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Um Berço Digno do Filho de Deus

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Na torre da nossa igreja não temos ainda nenhum sino. No entanto eu os ouço tocar. Lá dentro, no santuário uma imagem de Nossa Senhora muito maior, muito mais rica do que merecemos lembra-nos todos os dias que tudo devemos a ela, que tudo começou num já longínquo 8 de dezembro de 1991, na primeira missa que celebramos em Niterói ainda num salão de festas de um prédio.

Toquem os sinos, todos os sinos do mundo, pois entramos em 2004. Neste ano estaremos comemorando os 150 anos da proclamação do Dogma da Imaculada Conceição da Virgem Maria. E esta comemoração não poderá passar desapercebida em nossa Capela de Nossa Senhora da Conceição.

Foi em 8 de dezembro de 1854 que o Papa Pio IX, tendo reunido à sua volta grande concurso de Cardeais, bispos, padres e grande multidão de fiéis, proclamou como Dogma da nossa Fé católica que a Virgem Maria, Mãe de Deus, foi concebida desde o primeiro instante de sua existência sem a mancha do pecado original.

E como nós não percebemos muito bem todo o alcance desta verdade eu repito: A Virgem Maria, no primeiro instante de sua existência já não tinha a herança que todos os homens receberam de Adão e Eva, já não precisava de purificação nem de Batismo.

A Nova Eva

Já veio santa ao mundo, já nasceu e mesmo antes de nascer, já foi concebida como a Nova Eva, não mais para ser a "mãe de todos os viventes" mas para ser a Mãe de Deus. Para ser a Mãe de Deus que é a fonte da vida, a Mãe de todos os que nasceriam das águas do Batismo para a vida do céu. Não para ser nossa mãe segundo a carne, como é a primeira Eva, mas para ser nossa Mãe segundo Deus, para que fosse possível realizar-se em nós aquilo que Deus tinha em mente quando criou os homens em Adão e Eva. Deus queria adoradores que o acompanhassem em sua eternidade em contemplação eterna do Ser incriado, na visão da totalidade da verdade e em união de amor com Aquele que é Caridade. Este projeto foi interrompido pelo orgulho dos nossos primeiros pais que avançaram o sinal, buscaram num orgulho enlouquecido uma grandeza que não lhes era dada ou, se preferirem, que só podiam alcançar mediante uma prova de obediência, de submissão, de amor por Aquele que não precisava deles mas que os convidara para participar da Festa.

Já nasceu e foi concebida brincando no globo da terra e descobrindo suas delícias em estar com os filhos dos homens (Prov. 8, 30). São as palavras que o Divino Espírito Santo soprou pela boca do sábio Salomão para descrever como a Sabedoria Eterna, que é o Filho de Deus, segunda Pessoa da Santíssima Trindade, atuou na Criação do mundo. E o mesmo Espírito Santo como Alma incriada da Igreja, aquele que dá a vida, que anima a Igreja Católica em todas as suas atividades divinas, quis aplicar estas palavras santas à Mãe de Deus, incluindo-as como leituras nas missas de Nossa Senhora.

Realmente esta comparação entre Eva e a Virgem Maria, tão cara aos Padres da Igreja, abre-nos todo um horizonte de verdades sobre a alma incrivelmente perfeita de Nossa Mãe do Céu. Pensar que nos desígnios de Deus aquele ato de horrível sacrilégio que foi o primeiro pecado podia trazer-nos algo de ainda mais maravilhoso do que toda aquela maravilha que se descortinava diante de Adão e Eva, é para nos deixar atônitos e maravilhados.

Quando foi consumido aquele primeiro ato de desobediência, quando aquela mordida foi dada no fruto proibido, certamente houve um terrível colapso em toda a criação. De repente tudo aquilo que estava banhado em luz, tudo aquilo que reverberava a luz da criação e, mais ainda, a luz da graça, entrou numa ebulição misteriosa que, mesmo não tendo sido percebida pelos sentidos, significava um terrível terremoto, uma avalanche que atingiu não as montanhas ou os mares, mas a essência das coisas. Et tenebrae factae sunt! Fez-se noite. A natureza, aquele conjunto de seres criados por Deus para servir ao primeiro homem e à primeira mulher, aqueles seres que se apresentaram diante de Adão para que lhes fosse imposto um nome, ou seja, um verbo, uma palavra, significando sua essência e sua natureza, sua parte na vida divina, todo aquele mundo de luzes, de formas, de cores, entrou na escuridão da noite, participando, cada qual a seu modo, na queda da natureza humana que, de inocente, passou à pecadora, da vida da graça estável preparatória para a glória eterna, passou à escravidão da concupiscência. E todas as infelicidades, todos os pecados, tudo o que se possa imaginar de feio, de triste, de cinzento, de morto, de sujo, penetrou no mundo dos homens. E tudo na vida dos homens foi marcado por esta queda, por esta natureza decaída, enfraquecida, pecadora, até que, cerca de quatro mil anos depois, fosse concebida a Virgem Maria, sem pecado, Imaculada, perfeitíssima e belíssima.

Então podemos dizer que a concepção da Virgem Maria foi o primeiro ato, depois do pecado de Adão e Eva a não ser manchado pela escuridão da queda; foi o primeiro ato realizado neste nosso mundo, todo ele iluminado de perfeição, de graça, de vida divina sem lugar para as fraquezas do comum dos humanos. E essa constatação tão simples, toda derivada da nossa fé católica, da Revelação, mostra a grandeza e a importância desta comemoração.

O Novo Adão

Eis assim preparado o berço sublime onde o Verbo haveria de se Encarnar. Eis assim ornado da mais linda flor que é a alma imaculada e sem mancha de sua Mãe, este colo materno onde um milagre ainda mais estupendo aconteceria. Tudo assim pronto, os anjos nos céus já sem compreender bem como a Sabedoria Divina podia ter previsto coisa tão bela e tão simples, colocaram-se eles, os anjos, à espera do momento da Encarnação. Afinaram seu canto, enviaram Gabriel e assistiram lá de junto do Pai esta coisa Nova, este Novo Adão, restaurando num piscar de olhos, tudo o que o pecado tinha destruído também num instante: pois se a natureza humana e os demais seres criados, sem que os sentidos percebessem, entraram na noite, nas trevas do pecado, pela mordida do fruto proibido, também é verdade que só os anjos perceberam que o mundo tinha mudado quando numa saleta humilde de Nazaré, um anjo solitário ouviu esta simples palavra: Fiat. Faça-se em mim segundo a tua palavra (Lc. 1, 38). E aquele gesto louco de orgulho de querer ser como deuses, que precipitou o mundo na destruição do pecado, foi restaurado pelo gesto santo quando Maria inclinou-se diante do anjo para lhe dizer ser ela a escrava do Senhor: Ecce ancilla Domini.

As paredes da casa não tremeram, os mortos não ressuscitaram, mas os anjos aplaudiram e cantaram. Cantaram os anjos durante nove meses a chegada do Messias a nosso mundo pecador, para restaurá-lo, para santificá-lo. Cantaram tanto que os céus se abriram, em Belém, para que os humildes pastores vendo o que se passava no céu, entendessem o que acontecia na terra, ali pertinho de onde eles estavam. E foram a toda pressa e encontraram o Menino envolto em panos e posto numa manjedoura. Ao seu lado estava a Mãe, mergulhada em silêncio, compreendendo que ali, naquele humilde presépio encontravam-se juntos sua própria alma imaculada, seu corpo virginal e intacto e o fruto desta flor, a Santa Humanidade do Verbo divino. Chegara Ele por meio deste tálamo santo e inocente que é o seio da Virgem sem pecado, a flor da raiz de Jessé que nos traz o fruto da Salvação. Ele é a razão de ser dela. Para a vinda do Filho, preparou Deus a Mãe. Da herança maldita do horrível pecado de Adão e Eva, transmitido com a vida da carne, estava ali a herança bendita da Imaculada Mãe de Deus, que passa a ser nossa herança transmitida junto com a vida da graça. Deus juntou todas as águas e chamou Mar... juntou todas as graças e chamou Maria (São Bernardino de Sena, citado por S. Luiz Maria Grignon de Monfort no Tratado da Verdadeira Devoção).

E como não podemos ouvir os anjos neste eterno canto de louvor que entoam incessantemente no alto dos céus: Santo, Santo, Santo é o Senhor Deus dos Exércitos... Hosana in Excelsis! que os sinos da terra, imitando no bronze o angélico coro, ressoem por todo o orbe para contar aos homens que há cento e cinqüenta anos a Igreja proclama como dogma Revelado por Deus, toda esta linda história, verdadeira e sublime história, do berço imaculado e ornado de flores que o Pai preparou, na Virgem Maria, para receber seu Filho neste nosso mundo mortal.

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