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Artigo 2: O aumento considerável da graça em maria no instante da Encarnação

O dia da Anunciação marca um grande progresso da graça e da caridade na alma da Virgem Maria.

 

Conveniência da Anunciação

Como explica Santo Tomás 1, convinha que o anúncio do mistério da Encarnação fosse feito à Santíssima Virgem, para que ela fosse instruída e pudesse dar o seu consentimento. Por ele, a Virgem concebeu espiritualmente o Verbo feito carne, dizem os Padres, antes de concebê-lo corporalmente. Ela deu esse consentimento sobrenatural e meritório, acrescenta Santo Tomás, em nome de toda a humanidade, que tinha necessidade de ser regenerada pelo Salvador prometido.

Convinha também que a Anunciação fosse feita por um anjo, como por um embaixador do Altíssimo. Um anjo rebelde tinha sido a causa da perdição e da queda; logo, um anjo santo, e o mais elevado dos arcanjos, anunciou a redenção 2. Convinha também que Maria fosse educada, antes de São José, no mistério que iria se cumprir nela, pois a Virgem era superior a ele por sua predestinação à Maternidade Divina. Convinha, enfim, que a Anunciação se fizesse por uma visão corporal acompanhada de uma iluminação intelectual, porque a visão corporal, no estado de vigília, é mais segura que a visão dada pela imaginação que ocorre algumas vezes em sonho, como aquela com a qual foi favorecido São José, e a iluminação sobrenatural da inteligência mostrava infalivelmente o significado das palavras anunciadas 3. A alegria e a segurança sucederam o temor reverencial e o assombro, quando o anjo disse à Maria: “Não temas, Maria, pois achaste graça diante de Deus. Eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, e porás o nome de Jesus. Este será grande, e será chamado Filho do Altíssimo... O Espírito Santo descerá sobre ti, e a virtude do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra. E, por isso mesmo, o Santo, que há de nascer de ti, será chamado Filho de Deus 4. O anjo acrescenta um sinal e a razão do acontecimento: “Eis que também Isabel, tua parenta, concebeu um filho na sua velhice; e este é o sexto mês da que se dizia estéril; porque a Deus nada é impossível 5.

Maria deu então o seu consentimento, dizendo:Eis aqui a escrava do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra 6.

Bossuet observa, na obra Elevações sobre os mistérios 7, que a Santíssima Virgem manifestou por esse consentimento três virtudes principais: a santa virgindade, pela alta resolução de renunciar para sempre a todos os prazeres dos sentidos; a humildade perfeita diante da infinita grandeza de Deus que se inclinou para ela; a fé, porque era necessário conceber o Filho de Deus em seu espírito antes de concebê-lo em seu corpo. Por isso Isabel lhe disse: “Bem-aventurada tu, que creste, porque se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas 8. Ela manifestou também uma grande confiança em Deus e muita coragem, pois não ignorava as profecias messiânicas, principalmente as de Isaías, que anunciavam os grandes sofrimentos do Salvador prometido, dos quais ela deveria participar.

O que na Santíssima Virgem mais causa admiração nas almas interiores, no dia da Anunciação, é seu total esquecimento de si mesma, que é seguramente o ápice da humildade. Ela pensou somente na vontade de Deus, na importância desse mistério para a glória divina e para a salvação de nossa pobre espécie. Deus, a grandeza dos humildes, foi sua única grandeza, e, portanto, sua fé, confiança e generosidade estiveram à altura do mistério do qual iria participar.

Fulano é estimado como o melhor e maior poeta do seu tempo; outro, o maior filósofo ou o maior político, e estes põem sua grandeza em sua genialidade. A Santíssima Virgem, a mais sublime de todas as criaturas, esqueceu-se totalmente de si mesma e colocou toda a sua grandeza em Deus. Deus humilium celsitudo 9, Deus, que sois a grandeza dos humildes, revelai-nos a humildade de Maria, proporcionada à elevação de sua caridade.

Santo Tomás 10 observou que no instante da Encarnação houve em Maria, pela presença do Verbo de Deus feito carne, um grande aumento da plenitude de graça. Se ela não tinha sido ainda confirmada na graça, o foi naquele momento.

 

As razões desse grande aumento de graça e de caridade

Tem-se dado três razões desse crescimento da vida divina em Maria, considerando a finalidade da graça nela, depois a causa dessa graça, e finalmente o mútuo amor do Filho de Deus e de sua Mãe Santíssima.

Primeiramente, pela relação com o próprio mistério da Encarnação, esse crescimento é muitíssimo conveniente como uma preparação próxima e imediata para a Maternidade Divina.

Com efeito, deve haver uma proporção entre a disposição imediata para uma perfeição e essa própria perfeição. Ora, a Maternidade Divina é, por seu fim, de ordem hipostática, muito superior não só à ordem da natureza, mas também à ordem da graça. Foi necessário, portanto, que houvesse em Maria um aumento da plenitude da graça e da caridade que a tornasse imediatamente digna de ser a Mãe de Deus e que a preparasse para a sua missão excepcional e única em relação ao Verbo feito carne.

Em segundo lugar, o próprio Filho de Deus, ao tornar-se presente em Maria pela Encarnação, devia enriquecê-la com uma imensa graça. Ele é, com efeito, por sua divindade, a causa principal da graça; por sua humanidade, merece-a e é a causa instrumental da mesma. Ora, a Santíssima Virgem foi, entre todas as criaturas, a mais próxima a Cristo segundo a humanidade, uma vez que de Maria ele recebeu a sua natureza humana. Maria, então, deve ter obtido, no instante da Encarnação, um grande aumento da plenitude de graça.

A vinda do Verbo feito carne nela deve ter realizado tudo o que produz a comunhão mais fervorosa, e muito mais. Na Eucaristia, Nosso Senhor se dá inteiramente sob as aparências do pão; pela Encarnação, entregou-se totalmente a Maria em sua verdadeira forma e por um contato imediato, que produziu por si mesmo, ex opere operato, mais e melhor que o mais perfeito dos sacramentos: um aumento da vida divina.

Todos os efeitos da comunhão sacramental estão aqui superados, sem comparação. Pela comunhão sacramental, Jesus se dá a nós para que vivamos d’Ele; pela Encarnação, deu-se a Maria, mas vive também dela em sua natureza humana, pois é dela que recebe o alimento e o desenvolvimento do seu corpo que está sendo formado em seu seio virginal; no entanto, Ele alimenta espiritualmente a santa alma de Maria, aumentando nela a graça santificante e a caridade.

Em terceiro lugar, o amor recíproco do Filho por sua Mãe e da Mãe por seu Filho confirma o que dissemos. A graça é efetivamente o fruto do amor ativo de Deus pela criatura a quem Ele chama a participar aqui na Terra, cada vez mais, da sua vida íntima, antes de lhe comunicar o florescimento da vida eterna. Ora, se o Verbo feito carne ama todos os homens pelos quais se dispõe a dar o Seu sangue, se ama especialmente os eleitos, e entre esses os Apóstolos, os quais escolherá como seus ministros, e os santos que chamará no transcurso dos séculos a uma grande intimidade com Ele, ama muitíssimo mais sua santa Mãe, que estará muitíssimo mais intimamente associada a Ele que ninguém na obra da regeneração das almas. Jesus, enquanto Deus, ama a Virgem Maria com um amor especialíssimo, que produz nela uma superabundância de vida divina capaz de transbordar sobre as outras almas. Ele a ama também como homem e, como homem, mereceu todos os efeitos de nossa predestinação 11, logo, todos os efeitos da predestinação de Maria, em especial o aumento da caridade que a conduz à plenitude final da vida do Céu.

Finalmente esse duplo amor de Jesus, como Deus e como homem, por sua santa Mãe, longe de encontrar nela o menor obstáculo, encontrou já nesta vida a mais perfeita correspondência de amor maternal que Maria tem por Ele. Naturalmente derramava-se generosamente nela numa medida que não sabemos apreciar e que superava consideravelmente aquela que gozavam na Terra os maiores santos chegados ao cume da vida unitiva.

Se as mães são freqüentemente capazes de um amor heróico e dos maiores sacrifícios por seus filhos expostos a grandes sofrimentos, quanto mais o seria Maria Santíssima por seu Filho único, a quem amava com um coração de virgem-mãe, o mais terno e mais puro que já existiu, e a quem amava também como seu Deus. Tinha para com Ele não só o amor materno de ordem natural, mas um amor essencialmente sobrenatural, originado de sua caridade infusa, em grau elevadíssimo e que não cessava de crescer.

Como diz o Pe. E. Hugon 12, ao falar do tempo em que o corpo do Salvador estava se formando no seio virginal de Maria: “Deve ter se realizado nela um progresso ininterrupto durante os nove meses, por assim dizer ex opere operato, pelo contato permanente com o Autor da santidade... Se a plenitude no primeiro instante em que o Verbo se fez carne é já incompreensível para nós, que grau de incompreensão deve ter alcançado no nascimento do Menino Deus! (Depois) cada vez que lhe dava de beber o seu leite virginal, recebia em troca o alimento das graças... Quando o embalava docemente e lhe dava beijos de virgem e de mãe, recebia do menino o beijo da divindade, que a tornava ainda mais pura e mais santa”. Isso também nos diz a Santa Liturgia 13.

Quando esse contato físico terminar, a caridade de Maria e seu amor materno sobrenatural por Jesus não cessará de aumentar até a morte. A graça, longe de destruir a natureza no que ela tem de bom, a aperfeiçoa numa medida que é indizível para nós.

  1. 1. IIIª, q. 30, a. 1, 2, 3, 4.
  2. 2. IIIª, q. 30, a. 3.
  3. 3. Ibid., a. 4.
  4. 4. Lc 1, 30-35.
  5. 5. Lc 1, 36-38.
  6. 6. Ibid., 38.
  7. 7. Elevações sobre os mistérios, XII semana, elevação VI.
  8. 8. Lc 1, 45.
  9. 9. Assim começa no missal a oração da Missa de São Francisco de Paula, no dia 2 de abril, e no missal dominicano, da missa de São Martinho de Porres, no dia 5 de novembro. - santo alberto magno, em seu Mariale, escreveu páginas magníficas sobre a humildade de Maria, a quem considerava como sua Mãe e inspiradora; não cessa de louvar, em toda sua obra, a grandeza das virtudes da Santíssima Virgem.
  10. 10. IIIª, q. 27, a. 5, ad. 2: “Tríplice perfeição [da graça] houve na Santa Virgem. A primeira, e como dispositiva, que a tornava idônea para ser Mãe de Cristo. E essa foi a perfeição da santificação. A segunda perfeição da graça foi, na Santa Virgem, a presença do Filho de Deus incarnado no seu ventre. A terceira foi a perfeição do fim, que desfruta na glória.”
  11. 11. Cf. Santo Tomás, IIIª, q. 24, a. 4.
  12. 12. Marie, pleine de grâce, 5ª ed, 1926, p. 46.
  13. 13. Hino do Ofício de Vésperas da Sagrada Família:

    O lux beata caelitum

    et summa spes mortalium,

    Jesu, o cui domestica

    arrisit orto caritas:

    Maria, dives gratia,

    o sola quae casto potes

    fovere Jesum pectore

    cum lacte donans oscula.