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Informação e formação

Ninguém pretenderá negar o papel relevante que a informação representa na densa e complexa problemática social do mundo moderno. O aumento populacional e o decorrente aumento ao quadrado das combinações sociais armam freqüentemente situações em que o primeiro passo na promoção do bem-comum consiste no conhecimento dos fatos, dos dados numerosíssimos que constituem as variáveis e parâmetros de um sistema complexíssimo de equações. O conhecimento desses dados e das possibilidades combinatórias exige todo um saber e toda uma apurada técnica: a ciência e a técnica da informação.

 

A concatenação de numerosos dados de um determinado programa de ação ou a logística operacional de um empreendimento, sem a qual o dito empreendimento em cada momento recairia na perplexidade de vacilações infecundas, como o raciocínio enxadrístico que perdesse o pé em relação às variantes já percorridas pela análise, é hoje uma disciplina tão fortemente exigida, tão imprescindível que não exageraremos se dissermos que ela constitui a marca de nossa era.

 

Houve um momento na história do mundo em que uma verdadeira transmutação civilizacional se efetuou graças ao progresso mecânico e às descobertas das fontes de energia. A chamada “revolução industrial”, que marcou a história e que além do conforto material trouxe o desconforto das crises sociais e ideológicas, foi provocada pelo carvão e pela máquina a vapor.

 

Pouco depois desenvolveu-se o campo da energética com a descoberta da eletricidade, e mais tarde ganharam relevo o petróleo e a energia nuclear. Tudo isto pertence, por assim dizer, ao século XIX ou século da energia. O nosso tormentoso século XX será o das comunicações ou das informações: a eletrônica e a cibernética são as ciências e técnicas do novo mundo que se caracteriza principalmente pela densidade e pela complexidade dos dados que, em cada situação, tem de equacionar.

 

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E aqui já se entrevê qual é a fraqueza, a rigidez, a opacidade deste espesso mundo moderno em que vivemos. Diríamos que essa fraqueza está justamente na força em que o mesmo mundo se gloria, isto é, na mecanização do conhecimento, ou na robotização do homem. A tendência de valorizar as causas materiais, os dados, os fatos, e de supervalorizar a informação leva o homem, irresistivelmente, a pretender impor essa técnica a todos os grandes problemas humanos.

 

Ora, hoje no século XX, como ontem no XIX, e anteontem no século de Péricles, o homem é sempre o mesmo incôngruo ser que depende imediatamente de coisas materiais mas aspira sempre às coisas que transcendem o mundo inferior onde tem o pé e onde aplica as mãos. A vida humana é uma longa procura e uma longa conquista. E qual é o objeto dessa ansiosa indagação? Responderíamos como Santo Agostinho a si mesmo respondeu: quero conhecer Deus e a minha alma.

 

O saber tem muitos graus, desde os mais baixos onde o homem procura a ciência das coisas inferiores de que depende, até os mais altos em que procura a sabedoria que lhe diz o que é ele, de onde vem e aonde vai. E nesse grau de saber não é por um somatório de informações que o homem progride, e sim por uma integração de princípios, de valores, de normas que se incorporam à alma dando-lhe os habitus com que saberá atender com facilidade e firmeza aos difíceis desafios da vida.

 

A sabedoria dá ao homem uma formação interior, um modo global e íntegro de ser, e uma aptidão pronta e segura para as mais altas exigências do espírito.

 

Tomemos aqui um exemplo: diz-se que um católico tem boa formação moral quando possui a disposição habitual e firme de agir bem em face dos múltiplos desafios da vida. Diz-se que tem boa formação mental quando possui a doutrina integrada num corpo com conexões vivas, e não apenas formada pela justaposição de informações desconexas. É próprio da especulação teológica o aprofundamento do dado revelado como conexo.

 

A boa formação mental católica não exige copiosa informação sobre todas as coisas que no momento se imprimem,mas se caracteriza por um instinto seguro que vem dos dons do Espírito Santo e que lhe permite reconhecer bem a voz que ressoa in médio Ecclesiae, e que também lhe dá um rápido, vigoroso instinto para repelir o clamor que sempre há de existir extra Ecclesiam. A boa formação é o senso da verdade de Deus, em sua profundidade e em sua singeleza.

 

Ao contrário, a má formação se caracteriza por uma tendência à excentricidade, por um gosto de fossar bolotas com os porcos longe da casa do pai. Combinada com o orgulho, que é o seu escudeiro, a má formação doutrinal toma logo a forma mais característica da infidelidade, que é o gosto pela novidade. “A infidelidade”, diz Santo Tomás (IIa, IIae, q. 10, a. 1), “como todo pecado, tem sua origem no orgulho. Pelo orgulho não queremos submeter o espírito às regras de Fé e à santa inteligência que tiveram os Doutores. Daí a observação de São Gregório: “da vanglória nasce o atrevimento das novidades” (31 Moral, Cap. 45).

 

Se o leitor me perguntar o que deve fazer para ter boa formação, eu direi o que a Igreja diz há séculos. De início precisa desejá-la com a sede da humildade e com a força da caridade; e para desejar a casta sabedoria, tem de aninhar-se in sino Ecclesiae, e beber um leite que não é outra coisa senão o Sangue de Cristo, tornado branco e doce para a enfermidade de nosso paladar.

 

Sem piedade e vida interior, não temos em nós a forma que receberá os impulsos de Deus, como a vela do barco recebe o vento. E agora, em termos mais práticos: a boa formação se obtém no estudo e na especial dileção dada àqueles que abrem a boca in médio Ecclesiae.

 

Ao contrário, para se tornar excêntrico, moderno, basta dedicar-se a coprofagia da atualidade. Há por exemplo um catecismo do Cardeal Fanfani, um catecismo do Concílio de Trento, um catecismo de Pio X. Quem quer estar bem informado do colunismo social do pensamento teológico extra Ecclesiam, quem prefere a atualidade, a fofoca, o gosto de ler um livro contra-indicado pela Igreja, escrito em clima de fervilhante heterodoxia, então precisa ler o famigerado novo catecismo holandês ou alguma coisa de Teilhard de Chardin.

 

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Há uma relação entre a formação e informação. Rigorosamente nós só sabemos o que sabemos depois de recebermos alguns dados algumas notícias que têm caráter de informação. A mais alta e santa doutrina foi primeiro uma comunicação, um anúncio. A formação depende da informação como o conhecimento intelectual depende do conhecimento sensível, mas não consiste nele. O problema de hierarquia que aqui nos interessa é aquele que se arma em torno dos critérios e da disciplina com que fazemos em cada caso a formação ter a primazia e de certo modo medir e julgar a informação. É claro que em cada dia de nossa vida precisamos de informações que nos ajudem a progredir em nossa formação. O mal da época, mal derivado da atmosfera nominalista e de informações, que deixa no esquecimento o gosto e o desejo da sabedoria.

 

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Criticando a epistemologia dos nominalistas, que já no seu tempo começaram a depredar a escolástica, Santo Tomás disse que eles querem conhecer uma por uma as pedras do rio. O autor inspirado do Eclesiástico, também contrapõe à ciência das informações a sabedoria formadora por in-formação com o Verbo de Deus:

 

“Toda a sabedoria vem do Senhor Deus”.

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“Quem pode contar os grãos de areia do mar e as gotas da chuva de todos os dias?... A sabedoria foi criada antes de todas as coisas... O Verbo de Deus nos céus (sabedoria incriada) é a fonte da sabedoria”.

 

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Foi o furor de excentricidade, de atualidade e de informação que levou os progressistas que atuaram nos Institutos Pastorais a recomendar a alunos de medíocre formação toda a excrementícia teologia produzida pelos Robinsons, Harvey Cox, Bultman e outros que abrem o bico e pipilam extra Ecclesiam.

 

E depois desse malbaratamento da doutrina todos se admiram de ver religiosos associados a bandidos da pior espécie. Os tolos que entraram na quadrilha porque ouviram dizer que aqueles salteadores, seqüestradores e assassinos estavam do lado dos pobres. Deus pedirá contas aos autores de tamanha impostura.

 

Na perspectiva deste trabalho, só nos resta insistir a tempo e contratempo: precisamos formar em nós a santa doutrina que se consubstanciou no Cristo Jesus Nosso Senhor, precisamos apurar o paladar e o olfato das coisas de Deus até para não pecarmos contra o valor das horas da vida com leituras espantosamente inúteis.

 

 

Revista Permanência, N° 14, novembro de 1969, Ano II.

 

 

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