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Category: Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPXConteúdo sindicalizado

Desobedecemos a Nosso Senhor ao chamar o sacerdote de "Padre" (Pai)?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Os protestantes, frequentemente, admoestam a nós, católicos, por desobedecer ao mandamento de Nosso Senhor ao chamar o sacerdote de “Padre” (Pai). Eles têm razão? Nós, de fato, estamos desobedecendo?

Os protestantes costumam citar as Escrituras, mas, frequentemente, retirando as palavras de seu contexto e eliminando qualquer referência a outros textos – mas são esse contexto e essas referências que iluminam o verdadeiro sentido das expressões, um sentido que já havia sido confirmado, muitos séculos antes de Lutero, pela leitura e compreensão da Igreja Católica acerca delas.

No Evangelho de São Mateus (Mt. 23:8-10), de fato, lemos que Nosso Senhor disse: “Mas vós não façais chamar rabi, porque um só é vosso Mestre, e vós sois todos irmãos. A ninguém chameis pai sobre a terra, porque um só é vosso Pai, o que está nos céus. Nem façais que vos chamem mestres, porque um só é vosso Mestre, o Cristo”

Como Nosso Senhor não parece fazer nenhuma exceção, essas palavras demandariam que absolutamente ninguém poderia ser chamado de pai, professor ou mestre. Portanto, se as entendermos literalmente, seria proibido usar esses termos até para os que nos deram a vida, ou que nos ensinaram na escola… Ainda assim, Ele mesmo, na Palavra de Deus, usou esses termos para se referir a alguns homens nas Escrituras que Ele inspirou.

Ele usou o termo “pai” em referência a nossos pais biológicos quando revelou e, após, confirmou os mandamentos (Ex. 20:12, Lc 18:20). Mas também foi abundantemente usado em referência a relações que vão além da geração puramente biológica.

O profeta Eliseu usou o termo em um sentido espiritual, clamando a Elias quando este foi levado ao céu numa carruagem de fogo: “Eliseu o via e clamava: Meu pai, meu pai, carro de Israel e seu condutor” (II Reis, 2:12)

Ele é usado quando alguém se dirige a uma pessoa digna de respeito especial, como quando o homem rico clama a Abraão da sua condenação no inferno: “Gritando, disse: Pai Abraão, compadece-te de mim e manda Lázaro que molhe em água a ponta do seu dedo, para refrescar minha língua, pois sou atormentado nesta chama” (Lc. 16:24)

Ele é aplicado aos nossos anciões, mesmo quando eles nos perseguem, como Estêvão fez quando se dirigia àqueles que o condenavam: “Varões irmãos e pais, ouvi” (Atos, 7:2)

Ele é aplicado àqueles que detém o cuidado temporal sobre outros, como o patriarca José fez no Egito: “Não foi por vosso conselho que fui mandado aqui, mas por vontade de Deus, o qual me tornou como pai do faraó, senhor de toda a sua casa e príncipe em toda a terra do Egito” (Gen., 45:8)

Os Apóstolos consideravam-se pais espirituais de seus discípulos e chamavam-nos de filhos, e São Paulo se gloria dessa paternidade espiritual: “Não escrevo estas coisas para vos envergonhar, mas admoesto-os como a meus filhos caríssimos. De fato, ainda que tenhais dez mil preceptores em Cristo, não tendes todavia muitos pais, pois fui eu que vos gerei em Jesus Cristo por meio do Evangelho” (I Coríntios, 4:14-15)

Portanto, é evidente que Nosso Senhor não nos proíbe usar o termo “pai” nesses sentidos, que a Palavra de Deus usou abundantemente na Escritura inspirada. Ele Se expressa de maneira incisiva, numa hipérbole, para condenar aqueles que buscam títulos especiais e honrarias, buscando exaltar a si mesmos como acima dos outros.

É permitido tolerar um mal?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Em si mesmo (per se), diante do mal e do erro, a única atitude prática permitida é guerra, repressão e ódio. Em circunstâncias normais, é a única maneira de impedir o que é mal e fazer o que é bom.

Mas, excepcionalmente (per accidens), pode haver casos em que a repressão de um mal causa o risco de gerar males ainda maiores do que aquele que estamos tentando impedir, ou casos em que, através da tolerância paciente e temporária do mal, grandes bens podem ser atingidos.

Como Santo Tomás explica, “O governo dos homens deriva do governo de Deus e deve imitá-lo. Deus – onipotente e infinitamente bom – permite o mal que acontece no universo: embora pudesse eliminá-lo, Ele o suporta, seja para atingir um grande bem, seja para evitar grandes males. De maneira semelhante, [nós] podemos, licitamente, tolerar certos males, para evitar males maiores ou atingir um grande bem (II-II, .q. 10, a.1, ad corpus).

Em circunstâncias excepcionais, portanto, uma mudança de atitude excepcional é compreensível – ao invés de repressão imediata, a tolerância.

Tolerância é a permissão negativa de um mal.

Seu objeto é um mal que, por razão séria, não pode ser evitado aqui e agora. Constitui uma permissão simples: permite que o mal subsista. A permissão é simplesmente negativa: ela é dada porque não se pode proceder de outra maneira.

A tolerância não é suportar passivamente apenas, mas um ato positivo da vontade através de que alguém se abstém, neste caso concreto delimitado, de reprimir o que deveria ser reprimido. Ela não significa aprovação ou garantia de liberdade para agir, pois a liberdade só é possível para o que é bom. Na verdade, ela significa, enfaticamente, a reprovação daquilo que é tolerado. A tolerância é um bem – mas o mal tolerado permanece sendo um mal.

Podemos escolher, querer e amar a tolerância, porque – em circunstâncias concretas – ela é um bem. Mas, mesmo em circunstâncias excepcionais, não podemos escolher, querer e amar o mal tolerado, pois ele é sempre um mal. Se estivermos impedidos de combater o mal, ainda assim devemos odiá-lo e evitar qualquer tipo de compactuação com ele.

Diretos naturais e "direitos humanos"

“Direito” (ius) é definido por São Tomás em termos estritamente objetivos como uma ipsa res iusta, uma coisa justa, algo que é devido. Essa “coisa justa” sempre é um bem honesto. Portanto, é uma contradição referir-se a atos pecaminosos como “direitos”.

Para melhor explicar a noção do que é devido, a doutrina católica distingue entre direitos inatos e direitos adquiridos.

Direitos inatos são estritamente naturais, absolutos, fundados na natureza do homem. Eles advêm do fim necessário do homem, a que ele está destinado por sua natureza. Essa necessidade natural lhe dá o direito de fazer, sem ferir o próximo, o que é necessário para atingir seu fim. Esses direitos são inerentes à natureza humana; eles não podem ser alienados ou extintos no que diz respeito a sua substância, embora um indivíduo possa abster-se de seu exercício quando ele não estiver obrigado a exercê-lo, e até mesmo renunciar a eles formalmente para buscar uma perfeição maior.

Direitos adquiridos são fundados em um fato livre, contingente – isto é, algo que poderia ou não ter acontecido, dependendo da ação livre de alguém. Por exemplo, eu posso escolher comprar um livro ou não, mas, uma vez que tenha decidido comprar um livro e cheguei a um acordo com o vendedor, o livro é meu, e o pagamento é do vendedor. Esses direitos podem ser perdidos ou transferidos a outro.

Em consequência, podemos dizer que os verdadeiros direitos naturais do homem são inerentes à sua própria natureza. Em relação a Deus, o homem não tem direitos; mas, em relação a outros homens, ele tem o direito de usar bens que sejam conformes a sua natureza – isto é, os bens que lhe sejam devidos.

Eles também são anteriores ao Estado, que não pode violá-los. Primordiais e inalienáveis, esses direitos existem antes de qualquer autoridade temporal; eles não são dados por ela. O Estado deve reconhecê-los e protegê-los e jamais sacrificá-los para o bem comum.

E, finalmente, eles são fundados em Deus. Assim como a natureza humana é dada por Deus, os direitos da natureza fundam-se n´Ele. Verdadeiros direitos advêm dos deveres de homem perante Deus – nós temos direitos concernentes a nossa vida, família, patrimônio, culto, porque, nessas coisas, temos deveres perante Deus.

Consequentemente, levando em conta que o homem é composto de alma espiritual (intelecto, vontade livre) e de corpo material (sentidos, movimento), há dois principais direitos naturais, totalmente imprescritíveis – o direito de saber a verdade e o direito de buscar os bens necessários para atingir a felicidade e nosso fim último (i.e., Deus e tudo que ajuda a chegar a Ele). Deus não retira esses direitos do homem durante essa vida; consequentemente, nenhum homem pode retirá-los de outro homem.

Há outros dois direitos naturais que não são imprescritíveis – i.e., eles podem ser perdidos como punição legítima por um crime: o direito de exercer nossa liberdade no que não for contrário a nossos deveres perante Deus e perante o próximo e o direito de preservar nossa pessoa e nossos bens.

Infelizmente, o mundo moderno proclama e protege como “direitos humanos” coisas que não têm esse status. Alguns são falsos porque sua fundação é má, em razão de se fundarem apenas na vontade do homem, não na natureza (isto é, em Deus, o criador da natureza). Outros são falsos porque seu objeto é injusto, pois são contrários à lei divina e natural – por exemplo, o “direito” ao aborto. Finalmente, alguns são falsos porque sua extensão é abusiva, como quando alguns direitos adquiridos são reivindicados como naturais (inatos)

Pode-se dizer que recebemos graças ao assistir à Missa na TV?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Pergunta: “Em razão do lugar onde vivo, não tenho condições de ir à Missa aos domingos, mas sempre escuto a uma transmissão ao vivo da Missa de Nossa Senhora de Fátima em Pittsburgh e tenho algumas perguntas: Pode-se dizer que recebo algumas graças ao assistir à Missa na TV? Se não tiver como ir à Missa, isso basta para cumprir meu preceito dominical?”

 

Resposta: Por si só, assistir e piedosamente associar-se ao Santo Sacrifício da Missa, mesmo quando feito apenas através da televisão ou do rádio, pode ser meritório, mas não da mesma maneira que seria ir à Missa pessoalmente. Cristo instituiu os sacramentos como sinais exteriores da graça, que operam o efeito que eles simbolizam. Em razão desse componente necessariamente exterior dos sacramentos, a Igreja sempre enfatizou que, para participarmos diretamente deles, devemos estar física e moralmente presentes. Portanto, ainda que possamos receber graças por nossos atos piedosos, nós não estamos diretamente recebendo graças como se estivéssemos presentes na Missa. Dito de outra maneira, quando assistimos ou ouvimos à Missa na TV ou no rádio, nós não estamos, realmente, indo à Missa ou participando diretamente dos seus méritos. Qualquer graça que recebamos por esse ato seria comparável à oração de alguém que recita seu Missal em casa.

Quanto à questão da obrigação, é bastante simples. Se você puder ir à Missa, e a distância não for seriamente inconveniente, então você deve ir ao Santo Sacrifício da Missa todo domingo e em dia santo de preceito. Se, porém, você não tiver como ir, ouvir a Missa no rádio não basta para cumprir seu preceito, pela simples razão de que a Igreja não o obriga nesses casos. A obrigação imposta pela Igreja existe para a nossa salvação, e a Igreja não obriga em casos que são impossíveis ou gravemente inconvenientes (como seria o caso em que se deveria fazer uma viagem muito longa para estar presente, ou em caso de doença na família).

O que devemos fazer para transformar nossas ações em oração?

São Paulo respondeu a essa pergunta quando escreveu: “Logo, ou comais, ou bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus… Tudo que fizerdes, fazei-o pelo Senhor e não pelos homens”. Santo Agostinho ensina que devemos converter nossa vida, nossas ações, nossas ocupações, nossas refeições, até mesmo nosso repouso em um hino de louvor a Deus: “Que a harmonia de vossa vida se eleve como uma canção, para que vós jamais cesseis de rezar… Se vós desejais louvar, canteis, portanto, não apenas com vossos lábios, mas dedilheis as cordas do saltério das boas obras; vós louvais quando trabalhais, quando comeis e bebeis, mesmo quando descansais, quando dormis; vós louvais mesmo quando estais em paz”. Santo Tomás expressa, resumidamente, o mesmo pensamento: “O homem reza na medida em que direciona toda sua vida a Deus”

É o amor que direciona toda nossa vida a Deus. A maneira prática de direcionar todas as nossas ações dessa maneira é oferecer cada uma delas à Santíssima Trindade em união com Jesus Cristo vivendo em nós e de acordo com Suas intenções.

Devido à nossa natureza decaída, nossas intenções e nossos pensamentos facilmente tendem para o pecado, e, se seguissemos as inclinações de nossos sentimentos, nossas obras seriam pecaminosas. Portanto, devemos renunciar a nossas próprias intenções para nos unir às de Jesus. Ao iniciar qualquer ação, devemos renunciar a todos os nossos sentimentos, todos os nossos desejos, todos os nossos pensamentos, todos os nossos desejos para entrarmos, de acordo com a palavra de São Paulo, nos sentimentos e intenções de Jesus Cristo.

Quando nossas ações perduram por algum tempo, é útil renovar essa oferenda voltando o olhar para o Crucifixo ou, melhor ainda, para Jesus vivendo em nós, e elevar nossa alma a Deus através da repetição de jaculatórias. Dessa maneira, nossas ações, mesmo as mais comuns e básicas, tornar-se-ão uma oração, uma elevação da alma a Deus, e nós, portanto, cumpriremos o ensinamento de Jesus: “Orai e Vigiai”.

Pe. Juan Iscara, FSSPX

A que, precisamente, o preceito de amar nossos inimigos nos obriga?

“Inimigos” são aqueles que nos odeiam, ou que nos fizeram algum mal sem uma justa compensação ou a quem sentimos aversão por algum motivo (desgosto natural, inveja, etc).

Há um preceito divino especial de amar esses inimigos, não enquanto inimigos, mas na medida em que são capazes da bem-aventurança eterna e, de fato, estão destinados a ela. A inimizade deles é um mal e, como tal, deve ser rejeitada, mas as pessoas que são nossas inimigas devem ser amadas pelos dons que Deus lhes deu – elas devem ser amadas por Deus. O preceito é “especial” no sentido de ter sido promulgado por Nosso Senhor em pessoa (Mt 5, 4) e em razão da dificuldade de colocá-lo em prática. Na verdade, ele não é diferente do preceito de amar ao próximo.

Portanto não devemos odiá-los, isto é, não devemos desejar-lhes mal algum, nem nos alegrarmos com algum mal que lhes suceda. Mesmo sendo nossos inimigos, não deixam de ser filhos de Deus e de terem sido chamados à bem-aventurança; odiá-los seria um pecado, é  incompatível com o amor de Deus.

Não podemos vingar-nos deles, isto é, não podemos retribuir o mal com o mal, pois essa intenção deriva do ódio ou de outro motivo desordenado. Em teoria, é permitido desejar algum mal, algum tipo de punição ou sofrimento a eles, mas apenas se formos motivados por motivos de justiça ou de caridade genuína – isto é, para por um freio ao malfeitor e restaurar a ordem da justiça, ou para ajudá-lo a corrigir-se e a voltar-se para Deus. Mas, na prática, em razão da nossa fraqueza, é muito difícil agir baseado puramente nesses motivos. Portanto, é melhor abster-se de desejar mal a qualquer um.

Somos obrigados a dar aos nossos inimigos os sinais comuns de caridade dados a qualquer homem (por exemplo, responder a um cumprimento ou a uma pergunta) ou a aqueles que estão em condições específicas (por exemplo, ser misericordioso com os pobres).

Dentro de certas circunstâncias extraordinárias, quando certos sinais especiais de caridade são devidos pois sua omissão ou negação seria interpretada como ódio ou inimizade, podemos estar até mesmo obrigados a mostrar sinais especiais de caridade que não seriam devidos a qualquer pessoa (ou seja, aqueles que não são exigidos por sua condição, estado ou pelos costumes), mas dados por liberdade e numa amizade especial.

Somos obrigados a perdoar nossos inimigos, pois não fazer isso nos levaria de volta ao ódio da inimizade – mas não somos obrigados a aceitá-los novamente como amigos e a dar-lhes os sinais de afeição que antes dávamos.

Finalmente, o ofensor é obrigado a buscar reconciliação o quanto antes. Mas ele está isento disso se tiver certeza moral de que terá o perdão negado, ou que vai aumentar ainda mais a tensão entre as partes, ou se o ofendido não estiver disposto a aceitar nada além da total humilhação do ofensor.

Todo e qualquer julgamento do próximo é condenado por Cristo?

Quando perguntado sobre um homossexual de boa vontade que busca o Senhor, o Papa Francisco, num comentário que se tornou famoso, respondeu “Quem sou eu para julgar?” Isso parece estar perfeitamente na linha do mandamento de Nosso Senhor, quando Ele ordenou “não julgueis, para não serdes julgados” (Mt 7,1). Por outro lado, o Verbo de Deus também nos disse que “devemos julgar não de acordo com a aparência, mas fazer um julgamento justo” (Jo 7,24)

Para resolver essa contradição aparente, devemos distinguir os diferentes sentidos em que falamos de “julgamento”.

Em primeiro lugar, o julgamento é um ato de nossa inteligência pelo qual percebemos o acordo ou desacordo entre duas ideias; em outras palavras, é, como Santo Tomás explica, o ato mental pelo qual afirmamos ou negamos algo – por exemplo, quando fazemos afirmações simples sobre as circunstâncias de nossas vidas cotidianas, como quando dizemos “hoje é um lindo dia”, ou “eu não gosto de doces”, e mesmo quando afirmamos coisas mais sérias, doutrinais, tais como “Deus existe” ou “o aborto é um crime”.

Esses julgamentos são necessários para se viver uma vida humana normal. Eles são necessários para o exercício da virtude moral da prudência, que nos ajuda a discernir o que devemos fazer a todo momento para direcionar todas as nossas ações, grandes e pequenas, de maneira segura e tranquila, para seu fim último, que é Deus. Portanto, Deus não proíbe tais julgamentos – na verdade, Ele não os poderia proibir sem nos privar de algo essencial à natureza que Ele mesmo nos deu.

Por nossa vez, não podemos nos abster de fazer tais julgamentos todos os dias se quisermos viver uma vida racional, cristã – e muito menos podemos nos abster deles se, por nosso ofício ou vocação, estamos chamados a guiar os outros a Deus.

O que Nosso Senhor realmente proíbe é que o que chamamos de “julgamento temerário” -- isto é, atribuir algo moralmente repreensível ao nosso próximo, ou negar algo moralmente virtuoso sem prova suficiente. É uma afirmação, com convicção firme, sobre a moralidade de alguém, em vez de uma suspeita ou dúvida.

O julgamento precipitado é contrário à caridade, que, conforme São Paulo, “não é temerária […] não suspeita mal” (1Cor 13, 5). Santo Tomás de Aquino ensina que, na ausência de prova cabal, dúvidas sobre as virtudes do próximo sempre devem ser interpretadas beneficamente. A intenção de uma pessoa que faz um julgamento precipitado é essencialmente maliciosa e alegra-se ao encontrar perversidade no próximo, em clara contradição com o espírito da caridade.

Também é contrária à prudência, pois o julgamento não tem fundamento razoável; é baseado em uma evidência que, por sua própria insuficiência, não autoriza um julgamento definitivo.

Mesmo assim, a malícia específica do julgamento precipitado consiste em sua injustiça. Primeiramente, falhamos na justiça devida a Deus, pois, quando julgamos não apenas as ações externas de alguém, mas vamos além e afirmamos que seu estado interior é pecaminoso, sem provas suficientes, ofendemos a Deus por usurpar Seu direito exclusivo de julgar os corações dos homens (1 Cor 4, 5; Rom 14, 4). Também infligimos uma injúria moral na pessoa julgada, que tem o direito, se não a uma reputação boa aos olhos dos outros, ao menos de não ser desprezada sem razão suficiente para tal.

A gravidade do pecado que cometemos com nosso julgamento precipitado depende de várias circunstâncias. Especialmente, ela aumenta em proporção direta à gravidade dos pecados de que acusamos nosso próximo, e também são levados em conta a dignidade da pessoa acusada e a insuficiência das provas em que baseamos nosso julgamento.

Não parece ser pecado mortal, contudo, tomar como certo algo que é muito provável de ter acontecido. Além disso, um conhecimento profundo das feridas que o pecado original deixou em nossa natureza humana e a nossa própria experiência de vida podem nos levar a tomar precauções contra a possibilidade de que outro esteja inclinado a agir pecaminosamente – e isso seria, simplesmente, um ato de prudência.

Qual é a diferença entre calúnia e detração? Podem ser pecados graves?

Pe. Juan Carlos Iscara - FSSPX

O homem tem direito a sua boa reputação. Um “direito” é aquilo que é devido a alguém e que não pode ser negado sem uma injustiça. “Reputação” é a opinião tida por muitos sobre a vida e o comportamento de uma pessoa. É a consequência das qualidades físicas, intelectuais e morais daquela pessoa e de suas realizações e, como tal, pertence a ela, é sua propriedade. É, como Santo Tomás diz, uma das propriedades temporais mais preciosas do homem. Sem a boa estima de seu próximo, a vida de um indivíduo na sociedade torna-se muito difícil e mesmo quase impossível.

Detração é a violação injusta da boa estima na qual uma pessoa é tida através de revelar aos outros alguma falta verdadeira, porém oculta, daquela pessoa. Santo Tomás diz que é um pecado mais grave que o roubo, pois a boa reputação é melhor que o patrimônio. A calúnia difere da detração apenas pois, nela, o que é dito ou imputado ao outro é falso, e sabe-se que é falso; nesse caso, ela acrescenta a malícia da mentira.

Despojar alguém dessa boa estima sem uma causa proporcional constitui uma injustiça, o que é mais ou menos grave de acordo com o dano provocado e que impõe ao praticante a obrigação de restituição.

Pode ser um pecado grave, mas a sua gravidade será mensurada de acordo com a gravidade da falta da qual a pessoa é acusada, e a extensão do dano causado deve ser julgada pelo caráter, posição e ofício do detrator e do detratado, bem como pelas circunstâncias dos ouvintes.

Por um lado, deve-se perceber que, se a falta de uma pessoa é tal que põe em perigo o bem comum ou se é cometida publicamente, então sua boa reputação está destruída e não pode mais ser considerada como pertence dela. Nesse caso, revelar o mal ato não implica detração. De modo semelhante, nenhuma injustiça é cometida ao se revelar a falta de outro se tal é necessário para a própria defesa ou a defesa de outros.

Por outro lado, mesmo que a boa estima de uma pessoa aos olhos do próximo esteja fundada sobre erro ou ignorância acerca da verdade dos fatos, ainda assim, aquele que conhece a verdade dos fatos não tem direito de tomar a apreciação favorável que os outros fazem da pessoa.

Votos são diferentes de promessas?

Pe. Juan Carlos Iscara - FSSPX

Todo voto implica uma promessa, mas o contrário não é verdadeiro. O voto é um ato de adoração e consagração, feito apenas a Deus, obrigando por virtude da religião. Uma simples promessa pode ser feita também aos homens, obrigando em virtude da fidelidade ou da justiça.

Um voto é uma promessa livre e deliberada feita a Deus de cumprir um bem que é possível e melhor (Código de Direito Canônico [1917], Cân. 1307). É uma promessa vinculante que impõe uma verdadeira obrigação de fazer ou não fazer algo em honra de Deus. Pelo voto, nós cultuamos Deus e reconhecemos Seu domínio supremo. Não é um simples desejo ou propósito, que, propriamente falando, não impõem uma obrigação.

Um voto é público se um superior eclesiástico legítimo o recebe em nome da Igreja; de outra forma, é privado (Código de Direito Canônico [1917], Cân. 1308).

Votos são feitos para fortalecer nossa vontade de fazer o que é bom. Seu objeto deve não apenas ser algo bom, mas algo que é melhor, e ainda humanamente possível, não apenas em geral, mas também dentro das forças e capacidades do indivíduo que faz o voto.

Um voto vincula a pessoa que o faz de tal maneira que falhar em cumprir o que foi prometido livremente é uma séria ofensa a Deus. Portanto, tendo em vista a fraqueza de nossa natureza decaída, a Igreja, em geral, recomenda que não se façam esses votos privados.

Em qualquer caso, os votos devem ser feitos não por capricho ou em estado de agitação emocional, mas com prudência e discrição, após oração fervorosa, longa reflexão e consulta a um confessor ou diretor espiritual, que está em condições de avaliar mais claramente nossas circunstâncias e nossas forças. Quanto mais importante a obrigação que assumimos com o voto, mais ele demanda preparação e reflexão cautelosa.

É lícito mentir em alguma circunstância?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Não há dúvida de que mentir é proibido pela Lei de Deus (8º Mandamento) e, sendo este um mandamento negativo (“Não mentir”), obriga sempre e em todo caso, diferentemente de um mandamento positivo (“Honrar pai a mãe”), que obriga apenas quando necessário.

Essa necessidade absoluta foi exposta dramaticamente por Nosso Senhor perante Caifás e o Sinédrio inteiro quando Ele respondeu claramente “Sim, tu o dizes”, o que significa: “Eu sou Cristo e o Filho de Deus”. Nosso Senhor sabia perfeitamente que essa confissão iria levá-Lo à crucifixão. Então, permanece de pé o princípio de que “não havemos de fazer o mal para que venham bens [deste mal]" (Rom 3,8)

Dito isso, não se tem a obrigação de dizer a verdade quando desnecessário fazê-lo. Além disso, tem-se o direito de distrair o interlocutor para algum outro assunto. Os moralistas permitem o uso de anfibologia (afirmação ambígua, com duplo sentido, como: “Pedro não está em casa”, significando: “Para vê-lo”) se uma pessoa prudente a entenderia dadas as circunstâncias. Semelhantemente, os moralistas explicam que não se pode simular uma ação (um ministro ardilosamente retém a intenção de dar absolvição, p. ex.), mas pode-se dissimular uma ação para fazer terceiros pensarem que se está fazendo algo quando, na verdade, não se está. Portanto, é lícito a um Padre admoestar severamente seu penitente, para dar a impressão aos outros de que está dando-lhe absolvição [quando, na verdade, não está].

Em alguns casos recentes notórios, há controvérsia e debate sobre se alguns investigadores mentiram ou simplesmente usaram anfibologia e restrições mentais amplas, ou seja, dissimulação ao invés de simulação. Não podemos, porém, permitir que o sucesso aparente de alguns vídeos enganem nosso julgamento. Se eles foram obtidos através de mentiras, seria um caso do fim justificando os meios. Os filhos da luz não podem usar os meios e armas dos filhos das trevas. A revolução deve ser combatida com a contrarrevolução e não com os princípios da própria revolução.

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