Skip to content

Conferências sobre a santidade (II)

Nota da Permanência: O Padre Matéo proferiu estas conferências às superioras de diversas comunidades religiosas do Canadá, na província do Québec, em 1945. Embora endereçadas às almas consagradas, estas conferências são utilíssimas aos leigos, havendo estes tão-somente de fazer as devidas substituições, como “almas consagradas” por “almas batizadas”, “comunidade” por “família”, “vida religiosa” por “vida cristã” e assim por diante. 

 

Pe. Mateo Crawley-Boevey

 

O grande perigo da mediocridade

Não prego sobre o inferno, pois não é a minha missão; porém lhes darei uma conferência sobre a mediocridade. Certa vez me dizia um arcebispo após essa pregação: “Se o senhor me desse um tapa na cara, o efeito seria o mesmo! Ah, se soubesse como chorei!” O grande perigo, o único nos conventos, é a mediocridade, pois nos conventos existem poucos riscos: o mundo mundano só lhes afeta de leve, assim não se constitui em perigo imediato, mas no jardim do Senhor há um perigo enorme – a mediocridade, que é um mal horrível e terrível, porque é um mal de hipocrisia. Se fosse um escândalo, gritaríamos: “Cuidado!”, contudo a mediocridade não é escandalosa. Ela é semelhante ao diabético. Que está doente no diabético? Não é o coração, o estômago ou a cabeça, antes é um envenenamento do sangue, que começa a ser substituído por açúcar, sem provocar muita dor; ainda assim o corpo não está são mas doente. Essa é a forma de ação da mediocridade, que para as comunidades é pior que a lepra. Assemelha-se ela a pecados como a blasfêmia e a impureza? Não, pois não é o coração nem o estômago que estão doentes, e sim a alma inteira que está estragada, porque perdeu a noção de vida religiosa. Essa condição perdeu muitos religiosos e religiosas; é a peste do clero e das comunidades.

 

 

O minimismo

 

Em que consiste ele? Essa doença, que chamo de minimismo, consiste em barganhar com Deus: “Senhor, não me peçais isso. Que me estais pedindo, Senhor? O Senhor me pedis cem, mas só vos darei vinte, ficai contente! Onde já se viu, eu santa? Sou uma irmã muito boazinha, e isso já basta, Senhor”. Não afirmamos isso com a boca, mas com a própria vida, oferecendo tão-só o indispensável para que não sejamos ruins.

 

A vida religiosa é doação total, coração em troca de coração, vida em troca de vida; é amar a Deus loucamente, para que Ele seja amado e vocês se tornem santas. Já a mediocridade é exatamente o contrário: “Não tenho pretensões à santa; estou contente de ser uma mera irmã boazinha; e vós, Jesus, ficai satisfeito, pois é só isso!” Fizeste os três votos apenas para seres uma irmã boazinha vestida de freira? – diria Jesus. Senão, vejamos. Vocês, religiosas, são capazes de realizar um milagre? Não, porque não são santas; estão vestidas de rainha e, ainda assim, ousam comportarem-se como servas. Vivam como rainhas. Eu, que sou cego, digo: “Sejam santas”; e Ele, Jesus, que não é cego, lhes diz a mesma coisa. Não imitem aquela tola, religiosa só de nome, que confessava: “Tenho medo de lhe dar um dedo, pois poderá querer os cinco, e mais tarde os dez.” Que raciocínio! Elevem-se, custe o que custar, nos braços de Jesus. Estejam certas de que vocês foram escolhidas para avivar a faísca [do amor], a fim de elevarem-se a si e elevarem os outros.

 

Na mediocridade há dupla injustiça. Nosso Senhor me dá um milhão e, em lugar de capitalizá-lo, limito-me a esbanjá-lo. Assim põe-se a perder a glória de Deus e as almas! Vocês não são fervorosas, por isso [a oração] não surte efeitos para si nem para os outros; ninguém dá o que não tem. E que darão à comunidade? A comunidade está com fome e frio; se é assim, deem-lhe o coração de Teresinha. Se a superiora não ambiciona a santidade, falta aquecimento central; vocês só produzem faíscas, quando em verdade precisam ser fogo para atear fogo.

 

Que falta na vida cristã? Não são conferências, confrarias ou medalhas, antes são os Cura d’Ars que faltam, em 95% dos casos. Todos costumam dizer que fazem o possível e o impossível. Será verdade? Já são santas? Vocês poderiam sair deste retiro verdadeiras labaredas para si mesmas e as suas comunidades! Um carro não anda sem gasolina; a gasolina, que é a vida espiritual e o amor a Deus, está em falta; esse é o motivo da falta de santos.

 

No convento a superiora reclama de que nada vai para frente; mas existe lá alguma Santa Teresinha? Não? Então, o que está faltando é um santo. Tenham a confiança e o amor de Teresinha, pois este é o segredo da fecundidade e do apostolado.

 

 

Vivam como milionárias

 

Dizia certo padre agonizante: “Ah, morrer assim, morrer assim! – Qual o problema, se o senhor sempre agiu bem... Trinta e oito anos de sofrimentos e trabalhos pela glória de Deus. Fique em paz! Deus é tão bom! – Ah, é verdade, respondeu ele, padeci muitos, bastantes trabalhos, mas amei tão pouco a Nosso Senhor, estive tão longe de ser santo.”

 

Escutaram: “Amei tão pouco a Nosso Senhor”. Muito trabalho e pouco amor. Não é o muito trabalho que salva, mas o coração fervoroso de Teresinha. Teresa d’Ávila nem sempre percorreu o caminho que conduz ao alto; ela conheceu a mediocridade durante os anos de convento. Ah mediocridade maldita, que nos corta as asas! Deus lhes amou a ponto de provocar inveja aos anjos; Ele as apelida de “minhas prediletas”, o que nem os anjos mereceram ouvir, mas vocês ousam não corresponder à altura, amando-O de volta. Os anjos conhecem o catecismo, e se mordem de inveja santa do amor que Jesus dedica a vocês.

 

Se no rótulo da garrafa está gravado: “Mediocridade”, nele tratem de escrever em letras garrafais: horrível veneno. Substituamos o rótulo e então ponhamos: Ingratidão; isso mesmo, a mediocridade é uma in-gra-ti-dão. Vocês afirmam que são pobres, contudo estão dizendo besteira, tolices; vivem como mulherezinhas pobres, o que é bom, mas nada além disso. Na verdade, vocês são milionárias, por isso vivam como milionárias. As almas religiosas somos as que, na maioria dos casos, demonstramos a pior das ingratidões, porque não vivemos segundo o desejo do rei Jesus. Uma religiosa que se contenta com ser moça boazinha e não ambiciona elevar-se, é uma ingrata. Ah, se eu pudesse molhar a minha pena no sangue do Sacratíssimo Coração de Jesus! Lutem, lutem contra a doença da mediocridade. Que vocês pensariam de Santa Gertrude, Santa Matilde e Santa Teresa se elas tivessem sido apenas Boa Gertrude, Boa Matilde e Boa Teresa? Não seriam santas. Temam o pecado de ingratidão, pois ela é a lança que vocês retiram das mãos de Longino para ferir o Sacratíssimo Coração de Jesus.

 

Num monastério da Europa, a madre assistente ia morrer. Ela provinha duma família riquíssima; assim lhe enviaram dois médicos que a visitavam de duas a três vezes por dia. Certa noite, os médicos advertiram a comunidade: “A agonia virá em breve, ordenem que lhe deem a extrema-unção.” Às cinco horas despedem-se da doente, dizendo-lhe adeus, pois não passaria das dez. Às dez e meia a comunidade se recolheu, deixando duas companheiras para cuidar da doente. Por um instante, as enfermeiras improvisadas vão até à cozinha; quando retornam ao quarto, deparam-se com a doente aos soluços. Que aconteceu? Disse a doente, enfim: “Vi Jesus, o rei, ferido; disse-me ele: ‘Ingrata, ingrata! Deste-me apenas migalhas de amor. Ingratas como tu há aos montes; dirás que me viu, mas como não acreditariam em ti, pois falariam que tiveste um pesadelo, ou que foi a febre, bem, para provar a ti e a elas que sou Eu mesmo, vou curar-te.’”

 

Talvez o rei nos dissesse a mesma coisa: “Ingrata! Cansei de dar-te presentes, mas tu... que me deste?” Se em lugar desta imagem estivesse Nosso Senhor em pessoa e lhes falasse, quiçá lhes diria isto: “Ah, quantas ingratas! Vede as minhas chagas abertas: são elas o meu amor por vós; onde está o vosso amor por mim? Moças comportadas vestidas de freira existem por aí a mancheias, porém busco em vão aquelas que me amam.” Sim, faltam santos. Ninguém cai de súbito no pecado, pois a morte espiritual nunca é súbita; vamos escorregando, limitando a doação total, descendo cada vez mais, sempre ladeira abaixo. A mediocridade é um perigo enorme. Maldita mediocridade, que causa imensas devastações!

 

Uma santa superiora é um poço de Jacó sempre ressumante, é um cálice repleto e transbordante. Esta alma de oração e amor a Deus tem a oferecer mais que todos os predicadores. Uma superiora inteligente, desenvolta, ágil secretária, excelente administradora, boa financista e sem fervor – é uma névoa fria a encobrir a comunidade. A santidade da superiora é a luz e o calor das religiosas. Ela os encontrará no Sacratíssimo Coração de Jesus.

 

Precisamos realizar a conversão definitiva! O abandono da mediocridade talvez seja a conversão mais difícil. É mais fácil converter um maçom que um padre. Uma irmã que acha que nem todos podem ser santos é dificílima de converter. Costumamos dizer a Jesus para que veja as nossas obras e tenha piedade de nós. Mas só as obras? Jesus bem poderia responder: “Construíste palácios para as crianças e os doentes, mas eu ainda moro num estábulo como um pobre mendigo... para mim uma capelinha, para eles belos salões! Falta aos corações de minhas esposas e prediletas a santidade.”

 

Um retiro é capaz de mudar comunidades inteiras; um retiro de cinco dias significa cinqüenta anos de graças para as comunidades de vocês. Vivam uma vida nova, pois nem tudo nela é belo. A distância entre a mediocridade e a santidade é maior que entre a maldade e a mediocridade. É um erro gravíssimo da alma religiosa acreditar na licitude da mediocridade. Façam violência ao Sacratíssimo Coração de Jesus para que o Paráclito venha sobre vocês, a fim de que compreendam o que há de horrível na mediocridade.

 

 

Contrição sem angústia

Há de se fazer o retiro com paz e alegria. O jansenismo não é cristão: ele acha que somos crianças a quem se deve amedrontar; mas não é isso que Nosso Senhor nos apregoa. A angústia não é cristã, mas nos é lícita uma santa tristeza. A dor e a contrição, ainda que sejam culpadas, deem-se em espírito de alegria: Nosso Senhor não veio para sufocar ou esmagar as irmãs. A contrição e o arrependimento são maiores à medida que vocês estejam calmas e em paz. Quem se aproxima de Deus, aproxima-se do céu, e lá não existe angústia.

Se vocês conseguirem enxergar melhor e perceberem que nem sempre cumpriram o dever, encontrarão repouso no arrependimento sincero, e paz na humilhação que as faltas ocasionam. A inquietação cheira a enxofre e a diabo: Deus nunca inquieta, mas revela o que é preciso para a boa condução da alma. O arrependimento verdadeiro é a descoberta de repouso no coração. A Igreja condenou o jansenismo; prefiro um protestante a um jansenista...

AdaptiveThemes