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Creio na Ressurreição da carne

155 — O Espírito Santo não só santifica as almas dos que pertencem à Igreja, mas também pelo seu poder ressuscitará os corpos. Lê-se: “Aquele que ressuscitou dos mortos a Jesus Cristo” (Rm 4, 24); e: “Porque a morte veio por um homem, por um homem também a ressurreição dos mortos” (1 Cor 15, 21).

Por isso nós cremos, conforme a nossa fé, na futura ressurreição dos mortos1.
 
156 — Quatro considerações devem ser feitas acerca desse assunto: primeiro, quanto à utilidade da fé na ressurreição dos mortos; segundo, quanto às qualidades dos que ressurgirão referentes a todos; terceiro, quanto à ressurreição dos bons; quarto, quanto à ressurreição dos maus.
 
157 — No tocante à primeira consideração, a fé e a esperança na ressurreição nos são úteis por quatro motivos.
 
Primeiro, para afastar as tristezas causadas pela morte. É realmente impossível que alguém não se entristeça pela morte de um ente caro. Mas como tem esperança na sua futura ressurreição, a dor provinda de sua morte fica bastante atenuada. Lê-se: “Não queremos que ignoreis, irmãos, as coisas sobre os mortos, para que não vos entristeçais, como os outros que não têm esperança” (1 Ts 4, 13).
 
158 — Segundo, afasta o temor da morte. Se o homem não tivesse esperança em uma vida melhor após a morte, sem dúvida esta seria muito temível, e preferiria ele praticar qualquer mal para evitar a morte.
 
Nós como acreditamos que há uma vida melhor, à qual chegaremos após a morte, fica patente que ninguém deve temer a morte, nem fazer algum mal para evita-la. Lê-se: “Para que pela morte (de Cristo) fosse destruído aquele que tinha poder sobre a morte, isto é, o diabo; e libertados os que pelo temor da morte estavam por toda a vida na servidão” (Heb 2, 14-15).
 
159 — Terceiro, porque nos faz solícitos e cuidadosos na prática do bem. Se a vida humana se limitasse a esta que aqui vivemos, não haveria entre os homens muita solicitude para praticarem o bem; porque tudo o que fizessem seria considerado pouca coisa, pois o seu desejo não é dirigido para um tempo limitado, mas para a eternidade.
 
Como, porém, acreditamos que, pelo que aqui fazemos, receberemos na ressurreição bens eternos, esforçamo-nos para agir bem. Lê-se: “Se somente para esta vida estamos esperando em Cristo, somos os mais miseráveis de todos os homens” (1 Cor 15, 19).
 
160 — Quarto, porque nos afasta do mal. Assim como a esperança do prêmio conduz à prática do bem, do mesmo modo o temor da pena, que cremos então reservada para os maus, nos afasta do mal. Lê-se: “E levantar-se-ão os que fizeram o bem, para a ressurreição da vida; os que fizeram o mal, para a ressurreição da condenação” (Jo 5, 29).
 
161 — Quanto à segunda consideração, isto é, a respeito dos efeitos da ressurreição para todos os homens, quatro deles devem ser apontados. O primeiro, com relação à identidade dos corpos que ressurgirão: o mesmo corpo que existe agora quer quanto à carne, quer quanto aos ossos, ressurgirá2. Apesar de alguns disserem que este corpo que agora se corrompe não ressurgirá, o Apóstolo afirma o contrário: “Convém que este corpo corruptível seja revestido da incorrupção” (1 Cor 15, 33). Em outro lugar encontra-se escrito na Sagrada Escritura que este mesmo corpo ressurgirá para a vida: “Novamente serei revestido da minha pele, e, na minha carne, verei o meu Deus” (Jó 19, 26).
 
162 — O segundo efeito da ressurreição refere-se à qualidade, porque os corpos ressurgidos terão outra qualidade que o atual, já que os corpos dos bons e dos maus serão incorruptíveis. Os corpos dos bons estarão na glória para sempre; os dos maus, porém, para que por eles sejam punidos, na pena eterna. Lê-se: “Convém que este corpo corruptível seja revestido da incorrupção, e que este corpo mortal seja revestido da imortalidade” (1 Cor 15, 53).
 
Porque os corpos serão incorruptíveis e imortais não terão necessidade de alimento, nem usarão do sexo. Lê-se: “na ressurreição nem os homens terão mulheres, nem as mulheres maridos; mas serão como Anjos de Deus no Céu” (Mt. 22, 30). Nesta verdade de fé não acreditam nem os Judeus, nem os Maometanos. Lê-se ainda: “Os que desceram aos infernos... não voltarão mais à sua casa” (Jó 7, 10) 3.
 
163 — O terceiro efeito refere-se à integridade, porque os bons e os maus ressurgirão em toda integridade da perfeição corpórea do homem: não haverá cego, nem coxo, nem ninguém com outro qualquer defeito. Escreve o Apóstolo que “os mortos ressurgirão incorruptíveis” (1 Cor 15, 52) para significar que eles não sofrerão mais as corrupções atuais.
 
164 — O quarto efeito refere-se à idade, porque todos ressurgirão na idade perfeita, nos trinta e dois anos. A razão disto é que, os que ainda não atingiram esta idade, não chegaram a idade perfeita, e, os velhos já a ultrapassaram.
 
Eis porque aos jovens e às crianças será acrescido o que falta, e, aos velhos, restituído. Lê-se: “Até que cheguemos todos... ao homem perfeito, na medida da plenitude da idade de Cristo” (Ef 4, 13) 4.
 
165 — Quanto à terceira consideração, é de se saber que os bons receberão uma glória especial, porque os santos terão os seus corpos glorificados por quatro qualidades5:
 
a primeira é a claridade. Lê-se: “Os justos resplendecerão como o sol no reino de seu Pai” (Mt 13, 43);
 
a segunda é a impassibilidade. Lê-se: “É semeado na ignomínia, ressurgirá na glória” (1 Cor 15, 43); e: “Deus tirará toda lágrima dos seus olhos; não haverá mais morte, nem luto, nem gemidos, nem dor” (Ap 21, 4);
 
a terceira é a agilidade. Lê-se: “Os justos resplendecerão e passarão pela falha com centelhas” (Sb 3, 7);
 
a quarta é a sutileza. Lê-se: “É semeado no corpo animal, ressuscitará num corpo espiritual” (1 Cor 15, 44); não se queira entender isso como se todo corpo se transformasse em espírito, mas que estará totalmente submisso ao espírito.
 
166 — Quanto à quarta consideração, isto é, com referência à condição dos condenados, esta é contrária à dos beatificados, porque aqueles sofrerão a pena eterna. Os seus corpos possuirão quatro qualidades más.
 
Serão obscuros, conforme se lê: “Os seus rostos serão como fisionomias inflamadas” (Is 13, 8).
 
Serão passíveis, mas jamais corrompidos, pois arderão para sempre no fogo e nunca serão consumidos. Lê-se: “Os vermes nunca morrerão nos seus corpos, e o fogo neles nunca se extinguirá” (Is 66, 24).
 
Serão pesados, porque as almas estarão como que acorrentadas. Lê-se: “Para prender os seus reis com grilhões” (Sl 149, 8).
 
Finalmente, os corpos e as almas serão de certo modo carnais. Lê-se: “Os animais apodrecerão nos seus excrementos” (Jl 1, 17).

  1. 1. A verdade de fé referente à ressurreição da carne, além de abundantemente revelada na Sagrada Escritura, foi reafirmada pela Tradição dos Padres (S. Cirilo Alex., “In Joann. 8, 51; S. João Crisóstomo, “De ressurrectione mortuorum, 8; etc.), e pelo Magistério Eclesiástico (S. Leão Magno, Inocêncio III, etc.) O Concílio Ecumênico Laterancuse IV, assim a define: “Todos ressurgirão com seus próprios corpos que agora têm, para serem retribuídos conforme as suas obras, quer tenham sido boas ou más; estes (os réprobos) terão, com o diabo, a pena eterna; estes (os eleitos), com Cristo, a glória sempiterna” (De fide Catholica contra Albigenses).
  2. 2. S. Tomás para explicar teologicamente, a identidade numérica do corpo ressurgido com o corpo atual, e, por conseguinte, a identidade integral do homem atual com o homem que ressurgirá após a morte, no fim dos tempos, recorre à doutrina aristotélica da matéria e forma. Após a morte a alma conserva a relação transcendental com o corpo, e, como é ela enquanto forma que dá existência, vida e especificação ao corpo, ao unir-se novamente a ela pela ação miraculosa de Deus na ressurreição, não o pode fazer senão transmitindo-lhe a mesma existência, a mesma vida e as mesmas especificações que nela permaneciam virtualmente durante a separação. Negar esta identidade numérica do corpo na ressurreição é, para S. Tomás herético (cf. Sup. 79, 2 cl.). Explica-se assim o Doutor Angélico: “O que se objeta em segundo lugar (i. é contra a identidade numérica) não impede que o homem possa ressuscitar idêntico numericamente. Pois nenhum dos princípios essenciais pode reduzir-se ao nada pela morte, já que a alma racional, que é a forma (substancial) do homem, permanece depois da morte, e já que também permanece a matéria que esteve sujeita a tal forma com as mesmas dimensões que a faziam ser matéria individual. Por conseguinte, com a união da alma e da matéria, ambas idênticas numericamente, será reparado ao homem” (C.G.L., 4, cap. 81).
  3. 3. Entre os judeus, os saduceus negavam a ressurreição dos mortos, e os fariseus a afirmava (cf. At 23, 8). Sendo verdade sobrenatural revelada, toda tendência naturalista não a aceita. Os saduceus negaram também a existência dos anjos. Realmente, sem a fé teologal, não se pode aceitar o dogma da Ressurreição da carne. S. Paulo ao pregar aos intelectuais de Atenas, estes dele se afastaram: “Ao ouvirem falar da ressurreição dos mortos, uns começaram a troçar, enquanto outros disseram: ouvir-te-emos falar sobre isto mais tarde” (At 17, 32). Os maometanos (sarracenos, diz o texto latino) crêem na Ressurreição da carne, mas reduzem as alegrias do céu aos prazeres carnais e terrestres.
  4. 4. S. Tomás interpreta aqui literalmente o texto Paulino referente a idade de Cristo, supondo-a de 32 anos na sua morte. S. Paulo neste texto trata da perfeição do cristão que tende para a semelhança com a perfeição de Cristo, isto é, com a santidade de Cristo, não de idade física. Contudo, é na juventude que o homem atinge a plenitude do vigor corpóreo. Nesse sentido é válida a interpretação de S. Tomás, pois os corpos ressuscitarão sem deficiências.
  5. 5. O “Catecismo dos Párocos”, assim resume a natureza dessas quatro qualidades dos corpos ressuscitados, aliás explicadas exaustivamente na Suma Teológica (Sup. 82, 1 ss): “A impassibilidade faz com que os corpos gloriosos não sejam passiveis de qualquer dor ou incômodo. A ela segue-se a claridade, isto é, o brilho redundante no corpo da suma felicidade da alma, de modo que haja nele uma certa comunicação da bem-aventurança da alma. Junta-se à claridade a agilidade, pela qual o corpo facilmente é movido para onde quer que a alma queira. Finalmente, junta-se a sutileza, pelo poder da qual o corpo submete-se ao império da alma, serve a esta e a obedece totalmente”.
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