Pe. Juan Carlos Iscara, FSSPX
Entre as virtudes sociais, isto é, aquelas que facilitam a vida dos homens na sociedade, Santo Tomás enumera a vindicta – que deveria ser traduzida como “punição justa” para evitar o sentido pejorativo que a palavra “vingança” tem. É uma virtude ligada à virtude cardeal da justiça, que consiste em punir o malfeitor pelo crime cometido.
Infelizmente, quando se trata de punir criminosos, o mundo moderno parece oscilar entre dois extremos: rigor desproporcionado e leniência exagerada. Portanto, é necessário esclarecer o que entendemos como “vingança”, punição justa.
Não há duvida de que restaurar a ordem perturbada por uma ação má é uma obra boa e virtuosa, exigida pela justiça em si e pela necessidade de manter a ordem social. Porém, em razão de nossa natureza decaída, quando se aplica uma punição, é muito fácil se deixar levar por motivos pecaminosos (raiva desordenada, ódio do criminoso, etc), o que faria a punição perder sua justiça, seu caráter virtuoso, tornando-a um verdadeiro pecado.
Santo Tomás explica:
A vingança se consuma infligindo ao que pecou, uma pena, como um mal. Logo, devemos levar em conta na vingança, o ânimo com que age quem a exerce. Se, pois, a sua intenção principalmente está no mal daquele de quem se vinga e nela se compraz, a vingança é absolutamente ilícita. Porque o nos comprazermos com o mal de outrem supõe o ódio, contrário à caridade, que nos manda amar a todos os homens. Nem pode escusar–se ninguém dizendo que quer o mal de quem injustamente lh'o fez, assim como não seria escusado quem odiasse ao que o odeia. Pois, não devemos pecar contra outrem por ter este pecado anteriormente contra nós, o que seria deixarmo–nos vencer do mal, procedimento proibido pelo Apóstolo, quando diz: Não te deixes vencer do mal, mas, vence o mal com o bem. – Mas, se a intenção de quem se vinga visa principalmente um bem, que obteria punindo o pecador – por exemplo, fazendo–o emendar–se ou pelo menos coibindo–o, dando paz aos outros, salvando a justiça e a honra de Deus – nesse caso a vingança pode ser lícita, uma vez observadas as circunstâncias devidas (Suma Teológica, II-II, q. 108, a. 1)
Com essas distinções, o verdadeiro significado e os perigos dessa virtude se tornam claros. Santo Tomás analisa algumas objeções que poderiam ser levantadas contra elas e, ao resolvê-las, aperfeiçoa a doutrina.
Alguns objetam que aquele que se vinga usurpa uma função exclusiva de Deus (Dt 32,35) cometendo, portanto, um pecado. Santo Tomás responde que quem exerce a vingança sobre os maus, no exercício dessa função – por exemplo, as autoridades seculares – não usurpa nada de Deus, mas usa o poder que Ele lhe deu (Rm 13, 4). Mas, se alguém se vinga fora da ordem estabelecida por Deus, usurpa o que é dado a Ele e, portanto, peca.
Outros, mais piedosos, objetam que aqueles que são bons devem tolerar os maus e suportar, com paciência, suas maldades. Santo Tomás pontua que deve ser assim em relação às injúrias feitas a si mesmo, mas não às injúrias a Deus ou o próximo. Porque, como São João Crisóstomo diz, “ser paciente com as injúrias de alguém é digno de louvor; mas ocultar as injúrias a Deus é uma impiedade.”
Na prática, raramente será conveniente que uma pessoa tente, por si mesma, punir o culpado (exceto ao repelir uma agressão injusta em legítima defesa), porque, sob o pretexto da justiça e da equidade, um amor próprio desordenado e, talvez, ódio do próximo estarão escondidos. Por isso que sempre é recomendado perdoar as injúrias dos outros ao invés de puni-los, exceto se a honra de Deus, o bem comum ou a emenda do próximo demandar que peçamos reparação da injúria.
(The Angelus, Set/21)