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Creio na Vida eterna

167 — É muito conveniente que a declaração das verdades que devemos crer termine por este artigo — “Creio na Vida eterna” — porque a vida eterna é também a meta final de todos os nossos desejos.
 
Opõe-se essa verdade àqueles que afirmam que a alma morre com o corpo. Se esta afirmação fosse verdadeira o homem teria a mesma condição dos animais, e aos que a fazem, aplica-se isto escrito nos Salmos: “O homem posto em honrarias, não compreende as coisas. Pode ser comparado aos animais estúpidos, e a eles se assemelha” (Sl 48, 21).
 
A alma humana pela imortalidade, assemelha-se a Deus; pela sensualidade, assemelha-se aos animais. Por conseguinte, quem pensa que a alma morre com o corpo perde a semelhança de Deus e nivela-se aos animais. Tem ainda contra essas palavras o Livro da Sabedoria: “Não esperaram da justiça divina o prêmio de recompensa, nem consideraram a glória dada às almas Santas; porque Deus criou o homem para a imortalidade, e o criou segundo a imagem da própria natureza” (Sb 2, 22-23).
 
168 — Vamos agora considerar em que consiste a Vida eterna, (e, após, no que consiste a morte eterna).
 
Convém saber, em primeiro lugar, que na Vida eterna o homem se une a Deus, já que é próprio de Deus o prêmio e a finalidade de todos os nossos trabalhos aqui na terra. Lê-se: “Eu sou o teu protetor e a tua recompensa será grande” (Gn 15, 1). Esta comunhão consiste na perfeita visão1. Lê-se: “Agora nós vemos como que por um espelho, mas lá, face a face” (1 Cor 13, 12). Consiste ela também no supremo louvor, como diz Santo Agostinho: “Veremos, amaremos e louvaremos” (De Civ. Dei, 22). Lê-se ainda na Escritura: “Haverá gozo e alegria, ação de graças e vozes de louvor” (Is 51, 3).
 
169 — Sabemos que na Vida eterna, em segundo lugar, há a perfeita saciedade dos desejos. A razão disto é que ninguém pode, nesta vida, ter os seus desejos satisfeitos, e nunca um bem criado sacia o desejo humano de felicidade. Somente Deus o pode saciar, e o faz excedendo infinitamente. Por isso esse desejo não é satisfeito senão em Deus, conforme escreve Santo Agostinho: “Fizestes-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto até que repouse em Vós” (Conf. I). Como os santos na pátria possuirão perfeitamente a Deus, evidentemente o seu desejo será saciado e ainda ultrapassado em glória. Eis porque se lê no Evangelho: “Entra no gozo do teu Senhor” (Mt 25, 21). Santo Agostinho acrescenta ainda: “Não é o gozo pleno que penetrará nos que o irão desfrutar, mas estes é que entrarão plenamente no gozo”. Lê-se também na Escritura: “Serei saciado quando entrar na vossa glória” (Sl 16, 15); e: “Aquele que enche de bens o teu desejo” (Sl 102, 5).
 
170 — Tudo o que há de deleitável, haverá aí plena e superabundantemente. Se os deleites é que foram desejados, aí haverá o sumo e perfeito deleite, porque é o deleite proveniente da posse do sumo bem, de Deus. Lê-se: “Então colocarás as tuas delícias no Onipotente” (Jó 22, 26).
 
Se as honras é que foram desejadas, aí haverá todas elas.
 
O leigo deseja acima de tudo ser Rei; o clérigo, Bispo.
 
Ambas as honras aí estarão. Lê-se: “Fizestes de nós reis e sacerdotes para o nosso Deus” (Ap 15, 10). Lê-se também no Livro da Sabedoria, a respeito da vida dos justos após a morte: “Ei-los considerados filhos de Deus” (Sb 5, 5).
 
Se a ciência é que foi desejada, haverá aí a ciência perfeita, porque conheceremos a natureza de todas as coisas e toda a verdade., bem como tudo que desejávamos saber. Mais. Tudo o que desejávamos possuir, o possuiremos na Vida eterna. Lê-se: “Com ela, todos os bens vieram igualmente a mim” (Sb 7, 11); e: “Aos justos será dado o que desejaram” (Pr 1, 33).
 
171 — A Vida eterna consiste, em terceiro lugar, na perfeita segurança. Neste mundo não há segurança perfeita, por que, quanto mais se possuem muitos bens e quanto mais alguém se eleva, tanto mais se enche de temor e necessita de mais coisas. Não haverá, porém, na Vida eterna, nem tristeza, nem trabalhos, nem temor. Lê-se: “Afastado o temor dos males, gozarão da abundância” (Pr 1, 33).
 
172 — Consiste a Vida eterna, em quarto lugar, na sociedade alegre de todos os bem-aventurados, na mais deleitável das sociedades, porque cada qual possuirá todos os bens em comunhão com os outros. Cada um amará o outro como a si mesmo; por isso, alegrar-se-á com o bem alheio, como se fosse o seu. Desse modo, quanto mais crescerem o gozo e a alegria de um, tanto mais aumentará o gozo de todos, conforme está escrito: “É na grande alegria para todos habitar em Vós” (Sl 86, 7).
 
173 — Tudo o que aqui foi descrito, os justos terão na pátria, e, além disso, muitos outros bens inefáveis.
 
Quanto aos maus, isto é, os que irão para a morte eterna, as suas dores e castigos não serão em menores proporções que o gozo e a alegria dos bons2.
 
174 — É excessiva a pena dos maus, em primeiro lugar, pela separação de Deus e pela privação de Deus e pela privação de todos os bens. Esta é a pena do dano, que corresponde a aversão à Deus, maior que a pena dos sentidos3. Lê-se: “Lançai o servo inútil nas trevas exteriores” (Mt 15, 30). Os maus, nesta vida, possuem as trevas interiores, isto é, pecado; no inferno, estarão nas trevas exteriores.
 
É excessiva a pena dos maus, em segundo lugar, pelo remorso da consciência. Lê-se: “Repreender-te-ei e colocar-te-ei diante de ti mesmo” (Sl 49, 21); e: “Gemendo estão sob a pressão do próprio espírito” (Sb 49, 21). Todavia tais sofrimentos e gemidos serão inúteis, porque não provêm do ódio do mal, mas da dor do castigo.
 
É acrescida ainda mais, em terceiro lugar, a pena dos maus, pela fortíssima pena dos sentidos, que atormentará a alma e o corpo. É um castigo dolorosissimo, conforme relatam os santos. Os condenados estarão sempre como que morrendo, mas jamais morrerão, e até sem a possibilidade de morrerem. Por isso a condenação é chamada de morte eterna. Estarão os condenados sofrendo sempre no inferno dores terríveis como as que envolvem os moribundos. Lê-se: “Como ovelhas foram colocados no inferno, e a morte os devorará” (Sl 48, 15).
 
Aumenta ainda mais a pena, em quarto lugar, com o desespero da salvação. Se a elas fosse dada, esperança de libertação da pena, a pena ficaria, por certo, mitigada.
 
Mas como toda esperança lhes foi tirada, a pena torna-se pesadíssima. Lê-se: “O verme que os corrói não morrerá, e o fogo que os queima não se extinguirá” (Is 66, 24).
 
175 — Evidencia-se, desse modo, a diferença entre fazer o bem e fazer o mal: as boas obras conduzem à vida, as más, porém, arrastam para a morte.
 
Deveríamos sempre revocar no espírito todas essas verdades, porque, o fazendo, seríamos estimulados para fazer o bem, e para repelir o mal.
 
De modo concludente e muito significativo colocou-se no término do Credo a Vida eterna, para que ela fique cada vez mais gravada em nosso espírito, para a qual nos conduza Nosso Senhor Jesus Cristo, o Deus bendito pelos séculos dos séculos.
 
AMÉM.

  1. 1. É verdade de fé que os justos no céu verão a Deus na sua própria natureza, conforme está revelado na Sagrada Escritura: “Ve-lO-emos como Ele é” (1 Jo 3, 2). A felicidade da Vida eterna consiste essencialmente nesta visão da essência divina, direta (“face a face” — 1 Cor 13, 12), imediata, intuitiva. Todas as outras recompensas e alegrias do céu derivam desta. As explicações teológicas a respeito da visão beatífica, apresenta-os o Doutor Angélico na Suma Teológica, I parte, questão XII. A afirmação do dogma da visão beatifica, a inteligência humana por si mesma não poderia chegar, pois se trata de uma verdade sobrenatural. S. Tomás começa mostrando a possibilidade da visão beatifica, devendo a felicidade do homem consistir na atividade de sua suprema perfeição, que é a atividade da inteligência, que encontra a sua máxima plenitude só na visão de Deus. Em seguida, afirma que esta visão não pode ser tida mediante alguma criatura semelhança de Deus, mas que “à essência divina se une ao intelecto criado como objeto atualmente conhecido que por si mesmo faz que a inteligência esteja em ato” (I. 12, 2 ad 3). Como a inteligência humana por si mesma não pode ver a Deus, necessita de uma força especial que a eleve, uma graça criada que a disponha para a visão eterna que é denominada “lumen gloriae”. Não o meio “in quo” Deus é visto, mas o meio “quo” (I.c. 5 ad 2). A visão da essência divina não é compreensiva, mas apreensiva, isto é, apesar de haver intuição, a inteligência humana não esgota toda a realidade cognoscível de Deus. Com muita precisão exprime isso S. Tomás: “quem vê a Deus por essência vê que Ele possui uma maneira infinita de ser e que é infinitamente cognoscível; mas este modo infinito de conhecer não lhe compete, isto é, que o conheça infinitamente” (I. c. 7 ad 3).
  2. 2. Como a glória eterna consiste na visão de Deus e no pleno amor de Deus, a condenação no inferno consiste na ausência desta visão de Deus e no ódio a Ele. À “perfectissima charitas” do céu, corresponde o “perfectissimo odium” do inferno (Sup. 98, 4 c.). Como não poderão pensar em Deus como princípio do bem, mas apenas como princípio da própria punição (I. c. art. 8c), os condenados às penas eternas odiarão a Deus, como odeiam à própria punição (I c. art. 5c). Toda a vontade dos condenados está dirigida para o mal, de modo que nada querem do bem como bem, e, “mesmo que algum bem queiram, contudo não o querem bem” (I. c. 1c). Nos condenados também não pode haver esperança, isto é, nada de bom podem esperar, nem sair do estado de condenação, nem esperar felicidade (cf. II. II. 18, 3c). contudo, neles pode haver fé informe, que se torna um hábito ineficaz e corrompido (cf. I. c. ad. 2)
  3. 3. Ver nota 34.
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