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O boxe é moralmente permitido?

Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX

Como não há ensinamento oficial da Igreja sobre esse tema, devemos fazer a aplicação dos princípios gerais morais ao caso concreto do boxe.

Um dicionário define o boxe como “um esporte de combate em que duas pessoas, normalmente usando algum tipo de equipamento de proteção, trocam socos por um tempo pré-determinado e em um ringue”. Outro dicionário define-o como “desferir e defender golpes sem a intenção de machucar o oponente severamente”, mas deve-se concordar que isso não é uma definição realista das lutas de Boxe que vemos na TV.

Ambas as definições concordam que ele é um esporte de combate no qual socos são trocados, mas devem-se fazer distinções levando em conta as intenções dos lutadores, seus objetivos e as circunstâncias concretas da troca de socos. Em outras palavras, deve-se distinguir entre o que chamamos de boxe amador e o profissional.

A princípio, não parece haver nenhuma objeção ao Boxe amador entre os teólogos. Seus defensores alegam que é um esporte que oferece oportunidade de desenvolvimento físico e força, melhora na autoconfiança e disciplina, formação de caráter e espírito desportivo. Eles até realçam que essas vantagens do esporte são de tal modo que até São Paulo, levando em conta a autodisciplina a ser exercitada em nossa vida cristã (1Cor 9, 25-27), faz analogia com o Boxe.

Como a disputa toma lugar em condições supervisionadas e, normalmente, usa-se equipamento de proteção, a possibilidade de dano físico é limitada. Além disso, as habilidades adquiridas também podem ser utilizadas fora do ringue em casos de autodefesa genuína, ou para defender outra pessoa.

Apesar disso, também há teólogos que alegam que, como a natureza humana é frágil, até mesmo as formas mais benignas de pugilismo amador podem se tornar moralmente repreensíveis porque os lutadores, embora não desfiram socos com a mesma intenção ou potência que no boxe profissional, podem se deixar levar pelo desejo de vencer e, assim, infligir dano físico imoderado ao oponente.

Os problemas surgem no caso do boxe profissional.

Há esportes em que há o risco de dano físico. Porém, tal dano é acidental, não intencional. Se for infligido de propósito, ele é penalizado.

O boxe profissional é um esporte cujo objetivo primário é privar o oponente da habilidade de lutar, não simbolicamente (como no Jiu-Jitsu ou no Wrestling, por exemplo, imobilizando o oponente), mas ao bater e lesionar o oponente até que ele se torne indefeso, deixando-o fisicamente incapaz de continuar a luta.

O risco de tais danos é tal que o jornal do Vaticano La Civiltà Cattolica chamou o Boxe profissional de “uma forma legalizada de tentativa de homicídio”, notando que os lutadores, normalmente, sofrem danos físicos e psicológicos.

O 5º Mandamento proíbe infligir, intencionalmente, dano físico a si mesmo ou ao próximo. Como criaturas, não temos domínio absoluto sobre nossos corpos e muito menos sobre os corpos dos outros. Somos apenas administradores, encarregados do dever e do privilégio de administrá-los com razoabilidade. Domínio absoluto pertence apenas a Deus.

Um dano deliberado, intencional ao corpo humano é moralmente permissível apenas com uma causa razoável ou se houver um bem que o compense – por exemplo, nocautear ou afogar um homem para o salvar [como no caso de um suicida], cortar um membro para salvar uma vida. Mas no boxe profissional não há essa causa razoável ou o bem que compense, pois o dano físico sofrido por ambos os lutadores não é proporcional ao bem que eles obtêm – fama, riqueza, orgulho de sua superioridade física.

Um acadêmico recente também enfatizou os efeitos na sociedade do Boxe profissional – ele glamouriza a violência, encoraja a ideia de enriquecer e tornar-se famoso através de agressão física e é acompanhado de uma comercialização que favorece a brutalização de todos os esportes de combate.

Ele também pode ter efeitos deletérios sobre nós, os espectadores. É espiritualmente perigoso tomar parte nesses espetáculos. Um filósofo pagão, Sêneca, já havia avisado que quando tornamos a lesão ou a morte de seres humanos um esporte, nós mesmos nos tornamos menos humanos. Santo Tomás não conhecia o boxe profissional, mas, com um conhecimento inerrante da natureza humana, ele apontava que tirar prazer do sofrimento desnecessário de outro homem é um ato bárbaro.

Em suas Confissões, Santo Agostinho fala de um amigo amado, Alípio, que havia desenvolvido uma paixão enorme pelos espetáculos dos gladiadores, realçando tanto o apelo de assistir a violência quanto nosso esforço normalmente infrutífero de resistir a ele. Santo Agostinho descreve os jogos dos gladiadores como “um delírio de excesso extravagante”, com multidões comemorando, enquanto homens são machucados. “Enquanto via o sangue, ele bebia da selvageria ao mesmo tempo” E, longe de ser um deleite momentâneo, quando Alípio voltava do anfiteatro, ele “não era mais o homem que havia entrado ali... Ele saiu dali trazendo consigo a loucura que havia contemplado”. Certamente, o Boxe profissional moderno não vai a esses extremos de banho de sangue. Porém, ele ainda apetece a uma paixão primitiva encarvada em nossa natureza decaída, uma paixão que, de qualquer modo, pode ser superada com a graça de Deus, como Alípio fez, mais tarde tornando-se o Santo Bispo de Tagasta.

 

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