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O cochilo da CNBB

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Gustavo Corção

 

No artigo de quinta-feira referi-me ao sono que me deixou por um mês desatento às voltas que o mundo deu, mas agora, acordado, e remexendo os recortes acumulados na gaveta, vejo que a CNBB, nesse meio tempo, esteve mergulhada num sono mais profundo e mais surdo do que o meu. E não creio que a Presidência e o Secretariado dessa instituição possam dizer, como a esposa do Cântico dos Cânticos: "Ego dormio, et cor meum vigilat", porque a CNBB tem máquinas de escrever, tem peritos, comissões, Presidência e Secretariado, mas não sei se possui um coração que vigia quando o pomposo aparelho adormece.

***

O cochilo da CNBB a que me refiro neste artigo está provado pela nota com que o Secretariado Geral da CNBB exprime profunda estranheza e enérgica repulsa em face da matéria publicada em O GLOBO de 26-10-71 sobre o título "Subversão cai, mas ainda apresenta áreas sensíveis".

Dom Ivo Lorscheider, em nome do Secretariado Geral da CNBB, publicou em vários jornais uma nota de protesto contra a afirmação de existir nos meios católicos do Brasil largas áreas de infiltração comunista.

Ora, todos nós estamos cansados de saber que a tragédia do mundo moderno, que põe em risco todas as conquistas e valores de uma civilização ainda vagamente cristã, tem seu ponto mais doloroso na infiltração comunista que se processou nos meios católicos e especialmente nas casas religiosas. Todos nós sabemos que essa onda avolumou-se na década de 30 e concentrou-se na esquerda católica francesa de onde se irradiou para o mundo inteiro. Sabemos que durante o martírio da igreja espanhola, e durante a Guerra Civil que salvou a Espanha, a esquerda-católica francesa foi sempre rebelde ao Papa Pio XI. Sabemos que a revista Sept dos dominicanos foi fechada por ordem de Roma por dar apoio aos comunistas. Sabemos que o Pe. Bigo, com enorme simplicidade, diz que o "progressismo" católico começou na Résistance com "os prolongados contatos entre comunistas e católicos que aí fizeram a bouleversant découvert de la révolution en marche. Sabemos que o movimento de Economia e Humanismo foi fundado por dois dominicanos, o Pe. Lebret e Pe. Desroches, que mais se preocupavam com problemas temporais do que com a salvação das almas. Sabemos que o Pe. Desroches tornou-se dois ou três anos depois desmascaradamente comunista. Sabemos que foi essa anti-Igreja da esquerda francesa que trouxe ao Brasil as sementes do marxismo cristão. Sabemos que o Pe. Francisco Pessoa Lage, lazarista, que durante anos foi nosso amigo e muitas vezes nosso comensal, através de Economia e Humanismo transformou-se em marxista fervoroso e depois em comunista furioso. Sabemos que em Volta Redonda, Dom Waldir Calheiros acobertava comunistas, que em Belo Horizonte os padres assuncionistas ensinavam marxismo. Sabemos que na PUC muitas moças egressas do Colégio Sion e outros Institutos católicos saíam transformadas em guerrilheiras, e que a pregação do Pe. Henrique Vaz foi um dos fatores ativos da comunização dos jovens da PUC. Sabemos por declaração deles mesmos (ver o livro recente de Charles Antonoine) que Sr. Cândido Mendes, indicado para alto posto de representante do Brasil no Sínodo, andou sempre de braços com a esquerda católica pervertedora de jovens, e até hoje em todas as suas algaravias deixa transparecer sua irresistível atração pela anti-Igreja apelidada de "progressista". Sabemos também que muitas vezes os senhores bispos, numa lamentável incompreensão de seus deveres pastorais, correram precipitadamente a dar cobertura a padres relapsos e até criminosos, dificultando a tarefa do Governo.

Tudo isto é público e notório. Meus leitores devem saber que não é por gosto que comento tais escândalos, mas por julgar que, depois do escândalo de tais relapsos ou criminosos, e do escalo de tais bispos complacentes, maior escândalo seria o silêncio de quem tem uma pena na mão e a consciência de que deverá prestar contas a Deus do uso que fez de seus dons.

Tudo isto é planetariamente sabido. Como se não bastassem todos os meios de comunicação, já de si inclinados ao sensacionalismo, saem voando arcebispos para espalhar aos quatro ventos a simpatia de bispos católicos por guerrilheiros e sequestradores. Tudo isto, evidentemente, coberto com "o véu diáfano da fantasia" de um interesse pelos pobres que hoje só pode enganar os imbecis, ou os que por um dos tantos paradoxos da condição humana se apegam desesperadamente à mentira que sabe ser mentirosa, mas que julgam vital. Não podem mais viver sem esse ópio,

Ora, todo esse Himalaia de fatos corruscantes e estridentes é ignorado por Dom Ivo Lorscheider, que acorda cheio de melindres quando alguém lhe vem dizer  - Que horror! - que O GLOBO viu comunistas nos arraiais católicos! Não quero ocupar a atenção do leitor com o tumulto de sentimentos que me despertam pronunciamentos como este que acabo de ler. Mas creio cumprir um dever de caridade, de respeito, de decência elementar no aviso, no conselho, no serviço de advertência que ofereço ao Secretariado-Geral da CNBB.

Digo a essa entidade que tudo tem limite, e que um pronunciamento assim corre o risco de ser interpretado por qualquer pessoa de bom-senso como algo mais sério e mais grave do que uma simples sonolência eclesiástica. Corre o risco de ser visto pelo tão falado Povo de Deus como uma tentativa de tapar o sol com peneira de pedreiro. Corre o risco de empenhar gravemente, em tão baldado esforço, a honra da Igreja de Cristo.

 

(O Globo, 13-11-71)

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