O terceiro discute-se assim. — Parece que o efeito do sacerdócio de Cristo não é a expiação dos pecados.
1. — Pois, só Cristo pode apagar os pecados, conforme àquilo da Escritura: Eu sou o que apaga as tuas iniquidades. Ora, Cristo não é sacerdote enquanto Deus, mas enquanto homem. Logo, o sacerdócio de Cristo não é expiativo dos pecados.
2. Demais. — O Apóstolo diz que as vítimas do Antigo Testamento não podiam fazer perfeitos; doutra sorte teriam elas cessado de se oferecer, pelo motivo de que não teriam de ali em diante consciência de pecado algum os ministros que uma vez fossem purificados; mas nos mesmos sacrifícios se faz memória dos pecados todos os anos. Ora, semelhantemente, no sacrifício de Cristo há uma comemoração de pecados, quando se diz — Perdoai-nos as nossas dívidas. E também é oferecido continuamente o sacrifício na Igreja, donde o dizer-se ainda — o Pão nosso de cada da nos dai hoje. Logo, pelo sacerdócio de Cristo não se expiam os pecados.
3. Demais. — A lei antiga sobretudo era imolado um bode pelo pecado do príncipe; ou uma cabra pelo pecado de alguém do povo; ou um vitela, pelo pecado do sacerdote, como se lê na Escritura. Ora, Cristo a nenhum desses animais é comparado, mas ao cordeiro, como se lê na Escritura: Eu era como um manso cordeiro, que é levado a ser vítima. Logo, parece que o seu sacerdócio não é expiativo dos pecados.
Mas, em contrário, o Apóstolo: O sangue de Cristo, que pelo Espírito Santo se ofereceu a si mesmo sem mácula a Deus, alimpará a nossa consciência das obras da morte, para servir ao Deus vivo. Ora, obras da morte chamam-se os pecados. Logo, o sacerdócio de Cristo tem a virtude de purificar os pecados.
SOLUÇÃO. — Duas condições são necessárias para a perfeita purificação dos pecados, pois que duas coisas há no pecado, o saber, a mácula da culpa e o reato da pena. Quanto à mácula da culpa, ela se apaga pela graça, que converte para Deus o coração do pecador; e quanto ao reato da pena, fica totalmente eliminado pelo satisfazer do homem a Deus Ora, ambos esses efeitos os realizou o sacerdócio de Cristo. Assim, pela sua virtude, foi-nos dada a graça, pela qual os nossos corações se convertem a Deus, segundo aquilo do Apóstolo: Tendo sido justificados gratuitamente por sua graça, pela redenção que tem em Jesus Cristo, ao qual propôs Deus para ser vítima de propiciação pela fé no seu sangue. E também ele plenariamente satisfez por nós, enquanto tornou sobre si as nossas fraquezas e ele mesmo carregou com as nossas dores. Por onde é claro que o sacerdócio de Cristo tem plena virtude de expiar os pecados.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora Cristo não fosse sacerdote, enquanto Deus, mas enquanto homem, contudo ele mesmo foi sacerdote e simultaneamente Deus. E por isso se lê no Sínodo Efesino: Quem disser, que aquele que se fez nosso Pontífice e Apóstolo não foi o Verbo de Deus, mas um como homem especialmente nascido da mulher e diferente dele, seja anátema. Por onde, na medida em que a sua humanidade obrava em virtude da divindade, o seu sacrifício foi eficacíssimo para apagar os pecados. Donde o dizer Agostinho: Em todo sacrifício quatro coisas se consideram — a quem é oferecido, por quem é oferecido, o que é oferecido e por quem é oferecido. Por onde, Cristo, sendo o único e verdadeiro mediador, que nos reconciliou com Deus pelo sacrifício da paz, permanecia um com aquele a quem oferecia, reduziu em si à unidade todos aqueles por quem oferecia, e era uma mesma unidade, ele que oferecia, com o que oferecia.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os pecados não lembram, na lei nova, por causa da ineficácia do sacerdócio de Cristo, como se por ele os pecados não estivessem suficientemente expiados. Mas, são lembrados, relativamente àqueles que ou não lhe querem participar do sacrifício, como os infiéis, por cujos pecados oramos, para que se convertam; ou também relativamente àqueles, que depois de terem participado, desse sacrifício, desviam-se de qualquer modo dele, pelo pecado. Quanto ao sacrifício que quotidianamente na Igreja se oferece, não é diverso do sacrifício que Cristo mesmo ofereceu, mas comemoração dele. E por isso diz Agostinho: O próprio Cristo, que ofereceu o sacrifício, foi a oblação dele; cujo sinal sagrado e quotidiano, quer que fosse o sacrifício da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como diz Orígenes, embora na lei antiga se oferecessem diversos animais, contudo o sacrifício quotidiano, que era oferecido de manhã e de tarde, era o cordeiro, como se lê na Escritura. E por isso significava, que a oblação do verdadeiro cordeiro, isto é, de Cristo, seria o sacrifício consumativo de todos os outros. Donde o dizer a Escritura: Eis aqui o cordeiro de Deus, eis aqui o que tira o pecado do mundo.