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Artigo 3: Maria esteve isenta de toda falta, mesmo venial?

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O Concílio de Trento, na sessão VI1, definiu que “o homem, uma vez justificado, não pode evitar continuamente, durante todo o curso de sua vida, todos os pecados veniais, sem um privilégio especial, como o reconhece a Igreja ter sido concedido à Santíssima Virgem”. O justo pode evitar cada um dos pecados veniais tomadas em particular, mas não pode evitar todos, tomados em conjunto, e preservar-se deles continuamente. Maria, pelo contrário, evitou de fato toda falta, mesmo as ligeiras. Santo Agostinho afirma que “pela honra de seu Filho, que deveria perdoar todos os pecados do mundo, não se pode incluí-la, ao tratar-se do pecado” 2. Os Padres e teólogos rejeitam até toda imperfeição voluntária na própria maneira de falar de Maria, porque, segundo eles, ela jamais esteve menos pronta a responder a uma inspiração divina comunicada em forma de conselho. Uma menor generosidade não é um mal, como o pecado venial; é somente um menor bem, uma imperfeição; e mesmo isso nunca existiu em Maria. Nunca houve na Virgem Maria o ato imperfeito (remissus) de caridade, inferior em intensidade ao grau em que essa virtude existia nela.

Santo Tomás dá a razão desse privilégio especial quando diz: “Aqueles a quem o próprio Deus escolhe para um fim determinado, Ele os prepara e dispõe de tal maneira que sejam capazes de realizar aquilo para o que foram eleitos” 3. Nisso Deus difere dos homens, que escolhem com freqüência homens incapazes ou medíocres para funções perfeitas e elevadas. “Assim continua Santo Tomás São Paulo diz dos Apóstolos: “Deus nos fez idôneos ministros do Novo Testamento; não pela letra (da lei), mas pelo Espírito 4. Ora, a Beatíssima Virgem foi escolhida divinamente para ser a Mãe de Deus (quer dizer, ela foi predestinada desde toda a eternidade para a Maternidade Divina). E não se pode duvidar, pois, que Deus, por Sua graça, a tenha tornado apta para essa missão, segundo as palavras que lhe foram dirigidas pelo anjo 5: “Achaste graça diante de Deus; eis que conceberás no teu ventre, e darás à luz um filho, a quem porás o nome de Jesus”. Maria, porém, não teria sido a digna Mãe de Deus se tivesse pecado alguma vez, pois a honra e a própria desonra dos pais se reflete em seus filhos, de acordo com as palavras dos Provérbios: “a glória dos filhos são os seus pais (virtuosos) 6. Além disso, Maria tinha uma afinidade especialíssima com Cristo, que por ela se encarnou, e “que concórdia há entre Cristo e Belial? 7 Enfim, o Filho de Deus, que é a Divina Sabedoria, habitou em Maria de uma maneira muito especial, não só em sua alma, mas em seu seio; e é dito na Sabedoria: “Na alma maligna não entrará a sabedoria, nem habitará no corpo sujeito ao pecado 8. Deve-se, pois, concluir pura e simplesmente que a Bem-aventurada Virgem Maria não cometeu nenhum pecado atual, nem mortal nem venial, de maneira que se verificaram plenamente nela as palavras do Cântico dos Cânticos: “Toda és formosa, amiga minha, e em ti não há mácula 9. Assim se expressou Santo Tomás.

Existe em Maria ainda a impecância (inerrância) ou ausência de pecado, e mesmo a impecabilidade, não no mesmo sentido que em Cristo, mas no sentido em que, por privilégio especial, foi preservada de todo pecado, mesmo venial 10.

Esse privilégio supõe, em primeiro lugar, um grau altíssimo de graça habitual e de caridade, que inclina fortemente a alma ao ato de amor a Deus, afastando-a do pecado. Supõe, também, a confirmação em graça, que habitualmente, nos santos, é formada pelo grande aumento da caridade, sobretudo de união transformante; um aumento acompanhado de graças atuais eficazes que de fato preservam do pecado e conduzem a atos livres e sempre meritórios, cada vez mais elevados. Havia também na Virgem uma proteção especial da Providência que, melhor ainda que no estado de inocência, preservava todas as suas faculdades dos desvios e que, mesmo nas circunstâncias mais dolorosas, conservavam sua alma na mais perfeita generosidade. Essa assistência preservadora foi um efeito da predestinação de Maria, tal como a confirmação em graça é um efeito da predestinação dos santos.

Essa preservação do pecado, longe de diminuir a liberdade ou o livre arbítrio de Maria, fazia que ela tivesse a plena liberdade em ordem ao bem, sem nenhum desvio para o mal, como sua inteligência nunca se inclinava para o erro. Assim, pois, sua liberdade, a exemplo da liberdade da santa alma de Jesus, era uma imagem puríssima da liberdade de Deus, que é ao mesmo tempo soberana e impecável.

Se as obras-primas da arte humana, na arquitetura, pintura ou música, se os instrumentos de precisão nos laboratórios alcançam a última perfeição, o que haveremos de pensar das obras-primas de Deus? Se suas obras na ordem natural são tão perfeitas, como o mostram as belezas do oceano ou das altas montanhas, ou em outra ordem diferente, a estrutura do olho e do ouvido, e ainda mais nossas faculdades superiores, sem falar das inteligências angélicas cada vez mais elevadas, o que dizer de suas obras-primas na ordem sobrenatural, como o foi a santa alma de Maria, adornada de todos os dons gratuitos desde o primeiro momento de sua existência?

 

NOTA

 

O problema da imperfeição distinta do pecado venial.

Esse problema 11, deslocado pelos casuístas, é proposto num plano superior, aquele a que chegam as almas interiores já avançadas, muito atentas em evitar todo pecado venial, mais ou menos deliberado, e foi transportado indevidamente a um plano muito inferior, e se teve então a incoerência e a injustiça de chamar imperfeição ao que, na realidade, é um pecado venial.

Outras vezes relacionou-se esse problema com outro: a vocação religiosa é obrigatória ou pode alguém afastar-se dela sem pecado, por simples imperfeição? Responde-se comum e acertadamente que a vocação religiosa não obriga por si mesma, mas, de fato, como influencia em toda a vida, e como os outros caminhos são menos seguros, quando alguém se afasta dela não é sem pecado, porque se afasta de fato, como o jovem rico de quem nos fala o Evangelho, por sua adesão imoderada às coisas da Terra (desejo imoderado proibido já por um preceito), e não somente por uma menor generosidade.

O problema da imperfeição distinta do pecado venial deve apresentar-se num plano superior onde vivem as almas muito generosas e que estão muito decididas a evitar todo o pecado venial mais ou menos deliberado, e mais ainda, apresenta-se a propósito da impecabilidade de Cristo e do privilégio especial pelo qual Maria foi preservada de todo pecado, por leve que fosse. Põe-se, portanto, a questão: Houve na vida de Cristo e da Santíssima Virgem alguma imperfeição voluntária? Compreende-se evidentemente que essa é uma questão sumamente delicada.

A esse último problema responde-se comumente: na vida de Cristo e de sua Santíssima Mãe nunca houve imperfeição mais ou menos voluntária, porque eles nunca estiveram menos prontos para seguir uma inspiração divina dada em forma de conselho.

Mas se tivesse existido neles, de tempos em tempos, essa menor tendência e prontidão, não teria sido, no entanto, uma desordem propriamente dita, como o apego imoderado aos bens terrestres: teria sido unicamente uma menor generosidade.

Para as almas interiores, desde que não tenham feito voto para fazer o mais perfeito, pode-se e deve-se dizer que não são obrigadas sob pena de pecado venial ao máximo de generosidade que seja moralmente possível para elas em todos os instantes 12. Convirá, no entanto, que, se não estão obrigadas pelo voto do mais perfeito sob pena de pecado venial, as almas mais perfeitas prometam à Santíssima Virgem fazer sempre o que lhes parecerá evidentemente melhor e mais perfeito para elas.

  1. 1. Denzinger, n.º 833..
  2. 2. De natura et gratia, cap. XXXVI..
  3. 3. IIIª, q. 27, a. 4..
  4. 4. 2Cor 3, 6..
  5. 5. Lc 1, 30.
  6. 6. Pr 17, 6..
  7. 7. 2Cor 6, 15..
  8. 8. Sb 1, 4 .
  9. 9. Ct 4, 7..
  10. 10. Em Nosso Senhor havia a impecabilidade absoluta em três sentidos: 1) por causa de sua personalidade divina, 2) por causa da visão beatífica permanente n’Ele desde sua concepção, 3) por causa da plenitude absoluta e imperdível de graça e de caridade, cujo fervor não poderia diminuir; ademais, recebia sempre a graça eficaz para agir..
  11. 11. Tratamos longamente essa questão em outro lugar. Cf. L'Amour de Dieu et la Croix de Jésus, t. I, p. 360-390..
  12. 12. Em todo rigor, um conselho só obriga no caso em que, não sendo seguido, se faltasse a um preceito. Cf. Santo Tomás, IIª IIae, q. 124, a. 3, ad 1.
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