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Artigo 3: A Visitação e o Magnificat

A Visitação

Após a Anunciação, a Santíssima Virgem, segundo São Lucas1, foi visitar sua prima Isabel. No momento em que esta ouviu a saudação de Maria, o menino que carregava estremeceu em seu seio e ela ficou cheia do Espírito Santo; Então exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde a mim esta dita, que a mãe do meu Senhor venha ter comigo? Porque logo que a voz da tua saudação chegou aos meus ouvidos, o menino exultou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada tu, que creste, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas”. 

Isabel, à luz da revelação divina, compreende que o fruto do ventre de Maria começa a derramar sobre ela mesma as suas bênçãos. Ela percebe que é o próprio Senhor que vem. De fato, o Filho de Deus vem por sua Mãe a seu precursor, e João Batista o reconhece pela sua.

São Lucas escreve nesse ponto2 o cântico de Maria. A autoridade da imensa maioria e dos melhores manuscritos, o testemunho unânime dos Padres mais antigos e mais doutos (Santo Irineu, Orígenes, Tertuliano, Santo Ambrósio, São Jerônimo, Santo Agostinho etc.) concordam que Maria foi a autora inspirada do Magnificat.

Esse cântico é surpreendente, sobretudo por sua simplicidade e grandeza. É um cântico de ação de graças, lembrando que Deus é a grandeza dos humildes, aos quais exalta e, ao mesmo tempo, humilha o orgulho dos poderosos. Bossuet3 resume o que disseram os Padres sobre o Magnificat; sublinharemos algumas dessas reflexões4.

 

Deus fez grandes coisas em Maria

Maria disse: Minha alma engrandece o Senhor. Abandona-se a si mesma para glorificar somente a Ele e colocar n’Ele toda sua alegria. Está em paz perfeita, porque ninguém pode tirar-lhe Aquele a quem canta.

“Meu espírito exulta em Deus meu Salvador”. O que Maria não pode encontrar em si própria, encontra n’Aquele que é a soberana riqueza. Ela exulta de alegria “porque Deus olhou para a pequenez de sua serva”. Crê-se indigna de atrair seus olhares; por ela mesma não é nada. Mas, uma vez que Deus, por pura bondade, voltou os olhos para ela, tem um apoio que não pode falhar: a misericórdia divina que se dignou olhá-la.

Certamente não hesita em reconhecer o que recebeu gratuitamente d’Ele; a gratidão é um dever para ela: “Por isso, desde agora chamar-me-ão de bem-aventurada todas as gerações”. Essa profecia não cessa de realizar-se há dois mil anos, cada vez que se recita a Ave-Maria.

Ela observa que seu júbilo será o de toda a Terra, de todas as almas de boa vontade:O poderoso fez em mim maravilhas; santo é o seu nome, e sua misericórdia de geração em geração sobre aqueles que o temem. O Todo-Poderoso realizou nela a maior obra de seu poder: o mistério da Encarnação redentora; servindo-se de Maria e conservando nela miraculosamente sua virgindade, Ele deu ao mundo um Salvador.

O nome do Altíssimo é santo, é a própria santidade que deve nos santificar. E isso aparece mais claramente quando o Seu Filho, que também é o filho de Maria, difunde a misericórdia, a graça e a santidade de século em século, entre os diferentes povos, sobre aqueles que possuem o temor filial, o princípio da sabedoria, e que, pela Sua graça, querem obedecer aos Seus preceitos.

 

Deus exalta os humildes, e por eles triunfa sobre o orgulho dos poderosos

Para explicar essas maravilhas tão grandes, Maria recorre ao poder de Deus: “Manifestou o poder do seu braço: dissipou aqueles que se orgulhavam nos pensamentos do seu coração. Depôs do trono os poderosos, e elevou os humildes”. 

Deus já praticamente cumpriu essas maravilhas enviando o seu Filho único, que confundirá os soberbos com a pregação de seu Evangelho e se servirá da fraqueza dos Apóstolos, dos confessores e das virgens para aniquilar a força do paganismo que se orgulha de si mesmo; ocultará a grandeza desses mistérios aos prudentes e sábios e a revelará aos humildes e simples5.

A própria Maria é um exemplo: Deus a elevou sobre todas as coisas, porque ela considerou-se a mais insignificante das criaturas. Quando o Filho de Deus veio à Terra, não escolheu a rica moradia dos reis, mas a pobreza de Belém, e quis que o Seu divino poder fosse sentido na própria fraqueza em que desejou se manifestar para exaltar os humildes.

“Saciou de bens aos famintos e aos ricos despediu com mãos vazias”. Jesus dirá: “Bem-aventurados os que têm fome... porque eles serão saciados. Ai de vós que estais saciados, porque vireis a ter fome6

A alma encontra a paz, diz Bossuet, quando observa que todas as glórias do mundo desmoronam e só Deus permanece grande; toda falsa grandeza é aniquilada.

O Magnificat termina como começou, por uma ação de graças: “Deus tomou cuidado de Israel, seu servo, lembrado da sua misericórdia; conforme tinha prometido a nossos pais e à sua posteridadepara sempre”.

Se a promessa de enviar o Salvador cumpriu-se, tantos séculos após ter sido feita, não devemos duvidar que todas as outras promessas divinas se cumprirão. Se nossos pais, antes do Messias, creram n’Ele, quanto mais devemos acreditar agora que o Salvador prometido nos foi dado. Digamos com Santo Ambrósio: “Que a alma de Maria esteja em nós para glorificar o Senhor; que seu espírito esteja em nós para estar radiante de alegria em Deus, nosso Salvador”7, para que o Seu reino venha a nós pelo cumprimento de Sua vontade.

  1. 1. Lc 1, 39.
  2. 2. Lc 1, 46.
  3. 3. Elevações sobre os mistérios, XIV semana, elevação V.
  4. 4. Cf. também os dois sermões de São Francisco de Sales sobre A Visitação. Em um deles, pergunta se, ao dizer “olhou para a humildade de sua serva”, Maria falou de sua ínfima condição de criatura ou também da sua humildade. São Francisco responde, com certos Padres, contra muitos outros intérpretes: é mais provável que tenha falado de sua humildade, pois sabia pelo anjo que estava cheia de graça, e que sua humildade era muito grande, pois tributava a Deus toda a glória. Isso é certíssimo quando se trata do próprio Jesus.
  5. 5. Mt 11, 25.
  6. 6. Lc 6, 25.
  7. 7. In Lucam, I. II, nº 26.
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