois nos conventos existem poucos riscos: o mundo mundano só lhes afeta de leve, assim não se constitui em perigo imediato, mas no jardim do Senhor há um perigo enorme – a mediocridade, que é um mal horrível e terrível, porque é um mal de hipocrisia. Se fosse um escândalo, gritaríamos: “Cuidado!”, contudo a mediocridade não é escandalosa. Ela é semelhante ao diabético. Que está doente no diabético? Não é o coração, o estômago ou a cabeça, antes é um envenenamento do sangue, que começa a ser substituído por açúcar, sem provocar muita dor; ainda assim o corpo não está são mas doente. Essa é a forma de ação da mediocridade, que para as comunidades é pior que a lepra. Assemelha-se ela a pecados como a blasfêmia e a impureza? Não, pois não é o coração nem o estômago que estão doentes, e sim a alma inteira que está estragada, porque perdeu a noção de vida religiosa. Essa condição perdeu muitos religiosos e religiosas; é a peste do clero e das comunidades.
O minimismo
Em que consiste ele? Essa doença, que chamo de minimismo, consiste em barganhar com Deus: “Senhor, não me peçais isso. Que me estais pedindo, Senhor? O Senhor me pedis cem, mas só vos darei vinte, ficai contente! Onde já se viu, eu santa? Sou uma irmã muito boazinha, e isso já basta, Senhor”. Não afirmamos isso com a boca, mas com a própria vida, oferecendo tão-só o indispensável para que não sejamos ruins.
A vida religiosa é doação total, coração em troca de coração, vida em troca de vida; é amar a Deus loucamente, para que Ele seja amado e vocês se tornem santas. Já a mediocridade é exatamente o contrário: “Não tenho pretensões à santa; estou contente de ser uma mera irmã boazinha; e vós, Jesus, ficai satisfeito, pois é só isso!” Fizeste os três votos apenas para seres uma irmã boazinha vestida de freira? – diria Jesus. Senão, vejamos. Vocês, religiosas, são capazes de realizar um milagre? Não, porque não são santas; estão vestidas de rainha e, ainda assim, ousam comportarem-se como servas. Vivam como rainhas. Eu, que sou cego, digo: “Sejam santas”; e Ele, Jesus, que não é cego, lhes diz a mesma coisa. Não imitem aquela tola, religiosa só de nome, que confessava: “Tenho medo de lhe dar um dedo, pois poderá querer os cinco, e mais tarde os dez.” Que raciocínio! Elevem-se, custe o que custar, nos braços de Jesus. Estejam certas de que vocês foram escolhidas para avivar a faísca [do amor], a fim de elevarem-se a si e elevarem os outros.
Na mediocridade há dupla injustiça. Nosso Senhor me dá um milhão e, em lugar de capitalizá-lo, limito-me a esbanjá-lo. Assim põe-se a perder a glória de Deus e as almas! Vocês não são fervorosas, por isso [a oração] não surte efeitos para si nem para os outros; ninguém dá o que não tem. E que darão à comunidade? A comunidade está com fome e frio; se é assim, deem-lhe o coração de Teresinha. Se a superiora não ambiciona a santidade, falta aquecimento central; vocês só produzem faíscas, quando em verdade precisam ser fogo para atear fogo.
Que falta na vida cristã? Não são conferências, confrarias ou medalhas, antes são os Cura d’Ars que faltam, em 95% dos casos. Todos costumam dizer que fazem o possível e o impossível. Será verdade? Já são santas? Vocês poderiam sair deste retiro verdadeiras labaredas para si mesmas e as suas comunidades! Um carro não anda sem gasolina; a gasolina, que é a vida espiritual e o amor a Deus, está em falta; esse é o motivo da falta de santos.
No convento a superiora reclama de que nada vai para frente; mas existe lá alguma Santa Teresinha? Não? Então, o que está faltando é um santo. Tenham a confiança e o amor de Teresinha, pois este é o segredo da fecundidade e do apostolado.
Vivam como milionárias
Dizia certo padre agonizante: “Ah, morrer assim, morrer assim! – Qual o problema, se o senhor sempre agiu bem... Trinta e oito anos de sofrimentos e trabalhos pela glória de Deus. Fique em paz! Deus é tão bom! – Ah, é verdade, respondeu ele, padeci muitos, bastantes trabalhos, mas amei tão pouco a Nosso Senhor, estive tão longe de ser santo.”
Escutaram: “Amei tão pouco a Nosso Senhor”. Muito trabalho e pouco amor. Não é o muito trabalho que salva, mas o coração fervoroso de Teresinha. Teresa d’Ávila nem sempre percorreu o caminho que conduz ao alto; ela conheceu a mediocridade durante os anos de convento. Ah mediocridade maldita, que nos corta as asas! Deus lhes amou a ponto de provocar inveja aos anjos; Ele as apelida de “minhas prediletas”, o que nem os anjos mereceram ouvir, mas vocês ousam não corresponder à altura, amando-O de volta. Os anjos conhecem o catecismo, e se mordem de inveja santa do amor que Jesus dedica a vocês.
Se no rótulo da garrafa está gravado: “Mediocridade”, nele tratem de escrever em letras garrafais: horrível veneno. Substituamos o rótulo e então ponhamos: Ingratidão; isso mesmo, a mediocridade é uma in-gra-ti-dão. Vocês afirmam que são pobres, contudo estão dizendo besteira, tolices; vivem como mulherezinhas pobres, o que é bom, mas nada além disso. Na verdade, vocês são milionárias, por isso vivam como milionárias. As almas religiosas somos as que, na maioria dos casos, demonstramos a pior das ingratidões, porque não vivemos segundo o desejo do rei Jesus. Uma religiosa que se contenta com ser moça boazinha e não ambiciona elevar-se, é uma ingrata. Ah, se eu pudesse molhar a minha pena no sangue do Sacratíssimo Coração de Jesus! Lutem, lutem contra a doença da mediocridade. Que vocês pensariam de Santa Gertrude, Santa Matilde e Santa Teresa se elas tivessem sido apenas Boa Gertrude, Boa Matilde e Boa Teresa? Não seriam santas. Temam o pecado de ingratidão, pois ela é a lança que vocês retiram das mãos de Longino para ferir o Sacratíssimo Coração de Jesus.
Num monastério da Europa, a madre assistente ia morrer. Ela provinha duma família riquíssima; assim lhe enviaram dois médicos que a visitavam de duas a três vezes por dia. Certa noite, os médicos advertiram a comunidade: “A agonia virá em breve, ordenem que lhe deem a extrema-unção.” Às cinco horas despedem-se da doente, dizendo-lhe adeus, pois não passaria das dez. Às dez e meia a comunidade se recolheu, deixando duas companheiras para cuidar da doente. Por um instante, as enfermeiras improvisadas vão até à cozinha; quando retornam ao quarto, deparam-se com a doente aos soluços. Que aconteceu? Disse a doente, enfim: “Vi Jesus, o rei, ferido; disse-me ele: ‘Ingrata, ingrata! Deste-me apenas migalhas de amor. Ingratas como tu há aos montes; dirás que me viu, mas como não acreditariam em ti, pois falariam que tiveste um pesadelo, ou que foi a febre, bem, para provar a ti e a elas que sou Eu mesmo, vou curar-te.’”
Talvez o rei nos dissesse a mesma coisa: “Ingrata! Cansei de dar-te presentes, mas tu... que me deste?” Se em lugar desta imagem estivesse Nosso Senhor em pessoa e lhes falasse, quiçá lhes diria isto: “Ah, quantas ingratas! Vede as minhas chagas abertas: são elas o meu amor por vós; onde está o vosso amor por mim? Moças comportadas vestidas de freira existem por aí a mancheias, porém busco em vão aquelas que me amam.” Sim, faltam santos. Ninguém cai de súbito no pecado, pois a morte espiritual nunca é súbita; vamos escorregando, limitando a doação total, descendo cada vez mais, sempre ladeira abaixo. A mediocridade é um perigo enorme. Maldita mediocridade, que causa imensas devastações!
Uma santa superiora é um poço de Jacó sempre ressumante, é um cálice repleto e transbordante. Esta alma de oração e amor a Deus tem a oferecer mais que todos os predicadores. Uma superiora inteligente, desenvolta, ágil secretária, excelente administradora, boa financista e sem fervor – é uma névoa fria a encobrir a comunidade. A santidade da superiora é a luz e o calor das religiosas. Ela os encontrará no Sacratíssimo Coração de Jesus.
Precisamos realizar a conversão definitiva! O abandono da mediocridade talvez seja a conversão mais difícil. É mais fácil converter um maçom que um padre. Uma irmã que acha que nem todos podem ser santos é dificílima de converter. Costumamos dizer a Jesus para que veja as nossas obras e tenha piedade de nós. Mas só as obras? Jesus bem poderia responder: “Construíste palácios para as crianças e os doentes, mas eu ainda moro num estábulo como um pobre mendigo... para mim uma capelinha, para eles belos salões! Falta aos corações de minhas esposas e prediletas a santidade.”
Um retiro é capaz de mudar comunidades inteiras; um retiro de cinco dias significa cinqüenta anos de graças para as comunidades de vocês. Vivam uma vida nova, pois nem tudo nela é belo. A distância entre a mediocridade e a santidade é maior que entre a maldade e a mediocridade. É um erro gravíssimo da alma religiosa acreditar na licitude da mediocridade. Façam violência ao Sacratíssimo Coração de Jesus para que o Paráclito venha sobre vocês, a fim de que compreendam o que há de horrível na mediocridade.
Contrição sem angústia
Há de se fazer o retiro com paz e alegria. O jansenismo não é cristão: ele acha que somos crianças a quem se deve amedrontar; mas não é isso que Nosso Senhor nos apregoa. A angústia não é cristã, mas nos é lícita uma santa tristeza. A dor e a contrição, ainda que sejam culpadas, deem-se em espírito de alegria: Nosso Senhor não veio para sufocar ou esmagar as irmãs. A contrição e o arrependimento são maiores à medida que vocês estejam calmas e em paz. Quem se aproxima de Deus, aproxima-se do céu, e lá não existe angústia.
Se vocês conseguirem enxergar melhor e perceberem que nem sempre cumpriram o dever, encontrarão repouso no arrependimento sincero, e paz na humilhação que as faltas ocasionam. A inquietação cheira a enxofre e a diabo: Deus nunca inquieta, mas revela o que é preciso para a boa condução da alma. O arrependimento verdadeiro é a descoberta de repouso no coração. A Igreja condenou o jansenismo; prefiro um protestante a um jansenista...
Pe. Matéo Crawley-Boevey
Nota da Permanência: O Padre Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante.
Inclinar-se à santidade
Como vocês são religiosas, falemos sobre a vida religiosa; comecemos pelo começo. A vida religiosa é uma pedra angular. O padre não é um homem como outro qualquer, mas é um super-homem, um homem divinizado. Uma religiosa como vocês não é uma dama fina e inteligente, de forma nenhuma, mas sim uma pessoa consagrada a Deus; vocês são esposas e rainhas do rei Jesus, não servas, e muito menos escravas. Bem sei que vocês são insignificantes grãos de areia, mas Jesus as escolheu, de modo que a consagração é um casamento, não porque vocês o tenham pretendido, mas porque Jesus o quis assim. Essa união com Jesus é um casamento divino.
Certa feita uma religiosa ensinava a uma princesa a quem teve de repreender; a princesinha, irritada, recusava-se a obedecer e encolerizada disse: “Esqueceu-se de que sou filha do rei de França?”, ao que a religiosa respondeu: “Esqueceu-se de que sou esposa do rei dos reis, diante de quem o seu paizinho se ajoelha?”
A quem muito foi dado, muito será cobrado: o milionário não será cobrado como o servo. Vocês não serão julgadas como escravas mas prediletas. Cobrará o rei: “Recebeste tesouros, por isso vem prestar contas do diadema e do manto real.” Essa frase lhes deve provocar calafrios. A principal glória da vida religiosa é a de que vocês são as minhas prediletas, lhes diz Jesus, minhas pombas e filhinhas do coração. Quando morrerem, Jesus não perguntará se vocês instruíam cinqüenta alunas ou administravam um grande hospital, mas: “Amaste-me tu como uma rainha? Agiste como minha predileta?” Ele não dirá: “Vê as minhas mãos e os meus pés, que os impuros, os maus e os ímpios machucaram”; não, o primeiro sofrimento lhe virá das almas consagradas! “Tu me juraste que serias santa: que fizeste do juramento?”
Não pensamos o suficiente nessa queixa de Nosso Senhor em Paray-le-Monial. Normalmente se reclama de que as obras não vão para frente, de que há algo de errado com as irmãs, mas Nosso Senhor bem que poderia perguntar: “Recordas-te da tua profissão? Prometeste ser santa e, depois de quarenta anos, ainda não és.” Profissão significa convento e religião; por que entrei no convento? Vocês afirmam: “Para salvar a minha alma ou salvar almas.” Salvar a minha alma? Quem lhes disse que os três votos são necessários para ir ao céu? Então, papai e mãe vão ao inferno, pois eles não fizeram os três votos! O batismo, a penitência e a comunhão são suficientes para que papai e mamãe se salvem, bem como milhares de cristãos pelo mundo. Mas vocês insistem: “Vim para salvar as almas.” Pois bem! Salvar almas é conseqüência, pois as salvarão à medida de sua santidade.
Vocês entraram no convento para se tornarem santas: eis o princípio e o cerne da vida religiosa. Vocês são religiosas para que sejam santas e mais nada, o resto já está contido nisto. Ninguém está aqui para se instruir ou curar as feridas, mas para se transformar em santo; o único ideal da vida religiosa é amar como amaram os santos, ou seja, ser um santo com S maiúsculo a todo o custo. A pobreza, a castidade e a obediência são os três votos que me ajudarão; diariamente, com a graça de Deus, subirei, subirei e me tornarei santa. Se alguém já lhes disse isso, bem-aventuradas são; se esta é a primeira vez, mãos à obra. Ninguém está aqui para brincar de teatro, música, literatura e quejandos, mas para ser santa. Esta é a instrução que vocês devem transmitir às noviças. Não se tornar uma pessoa má não é um ideal, mas é o mínimo; se a mulher é religiosa apenas para evitar o pecado, está perdendo tempo.
“Senhor, dai-nos a vitória”
Quando visitei o papa, ele me perguntou: “Padre, que mais o inquietou nas suas palestras pelo mundo?” Fiquei hesitante. “– Fale, fale. – A falta de santos, a falta de santos.” Só o céu canoniza, só ele o rei que sabe de tudo; mas onde estão os seus santos canonizados? Agora chegou o momento: abandonem tudo o mais e se tornem santas!
Vou citar-lhes um episódio ocorrido durante a 1ª Guerra Mundial [1914-1918]: uma boa irmã, mas não santa, que tinha dois irmãos de sangue oficiais, repetia sempre entre gemidos: “Senhor, dai-nos a vitória! Nossa vitória, Senhor!” Certo dia escutou ela uma voz que saia do tabernáculo: “De que vitória falas? – Da vitória das nossas forças armadas. – Deixa isso comigo, disse Jesus; eu sou o Mestre, por isso suplique antes a minha vitória. – Que vitória, Senhor? – Quê? Tu, que és religiosa, não sabes qual é a minha vitória? A minha vitória é que tu sejas uma santa, pois boas irmãs como tu tenho para dar e vender.”
Como os santos nos fazem falta, o mundo definha porque estão faltando santos!
O primeiro dever da religiosa é santificar-se e oferecer ao próximo algo da própria fartura santificando-o. Não sejam modernistas: é errado aceitar moças para enfermeiras ou instrutoras. Necessitamos de noviças, assim se constitui erro grave a falta de rigor na escolha delas. A melhor religiosa, essa será a melhor instrutora e enfermeira; o resto vem em acréscimo. Perguntar-se-ão as religiosas: “Nós, santas? Não passamos de um fardo de misérias.” Pobre Jesus! Quando ele as escolheu, não sabia que eram miseráveis? Estava ele cego, sonolento, com a vista embaçada? Jesus não dorme, pois ele é justiça e sabedoria; Jesus as enxergou tais quais eram, sabia o que eram e, porque nunca se engana, as escolheu, para que se tornassem santas.
Acompanhando o chamado vêm as graças de estado; se a moça a quem chamei não consegue aumentar o resplendor das estrelas, eu, Jesus, que sou o guia dela, consigo. Ele nos concedeu milhares de graças para que sejamos santos! Quantos grandes santos receberam menos que nós! Nasceram com três centavos e morreram milionários; foram generosos e se tornaram sóis gloriosos. Talvez São Francisco de Assis e Santa Margarida Maria tenham sido menos favorecidos que nós, porém foram fidelíssimos ao capitalizar os dons de Deus! Sejam exigentes com as meninas que acolherem; quiçá percam umas cinco ou dez, mas seriam cinco ou dez noviças em demasia. Uma moça de dezenove anos costumava travar relações com religiosas não santas; convidaram-na a ingressar ao convento, contudo ela respondeu: “Ser religiosa é só isso? Vou ficar com a minha família.” Por vezes é assim que as boas almas se afastam.
A graça, a generosidade e a educação
Antes de tudo, é a graça que faz os santos. Jesus não pede mais do que podemos dar; mas se ele nos pede nos dá. Dá dez vezes mais que o necessário. O purgatório ficará cheio até a boca com almas que viveram vinte, trinta, quarenta anos no convento sem saber que a graça de Deus as ajudava e sem haver feito frutificá-la. Vocês são capazes de serem muito maiores que a singela Teresinha, apesar de serem apenas singelas cristãs. A santidade se baseia em graças superabundantes. Ninguém exige que uma pedrinha voe, mas com a graça de Deus é possível.
A santidade se baseia em generosidade: elevemo-nos cada vez mais, não fiquemos parados, nunca. Criemos asas, quais pássaros, que começam a voar aos poucos, e nos elevemos sempre. Teresinha, que se alçou tão alto em apenas vinte e quatro anos, dá-nos uma lição. Que fez ela? Escutem: “Nunca recusei nada ao bom Deus, desde a idade de quatro anos.” Talvez ela tenha recebido um capital menor que o de vocês e o meu, mas ela aumentou esse capital. Se vocês têm remorsos de haverem recusado muitas coisas do bom Deus, bem, a partir deste retiro vocês já não recusarão nada, progredindo no caminho de Teresinha: doação total, coração em troca de coração. Não ingressamos nas ordens apenas para que não sejamos impuros ou maus, porque, passado bastante tempo, conseguimos renunciar o pecado; de fato, renunciamos coisas excelentes: o casamento, a vida de família; mas nós nos limitamos, e porque nos limitamos, limitando a doação total, não somos totalmente de Jesus, e só dele.
A santidade se baseia na educação religiosa. Para que se formem os jovens nessa doação total, força é lembrarem-se dos santos: é essa a sua responsabilidade. Uma barra de ouro tem de ser purificada e cinzelada, a fim de que se transforme em cálice. O esforço e a labuta da boa vontade, diariamente, é o que faz os santos. Vocês precisam amar o esforço e torná-lo amável.
Um de nossos padres, provincial durante alguns anos – e morto em odor de santidade, envolto numa atmosfera de humildade e paz –, fora um moço altivo e orgulhoso, cheio de defeitos. Aos pouquinhos se transformou em santo, pelo esforço cotidiano. Aquele moço colérico, que tinha enormes defeitos e qualidades enormes, ao fim da vida se tornara um repositório de bondade e tranqüilidade, amado por todos e lamentado com soluços pelos religiosos que lhe assistiram à partida para o céu.
Sim, a santidade se baseia na educação também. Não basta ser uma boa irmã e contentar-se com isso, mas tentar imitar Teresinha. Eu lhes imploro, em nome do Sacratíssimo Coração de Jesus, para que vocês se tornem santas, pois é este o seu único dever, e só este.
Se vocês confiam mais na menina que tem vocação para boa mestra do que para boa religiosa, expiarão tal erro.
Vivemos aos trancos e barrancos, por isso desejaríamos sempre diminuir as exigências da religião, deixar a vida correr frouxa. Que pena! Há cem anos éramos mais religiosos. Que fazem vocês, se não trabalham na santidade? Deste modo se perde a glória de Deus, a de vocês e a das almas. Os padres devem ser o Cristo da paróquia, e também vocês devem ser um pouco como ele, sendo assim muito mais religiosas. Convençam-se em ser religiosas acima de tudo, e ainda assim considerem que talvez não estejam entre as primeiras almas da paróquia. É impossível Jesus reinar contra mim e vocês, pois vocês e suas comunidades são a guarda real do rei; portanto, despertem a luz e o calor nos corações e nas comunidades... Jesus não nos exige milagres, senão o milagre do amor, que é a ambição de ser santo custe o que custar. Quem salvará o nosso país? Não serão os políticos mas os santos. Um Cura d’Ars é mais glorioso para a França que mil Napoleões.
Realizaram vocês os esforços amorosos que lhes espera o rei, a exemplo de Teresinha ou Bernadete? Nem todos podem ser artistas, mas podem ser santos. Se não há santos nos conventos, onde encontrá-los? Se não há água nas fontes, onde bebê-la? Se não há flores nos jardins, onde colhê-las? Se não há árvores das florestas, onde buscá-las? Se não há estrelas no firmamento, onde fitá-las? A fonte é o convento, o jardim é o convento, a floresta é o convento, e o céu é o convento. Catarina Tekakwitha se elevou bastante; ela era uma pequena iroquesa; quiçá ela será considerada santa antes de vocês, mesmo sendo uma selvagenzinha! Se Deus quiser, tomara que ela as ultrapasse; Catarina não era religiosa, mas um passarinho da floresta. Já vocês são estrelas do firmamento. De direito, a santidade é sua; de fato, é dela.
Deus lhes está chamando, assim tratem de se elevar com asas de águia, pois Jesus, o rei, quer o milagre de sua santificação. O único objetivo de vocês serem religiosas é a glória de Deus. Urge que todas e cada uma sejam santas, e eduquem as suas filhas, pois ninguém dá o que não tem: sejam santas para transmitir a santidade.
“A missa na intenção de vocês é a minha grande pregação”
A doutrina do Sacratíssimo Coração de Jesus é uma teologia inteira por si só; reparem bem: o amor do Cristo é o dogma, o meu amor é a moral. Essa teologia se resume em três cenas: a manjedoura, a cruz e o altar. O quadro da missa que está neste local é obra de um padre belga; ele suprimiu os pormenores que distrairiam o fiel da missa: não há flores nem anjos, mas somente o sacrifício.
Suplico-lhes a esmola de uma oração ou de uma via crucis em favor das almas pecadoras dos consagrados, que precisam de luz imensa para retornarem a Deus; depois, durante o retiro, o Rosário da Santíssima Virgem. Celebro a missa durante a comunhão para ajudá-las a dar graças a Nosso Senhor. A missa na intenção de vocês é a minha grande pregação; só aí espero fazer alguma coisa pelas suas comunidades. Aqui, uso a minha língua; mas a melhor pregação é a do Senhor na missa. Essa pregação cala mais e melhor nos corações, pois quem lhas dá é o Sacratíssimo Coração de Jesus. Supliquem ao Sacratíssimo Coração de Jesus para que lhes deem luzes.
(Tradução: Permanência / Revista Permanência 274)
A Missa
Faltam luzes acerca da missa, a não raro a educação sobre esse mistério de amor é incompleta. Compreender o mistério de fé do altar é mercê altíssima. Que regozijo, ainda que em penumbra!
Deve-se basear a piedade na doutrina; caso contrário, é piedade sentimental, piedade de poeta. Não são as flores o essencial, mas o altar. Quando não há altar, onde pondes as flores? Se não há um fundo de doutrina, sobre que apoiareis a piedade?...
Veni, Sancte Spiritus. Venha o Paráclito com suas luzes! Glória ao Pai, pelos incomparáveis dons que nos dera! Glória ao Filho, pelo mistério da Sexta-Feira Santa! Glória ao Paráclito, que nos ensinara a erigir o altar para imolar o Cordeiro sem mancha à glória da Trindade. Per Christum Dominum nostrum, pontífice, mediador e hóstia.
[O texto que se vai ler é um resumo feito pelos monges de Sept-Fons, mosteiro trapista, das conferências do padre Mateo Crawley-Boevey, o ardente apóstolo do Sagrado Coração de Jesus. O estilo tão narrativo e direto da transcrição não impede o texto de aumentar nossa devoção pelo Rei de amor]
Esta questão, colocada pelo reverendo padre Mateo, já havia sido formulada nos corações de muitos de nós, ou melhor, nos corações de todos nós. É possível ouvir as maravilhas realizadas por toda a parte pela obra da intronização do Sagrado Coração sem desejar de algum modo contribuir com ela? Mas, como fazer, nós, religiosos contemplativos, que não temos mais relação alguma com o mundo exterior?