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A guerra civil espanhola

O texto que se vai ler constitui uma série de excertos do livro O Século do Nada, de Gustavo Corção, que, reunidos, narram a terrível história da Guerra Civil Espanhola, "como se os erros do século ali tivessem aprazado um sinistro encontro para mortal ajuste de contas"; são estas, de fato, algumas das páginas mais tensas do grande autor.

Recomendamos igualmente a leitura do artigo "O Mito de Guernica", que, relatando as descobertas de alguns historiadores, apresenta o famoso bombardeio como uma grande farsa. 

 

A GUERRA CIVIL ESPANHOLA  


Gustavo Corção

 

«(...) mas agora acode-me a idéia de uma omissão que implica uma série de recolocações e pela qual eu estremeceria de vergonha e tristeza se, no momento de dizer o nunc dimittis, me viesse à mente o relâmpago do negrume de tão espantosa omissão. Qual? A de nunca ter escrito em minha longa vida de escritor, entre tantas páginas de louvor e de admiração, de entusiasmo e de apologia, estas poucas palavras exigidas pela mais clara verdade e pela mais límpida justiça; sim, estas poucas palavras que já deviam ter transbordado de meu coração agradecido e deslumbrado:

Honra e glória à Espanha católica de 1936
Honra e glória a Dom José Moscardó Ituarte, defensor do Alcazar, a seu filho Luis Moscardó, a Queipo de Llano e a José Antônio Primo de Rivera.

España libre, España bella
Con roquetés y Falanges
Con el tercio muy valiente..."

Honra e glória aos doze bispos mártires e aos quinze mil padres, frades e religiosas "verdadeiros mártires em todo o sagrado e glorioso significado da palavra" (Pio XI).
Honra e glória a todos os que morreram testemunhando com sangre: "Viva Cristo Rey"!»

(O Século do Nada, introdução)

 

1931 — Espanha

Com a queda da ditadura do general Berenguer, sucessor de Primo de Rivera, e a partida de Afonso XIII para o exílio, instalou-se a República na Espanha em 12 de abril de 1931 mais tranqüila e pacificamente do que a nossa em 1889, da qual Machado de Assis teve notícia em conversa na Rua do Ouvidor.

A Espanha parecia acordar do sonho das glórias magníficas para uma atualidade otimista num século de progresso; parecia disposta a uma atualização confiante e tranqüila. Houve até um Te Deum, foguetório e música para celebrar a jovem República que logo nos seus primeiros dias mereceu do povo a alcunha de “Niña Bonita”.

Quem, no entanto, pudesse sobrevoar as terras de Espanha nesse mesmo ano, e com um sexto sentido pudesse perscrutar e auscultar as palpitações profundas da alma espanhola, logo saberia que era fictícia a bonança e que, por baixo daquele lençol de otimismo, preparava-se uma espantosa tempestade de fogo e sangue.

O que era a Espanha em 1931? Um país maior do que a França, mas um país um pouco esquecido dos outros e quem sabe? de si mesmo, um pouco posto á margem, quase decapitado da orgulhosa Europa. Mas nas suas entranhas, nas profundezas de sua alma trabalhava a nostalgia das grandezas perdidas, a lembrança do século de ouro e conquistas que em 1931 parecem sonhos de exaltação que não se enxertavam bem na substância de uma República que mais parecia um enorme aparelho eletrodoméstico comprado no estrangeiro.

E a Espanha espanhola que pela voz de Dom Miguel Unamuno desdenhava os progressos técnicos: “ellos que inventém, ellos que inventém...”, onde estará concentrado o seu sangue?

Quem foi, se não a Espanha, que deu ao mundo outro mundo, um Novo Mundo neste mesmo mundo, glória terrestre por antecipação das glórias no céu? Quem duplicou o espaço geográfico da civilização? O solo da Cristandade? E quem mais do que Espanha teve filhos valorosos e filhas ardentes, santos e santas mais incondicionalmente santos e santas? E de onde saíram as duas gloriosas ordens religiosas, uma para cristianizar a Idade Média no princípio de sua decadência, e outra para os tempos modernos desde o início de sua soberba? Da Espanha saiu Domingos de Guzmán, o grande asceta que às noites, pelos pecadores impenitentes se flagelava e rugia de dor e de amor; e na Ordem dos Pregadores nasceu o maior “doutor do supremo saber diurno e comunicável”, Tomás de Aquino, italiano, espanhol e francês, glória da latinidade, luzeiro da Igreja. Da mesma Espanha saiu para o largo mundo novo e antigo Inácio de Loyola, soldado de Cristo mobilizado para enfrentar os contestatários que se enfeitavam com os ouropéis da Renascença, mas se sustentavam com o leite da Idade Média. E de onde saiu aquele outro “meio frade” na contabilidade espiritual e reformista de Santa Teresa d’Ávila, que também encheria a Igreja com “o supremo saber noturno e incomunicável” das ascensões místicas? San Juan de la Cruz. E de onde veio a força propulsora que atirou por cima dos mares domesticados e por cima da cordilheira dos Andes uma semente dominicana que germinou, cresceu e nos deu uma rosa, Rosa de Lima, odorífera padroeira de nossa pobre América Latina?

E quem, como a Espanha, resistiu sete séculos às pressões do Islã, defendendo palmo a palmo o solo da cristandade, e nessa mesma guerra nos legou a flor pacífica do mais gracioso amálgama de culturas, quem como Espanha?

Poderá alguém, sensatamente, imaginar uma Espanha sensata segundo os padrões de sensatez do ano de 1931? Poderá alguém imaginar a Espanha sem arroubos, sem sonhos de grandeza, sem ideal, sem rei e sem Fé? E ainda não dissemos nada dos artistas, dos museus, da cultura. Num livro de apologia dos Estados Unidos, um grande de Espanha, Julian Marías, consagrou um capítulo especial ao problema do livro nos Estados Unidos, e assinalou a peculiaridade da cultura americana, socializada, com admiráveis bibliotecas públicas que matam as bibliotecas particulares sem as quais um espanhol e um francês não saberiam viver, e que dificultam o empreendimento editorial.

Julian Marías descreve sua própria casa, onde por toda a parte “hay libros, libros, libros...”. E, por isso, o movimento editorial de Espanha é simplesmente — believe or not — maior do que o dos Estados Unidos!

O historiador Hugh Thomas [1] descreve-nos a situação da Igreja na Espanha em 1931 e conclui, em termos de sociometria religiosa, que o catolicismo da península apresenta sinais de decadência. De acordo com os dados do dominicano Fr. Francisco Peiró, somente 5% da população de Castela Nova cumprem o preceito da Páscoa. Em algumas aldeias da Andaluzia somente 1% dos homens freqüenta as igrejas. Seria então por isso, concluiu o historiador, que o Presidente Azaña em 1932 declarou que “a Espanha deixara de ser católica”, mais como quem constata um fato sociológico do que como quem decreta uma interdição. O mesmo historiador inglês reconhece que Azaña tem certa propensão de dizer frases infelizes e inesquecíveis, como aquela outra em que promete triturar a casta militar [2].

Mais infeliz ainda, na opinião do autor inglês, teria sido a pastoral inteira do Cardeal Segura, Arcebispo de Toledo e Primaz de Espanha. Diz Hugh Thomas [3]: “o primeiro tiro da luta que continuaria até a Guerra Civil foi a carta pastoral do Cardeal Segura, grave e violenta, publicava em maio de 1931. O altivo e independente prelado combinava inteligência com intenso fanatismo”.

Compreendo que um erudito inglês, no seu escritório confortável, sinta a aspereza e o vigor da carta do Cardeal Segura, mas já não compreendo nem admito que dê ao sentimento do Cardeal a qualificação de fanatismo. Além disso, parece-me que seria melhor dizer “primeiro alarme” em vez de dizer “primeiro tiro”. A verdade, porém, é que Roma também se inquietou com a veemência do Cardeal Segura. Eis como terminava a famosa pastoral do Primaz da Espanha: “Se nós ficarmos quietos e negligentes, se permitirmos que a apatia e a timidez se apoderem de nós, se deixarmos abertas as portas para aqueles que tentam destruir a religião, ou se esperarmos que o triunfo de nossos ideais seja assegurado pela benevolência dos inimigos, não teremos direito de nos lamentar quando a amarga realidade nos evidenciar que tivemos a vitória em nossas mãos, mas não soubemos combater como intrépidos guerreiros preparados para sucumbir gloriosamente”.

 

Os personagens do drama espanhol

Para entender a sucessão de acontecimentos que logo deixam entrever sua gravidade depois do equívoco otimismo de 15 de abril, precisamos conhecer, ao menos em esboço, o quadro das várias correntes históricas que confluem na Península Ibérica como se os erros do século ali tivessem aprazado um sinistro encontro para mortal ajuste de contas. E, para começar esse esboço, tomemos a cena ocorrida na Calle Alcalá, Madri, no dia 10 de maio de 1931, poucos dias depois da publicação da pastoral do Cardeal Segura: um grupo de jovens militares e monarquistas resolvera fundar o Clube Independente Monarquista. Uma vitrola tocava a Marcha Real, e um táxi com dois monarquistas parou no meio da multidão. Os monarquistas gritavam Viva a Monarquia! E o chofer: Viva a República! Na briga que resultou, o chofer caiu e logo na multidão espalhou-se a notícia que o haviam matado. Em tumulto o povo dirigiu-se à redação do jornal monarquista ABC com a intenção de incendiá-lo. A Guarda Civil dispersou o povo. Mas na manhã seguinte a igreja dos jesuítas, na Calle de la Flor, no centro de Madri, foi arrastada e incendiada. Numa das paredes queimadas, em grandes letras de cal, lia-se a advertência: “A Justiça do Povo para os Ladrões”. Várias outras igrejas e conventos foram queimados em Madri nesse mesmo dia. Em poucos dias o fogo espalhou-se pela Andaluzia até Málaga. Um vento de alarme corria a Espanha. [4]

O novo Ministro da Guerra, Manuel Azaña, não podendo perder a oportunidade de um de seus muitos pronunciamentos inesquecíveis, disse que preferia ver todas as igrejas de Espanha incendiadas a ver uma só cabeça republicana ferida.

Dir-se-á que, neste episódio, foram os monarquistas e jovens oficiais que provocaram o tumulto. Admitamos. Mas desde já devemos assinalar uma desproporção e uma assimetria que será sempre sistematicamente afastada pelos “intelectuais” que mais adiante assinarão manifestos contra o alzamiento e contra o bombardeio de Guernica.

Os monarquistas efetivamente provocaram o tumulto de 10 de maio. Entender-se-ia a reação dos anarquistas se no tumulto entrassem em luta com os monarquistas e os matassem. Haveria luta, duelo, morte de lado a lado, e até aqui estamos dentro da larga faixa da normalidade: é normal que os homens lutem por seus ideais, e não se quebra a normalidade com a menor ou maior violência da luta. O que rompe todas as barreiras do admissível é a resposta oblíqua, que não responde ao adversário golpe com golpe, mas atinge os inocentes. Ainda não começou o terrível espetáculo de massacre de sacerdotes e violação de freiras, mas já nesta amostra começa o que Antonio Monteiro chamou de “el martírio de las cosas”. Já em 1937 a carta coletiva do Espiscopado espanhol menciona a destruição de 20.000 igrejas! Tudo isto indica que era acertado o instinto dos jovens militares e monarquistas que desejavam livrar a Espanha de tão cruéis inimigos da Igreja. E não me refiro aqui evidentemente aos republicanos. Acho perfeitamente admissível o ideal monárquico, e ainda acho mais admissível o ideal republicano já tantas vezes experimentado pela humanidade sem nenhuma necessidade de o vincular ao anarquismo.

Foram os anarquistas que em maio de 1931 incendiaram a Igreja dos Jesuítas; e foi o liberalismo ateu, maçônico e “progressista” que falou pela boca de Manuel Azaña.

Note bem o leitor que ainda não entraram em cena os comunistas nesta primeira amostra de perseguição religiosa. A Espanha tem nesse tempo, ligados à CNT (Confederación Nacional de Trabajo), cerca de um milhão de anarquistas, entre homens e mulheres de todas as idades; mas os militantes, que efetivamente atuaram nos incêndios de igrejas e conventos e nos assassinatos e violações cercadas de crueldades nunca vistas, pertenciam a uma sociedade secreta destinada a manter o ideal anarquista “em toda a sua pureza”. Hugh Thomas avalia em cerca de 30.000 esses efetivos anarquistas [5] que descendiam dos primeiros emissários de Bakunin chegados à Espanha em 1868. Em 1871, por ocasião do rompimento entre Marx e Bakunin, a Espanha foi o único país da Europa em que o socialismo ficou fiel ao puro anarquismo de Bakunin. Vítimas do curioso hibridismo de um revolucionarismo radical e absoluto, que quer voltar ao zero, e de um progressismo que vinha das sociétés de pensée do iluminismo, os anarquistas espanhóis esperavam ter brevemente instalado o paraíso terrestre. Para isso, como observa Hugh Thomas, bastava-lhes ter na mão direita uma pistola e na esquerda uma enciclopédia.

Nos tempos da monarquia costumavam dizer que não haveria paz e justiça para os povos enquanto não fosse enforcado o último rei nas tripas do último padre. Esse programa singelo fará sorrir algum leitor, mas aconselho-o a não sorrir porque os piores cruzamentos de estupidez e perversidade podem revestir-se de uma especial singeleza.

A outra corrente que já no episódio de maio de 31 encontramos em ação é a dos monarquistas, tradicionalistas e anti-republicanos de vários matizes, entre os quais se destacavam, pelo lirismo e pela turbulência, os carlistas que, no dizer do historiador inglês, imaginavam salvar as Espanha com uma pistola na mão direita e um missal na esquerda. Lutavam por “Dios, Pátria y Rey”. Com os monarquistas ortodoxos de várias tendências, os carlistas se uniram sob a sigla TYRE (Tradicionalistas y Renovación Española).

A esses grupos acrescentamos agora um exército em que havia cerca de 20.000 oficiais, sendo 219 generais, para uma exígua tropa com menos de 200.000 homens. Essa força, desde as guerras napoleônicas, mais se destinava à segurança interna do que à defesa do país contra agressões do exterior. A tendência política da maioria era nitidamente anti-republicana. Oficialmente, a maioria das forças armadas, em 1931, aceitava e prestara juramento ao novo regime. Mas no seu interior já fermentavam conspirações em torno de três pontos: “formariam um novo e legal partido monarquista equivocamente chamado Renovación Española: fundariam a revista Acción Española, sob a direção de Ramiro Maezta, ex-anarquista da geração de 1898, com o programa de pugnar publicamente em favor de uma insurreição contra a república; e fundariam uma organização para criar o ambiente de revolução no exército. Essa organização teve o nome de Unión Militar Española”.

Em torno e no fundo dessas várias correntes, estendia-se a massa de gente mais neutra do que polarizada, a massa de povo que quer viver seu dia-a-dia com tranqüilidade e que se deixa levar pelo liberalismo da época, mas também disposta a receber esta ou aquela nova orientação, conforme ventasse o século.

Na continuação dos dias da república surgiram outras correntes mais ou menos efêmeras, e mais ou menos atuantes. A Espanha, em sua perigosa disponibilidade republicana e liberal, tornara-se caixa de ressonância dos rumores e clamores do mundo. Assim é que, desde 1931, e portanto antes da ascensão de Hitler, já uma espécie de nazismo encontrava eco na Espanha.

Como já assinalei atrás, corria mundo uma idéia de exaltação, de exultação, que na Espanha produziu vários efeitos. O primeiro foi um pequeno e turbulento grupo em torno da revista La Conquista del Estado, dirigida por Ramiro Ledesma Ramos. Mas o fundamento de exaltação espanhola, ao contrário do que fez Hitler, não era o sangue nem a raça tomado no sentido carnal, e sim a raça espiritual e cultural da Espanha tradicional e católica.

Mais notável, no mesmo quadrante dos exaltados e exultantes, característico dos anos 30 e equivocamente etiquetado com a denominação genérica de “fascismo”, foi o movimento fundado por José Antonio Primo de Rivera em 1933. Diga-se de passagem que seu próprio fundador contribuiu para esse injusto equívoco quando deu ao jornal que fundou o nome El Fascio, e não se esquivou nunca à qualificação de “fascista” que, após a vitória do Front Populaire na França e a derrota do eixo Roma-Berlim, se tornara pecha infamante.

Na verdade, porém, a Falange, sendo uma das formas de exaltação da época, tinha feição e características genéticas diversas do “fascismo” de Mussolini e do “nazismo” de Hitler. Ambas as pontas do eixo Roma-Berlim tinham marcas atávicas do socialismo: eram formas atualizadas e reviravoltadas do mesmo essencial instinto telúrico. Na Falange, que quase chegou a dar cor e nome ao movimento de recuperação nacional, predominava o ideal de revalorizar as dimensões do homem, e de reafirmar a transcendência de sua vocação. Isto se tornou possível graças à bela figura de José Antonio Primo de Rivera, que em 29 de outubro de 1933, no Teatro de la Comédia, de Madri, lança, com o aviador Ruiz de Alda, o novo movimento.

... ataca Rousseau, o moderno liberalismo e o sufrágio universal que conduziram a Europa a este sistema democrático, o mais ruinoso sistema de “malgastar energias”. E, diante da estupefação dos conservadores, José Antonio exclama: “O estado liberal nos trouxe a servidão econômica e disse aos operários este trágico sarcasmo: sois livres de trabalhar ou não trabalhar; ninguém pode forçar-vos a aceitar esta ou aquela condição de trabalho; mas como somos nós os ricos, oferecemo-vos as condições de nosso agrado que vós, cidadãos livres, podeis rejeitar se não são do vosso agrado, mas sendo vós os cidadãos pobres, se não aceitais as condições que vos oferecemos, só vos resta morrer de fome com grande dignidade”. [6]

Contra esse estado de coisas será válida a solução socialista? Não, porque o socialismo é materialista, e o materialismo nada resolve nem explica. José Antonio quer devolver a pátria ao povo, como um bem e não de uma classe, e como o espírito religioso da nação. E acrescenta:

Si para alcanzar objetivos hay que recurrir a la violencia, no dudaremos. Cuando se ofende a la Justicia y la Pátria, la unica dialéctica admisible es la de los puños y las pistolas... Nuestro puesto está al aire libre, bajo la noche clara, arma al hombro y allá arriba, las estrellas. Que los otros continúem sus festines! Nosotros, en la tensión febril y segura la guardia, sentimos en el fundo de nuestra alegría el presentimento de la aurora.

Em 17 de novembro de 1934 José Antonio pronunciara um discurso nestes termos: “Nesta hora solene posso muito bem fazer uma profecia: o próximo combate, que será mais dramático do que as lutas eleitorais, não se fará entre os valores caducos que se chamam esquerda e direita. Far-se-á entre a frente asiática, turbulenta, anunciadora da revolução russa em sua tradução espanhola, e a frente nacional desta geração em linha de combate”.

Três anos depois, na mesma data, 17 de novembro, José Antonio está em Alicante, nas mãos dos marxistas que o condenam à morte. Pede para falar ao juiz Federico Enjuto e lhe diz estas palavras tão admiravelmente espanholas:

Usted pensará que le he llamado porque tengo miedo de morrir. No es verdad. No temo a la muerte. Tengo 33 años. Lo mejor de mi vida y de mi obra, ahora llo he comenzado. En este instante de España hay que vivir ardientemente. Pero los fusiles no me dan miedo. Ustede puede matarme cuando guste. Yo lo pido un favor: depués de mi muerte, haga lavar bien el suelo en el lugar de patio dondo caeré, para que mi hermano Miguel, que tambien está encarcelado en esta prisión y se paseará aún varios dias en este patio, no tenga que andar sobre mi sangre [7].

Acrescentemos aos vários movimentos já mencionados a Confederación Española de Direitos Autônomos (CEDA), fundada por Gil Robles e elevada ao poder nas eleições de 1933. Nosso historiador Hugh Thomas, neste ponto, explica a vitória de Gil Robles pelo fato de ter sido dado o voto às mulheres, que “votavam segundo as instruções de seus confessores”. Dá-me vontade de enviar a esse tão objetivo historiador uma palavra atrevida de Santa Teresa d’Ávila ao seu confessor: “Olhe lá que nós mulheres (e principalmente espanholas) não somos tão fáceis de entender”.

Pobre Espanha! De todos os lados deformam sua figura e caricaturam sua grandeza quando a querem explicar pela mediocridade de um clero que produzirá tantos mártires, e pela decadência ou subserviência de um povo que produzirá tantos heróis.

E neste esboço tão resumido, em que tentamos mostrar a disparidade perigosa, o antagonismo mortal das várias correntes, ainda não dissemos nada dos “separatismos” que afligem a Península e que parecem condenar a Espanha ao estilhaçamento de minirrepúblicas independentes. “É impossível — diz Robert Brasillach — compreender o aspecto que tomou a Guerra Civil em Barcelona se não se conhece a importância que sempre teve na Espanha o povo catalão”; e é impossível, dizemos nós, entender a repercussão dos paradoxos e contradições da Guerra Civil nos meios “intelectuais” do mundo inteiro, e especialmente da França, se não se conhece a dolorida singularidade do povo basco, e do modo como sofreram de todos os lados.

Os bascos são um estranho povo que não pertence à mesma etnia dos outros espanhóis e têm um idioma próprio, o éuskaro, que também não pertence à mesma família nascida do tronco indo-europeu, e não se parece com nenhum outro conhecido, a não ser com o de alguns grupos na Hungria. Espalhavam-se, num total de 600.000 habitantes, pelas províncias de Navarra, Alaya, Viscaya e Guipazcóa, situadas na extremidade ocidental dos Pireneus. Desde tempos imemoriais, caracterizam-se os bascos pela religiosidade e pelo sentimento de independência política e econômica. Na Idade Média, durante séculos, manteve-se o costume de reunir todos os homens maiores de 21 anos em torno de um carvalho na cidade santa de Guernica. Em nosso século, e mais especialmente na época da proclamação da república, o isolacionismo e o desejo separatista dos bascos era talvez mais uma facção nostálgica do que uma força atuante, e as tendências nacionalistas eram maiores em Viscaya e Guipazcóa, enquanto em todo o Ocidente, o velho liberalismo do século XIX se achava em estado de disponibilidade, pronto a se converter em uma de suas antíteses revolucionárias e totalitárias.

É difícil dizer qual das tradições, a antiga e a isolacionista, ou a mais recente consciência de hispanidad, predominava entre os bascos; e é difícil de desempatar e dizer se Dom Miguel Unamuno, nascido em Bilbao, é mais basco do que espanhol ou mais espanhol do que basco.

Pelo sim pelo não, e com espanto dos “intelectuais” do mundo inteiro, Unamono aderiu logo ao levante de 1936. Entrevistado por Andrés Salmon em Le Petit Parisien, Unamuno respondeu:

— Por que aderi? Porque é a luta da civilização contra a barbárie.

— É certo que o professor contribuiu com 5.000 pesetas para a subscrição nacional?

— Completamente exato. Contribuí. É preciso salvar a civilização!

E o velho liberal acrescentou: — Comunismo! Esta palavra diz tudo. Basta ver as coisas como são. Por aí afora é a pura anarquia que impera...

E conclui:  

Hay uma palabra española que ha pasado a muchos idiomas: desesperado. Esto es. Por desesperación quemam las iglésias! Por la desesperación de no creer en nada!

A Jerôme Tharaud, que tempos depois o interrogava sobre suas vacilações e inquietações, o sempre rebelde autor do Sentimiento trágico de la vida confia:

Desde el punto de vista religioso, esta guerra civil es debida a una profunda desesperación, caracteristica del alma española que no llega a descubrir (o a re-descubrir) su fe... El desesperado ya no creía en nada, ni en Dios, ni en los otros, ni en si mesmo. Nosotros somos un pueblo de desesperados...” [8]

Mas logo Unamuno se volta novamente contra “el selvagismo inaudito de las gardas marxistas”... mas não pode suportar o triunfo do que chama de “fascismo”. O “desesperado” não sabe que bem representa o mal do século: no mesmo ano do alzamiento, em novembro, conversando e gracejando com um colega, tem um infarto e morre, levando talvez no último olhar uma visão estupefata, dolorida, quiçá cruelmente divertida, de um mundo incompreensível. E eu também aqui estou com o lápis paralisado no meio deste esboço a ouvir a imensa voz feminina de toda a Espanha a me dizer: “Eu não sou assim tão fácil de compreender”.

O que logo sabemos de nosso tumultuoso século — século de desesperados — nos autoriza a dizer que mais favoráveis circunstâncias não se poderiam querer para o grande beneficiário de todas as tolices humanas nesta bacia hidrográfica da história. Refiro-me ao comunismo. E já podemos prever que será dura, terrível, crudelíssima, a luta que a Espanha terá de enfrentar para reencontrar sua identidade histórica.

Como vimos, os anarquistas descendentes de Bakunin tinham na Espanha, desde o princípio do século até o ano da república, muito maior número de adeptos do que o comunismo marxista. Mas, à medida que evoluem os acontecimentos, e a despeito da teatralidade espetacular de suas manifestações — igrejas incendiadas, conventos saqueados, freiras violadas — os anarquistas serão vítimas da própria anarquia tomada como fim e como meio. Durante a guerra civil, de 1936 a 39, será cômica a tentativa anarquista de arregimentar combatentes sem hierarquia e sem disciplina, e sobretudo a tentativa de enfrentar um exército hierarquizado e disciplinado com soldados entregues à mais lírica desordem.

Soldados? Não! Buenaventura Durruti, em uma reunião de 10.000 anarquistas, fez este expressivo discurso, ouvido por Malraux:

Queremos liberar a nuestros hermanos de Cataluña. Queremos ser milicianos de la Libertad, no soldados de uniforme. El ejército se há comprobado que es un peligro para el pueblo! Milicianos si! Soldados jamás!

E acrescenta este lema que lhe parecia de extraordinária clareza: um exército que combate por obrigação, isto é, que tem consciência de seu dever, está inevitavelmente levado para a derrota!!! Isto parece apenas uma das tantas majestosas tolices que se disseram desde que o mundo é mundo, mas na verdade esconde, sob o espesso manto da estupidez, a malícia profunda da rebeldia, da contestação do princípio da autoridade que as “esquerdas” espalharam pelo mundo, e principalmente na França desde o “Affaire Dreyfus” que lhes ofereceu uma oportunidade incomparável para a desmoralização do soldat, e por conseguinte para a desmoralização da França.

O comunismo, como sabemos, também é anarquista no seu ideal de uma sociedade sem classes a ser atingida no fim dos tempos revolucionários. Mas, em antítese como essa escatologia anarquista, o comunismo marxista, graças ao recurso da dialética hegeliana, é brutalmente autocrático em seus meios, e por isso, apesar do atraso inicial com que começam a ação revolucionária na Península, serão eles, os comunistas, que, a partir de 1934, dirigirão a conquista da Espanha.

A Guerra Civil começada em 1936 será principalmente polarizada pelo comunismo, como bem viu José Antonio Primo de Rivera.

As primeiras infiltrações comunistas na Espanha começaram com o estabelecimento de uma Secção Ibérica do Partido Comunista em 1920. Daí em diante evolve rapidamente a ação comunista, primeiro sob inspiração trotskysta e depois sob inspiração stalinista. Além da dialética que lhe permite, para fins ditos anarquistas, meios disciplinares eficientes e duramente hierarquizados, os comunistas absorveram todas as outras correntes revolucionárias por sua maior capacidade de programação metódica.

Em seu livro A Experiência Vermelha, Yuan Delbos, radical-socialista francês, ministro do Front Populaire em 1935, conta-nos que viu, no Museu da Revolução Universal, em Moscou, um salão especial dedicado à Espanha onde expunham fotografias de líderes, de comícios, exemplares de revistas como A Bandeira Vermelha, A Palavra, e outras. “Senti naquela sala, diz Yuan Delbos, uma estranha atmosfera de fé, de exaltação revolucionária, e um vago cheiro de sangue...” [9].

Em abril de 1931 apareceu o diário comunista El Mundo Obrero, que logo alcançou a tiragem de 35.000. Em 1932 intensificou-se maciça infiltração na U.G.T. e logo se fundou a Confederação Geral do Trabalho Unitário (C.G.T.U.). E daí em diante, até a vitória da Frente Popular, sãos os comunistas que dirigem os acontecimentos e preparam a integral realização da profecia de Donoso Cortés.

Primeiras perseguições religiosas 

Desprezando os tumultos e os incêndios de igrejas em maio de 1931 em comparação com o Himalaia de crueldades dos próximos anos, pode-se dizer que a verdadeira perseguição religiosa começou com os atos oficiais e aparentemente serenos de um governo deliberadamente disposto a apagar nas terras de Espanha e nas almas espanholas os últimos vestígios do catolicismo que Manuel Azaña, na sua famosa frase, julgava ou decretava que fossem extintos.

Mal instalada a república, consagra-se o regime laico, se me permitem tal aproximação verbal, numa Constituição que retoma e requenta o laicismo proclamado e arvorado em outros estados modernos ao sabor do prestígio do liberalismo republicano. Na França, foi o governo Combes que explorou a fundo o desprestígio clerical deixado pelo “Affaire Dreyfus” e que tentou realizar, com o rancor profundo dos défrocqués, a completa marginalização cultural da Igreja. Na Espanha, o laicismo temporão já não nasce e cresce na atmosfera do otimismo liberal de trinta anos atrás, mas na atmosfera que tem cheiro de sangue.

A nova Constituição, com uma brutalidade que as anteriores constituições liberais de outros países não conheceram, proclama o Estado Leigo, submete o culto público da Igreja à autorização do Estado e tira da Igreja o direito de ensinar. [10] “O primeiro semestre de 1932, sob esse ponto de vista, é um dos mais ativos do qüinqüênio republicano. Com data de 24 de janeiro, a Gaceta publicou uma lei do dia anterior que decretava a dissolução da Companhia de Jesus em toda a Espanha! Dias depois, sai o decreto de 2 de fevereiro oficializando o divórcio, e quatro dias depois a mesma Gaceta publicava o decreto que secularizava todos os cemitérios do país. Na mesma data, o diretor-geral da Instrução Primária, Rudolfo Lopis, dirigia uma circular aos professores espanhóis com ordem de retirar das escolas todos os sinais religiosos.  A retirada dos crucifixos, sendo embora uma simples aplicação da cláusula constitucional, levou as famílias cristãs ao cúmulo da irritação...” [11].

E assim, neste primeiro passo, o novo governo espanhol crucifica o Cristo fora dos muros da cidade.

Sim, o que está em jogo em todas essas leis, cláusulas, artigos e parágrafos, o que se condensa neste vocábulo “laicização” é algo mais do que a contestação dos direitos da Igreja. É a contestação da realeza de Jesus Cristo Nosso Senhor. E será por isto que, graças a um instinto de Fé teologal, os milhares de sacerdotes assassinados pelo simples e puro fato de serem “curas”, quando os verdugos lhes quebravam a martelo os ossos da cara, ou lhes rasgavam o ânus com crucifixos, tiveram sempre a inspiração de aproveitar o último alento de vida para responder àquela contestação com o nosso grito de guerra e de paz: — Viva Cristo Rey!

Milhares e milhares de vezes este grito subiu aos céus na Espanha com a alma de um “mártir no exato sentido do termo”, como dirá oportunamente o grande Papa reinante, S.S. Pio XI.

 

1933 – Roma fala...

Tocada no seu direito, na sua honra, no nervo de sua ação pastoral, a educação cristã, a Igreja solenemente protesta pela voz do Papa Pio XI, que, com a encíclica Dilectíssima nostra, de 3 de junho de 1933, inicia uma série de pronunciamentos de amorosa solicitude pelas dores de Espanha. Depois da saudação inicial e da benção apostólica, o Papa abre a encíclica:

Sempre foi por Nós sumamente amada a nobre nação espanhola por seus méritos insignes para com a fé católica e a civilização cristã, por sua tradicional e ardentíssima devoção a esta Santa Sé Apostólica, por suas grandes instituições e obras de apostolado, pois foi mãe fecunda de santos, de missionários, de fundadores de ínclitas ordens religiosas, glória e arrimo da Igreja de Deus.

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Tão evidente se mostra a inconsistência do motivo aduzido (a necessidade de defender a nova República), que nos dá o direito de atribuir a perseguição movida contra a Igreja na Espanha não à simples incompreensão da Fé católica e de suas benéficas instituições, mas ao ódio que contra o Senhor e contra Cristo é fomentado por seitas subversivas da ordem religiosa social, como por desventura vimos acontecer no México e na Rússia.

O Papa Pio XI denuncia e desmascara o inimigo mais cruel e implacável que já afastou de seu caminho de subserviente, informe, indigno e repugnante liberalismo, que já fez o que pôde para relativizar a verdade e o bem, e para preparar as consciências amolecidas para a grande massificação, que será a obra específica do século XX. E não hesita em incitar os fiéis, se não desde já à resistência declarada e pública, mas ao menos desde já a enfrentar tudo nas coisas em que só à Igreja é devida a obediência.

Com todo o ânimo e coração de Pai e de Pastor, exortamos vivamente os bispos, os sacerdotes, e todos os que de algum modo tencionem dedicar-se à educação da juventude, a promover intensamente, com todas as forças e por todos os meios, o ensino religioso e a prática da vida cristã. E isto é tanto mais necessário quanto mais ousadamente profana o santuário da família a nova legislação espanhola, e assim semeia, com a intentada dissolução da sociedade doméstica, os germes de ruína da vida social.

 

Recuos e avanços da esquerda

“As esquerdas calcularam mal o seu golpe, ou conheciam mal o povo espanhol para imaginar que aceitaria sem reagir a semi-apostasia das leis republicanas e da crescente dominação comunista. O sobressalto dos católicos foi nítido” [12]. Nas eleições de dezembro de 1933 venceu a Ação Popular católica que Gil Robles, professor da Universidade de Salamanca, acabava de fundar. Congregavam-se nela diversas correntes anti-socialistas e anti-republicanas como a Acción Nacional, fundada por Calvo Sotelo.

Houve um interregno de ilusão e de confiança no “jogo democrático”, como se possível fora algum jogo com a torrente histórica que desconhece totalmente o sentido do pacto. “Poderás fazer um pacto com o leviatã?” Anos depois, diante de outro leviatã, irmão caçula do comunista, as democracias ocidentais várias vezes tentaram fazer de conta que acreditam nos que em nada acreditam. Teremos Munique. E anos mais tarde teremos Ialta.

Mas voltemos a 1934, à acalorada Espanha. Durará menos de um ano “o engano d’alma ledo e cego, que a fortuna não deixa durar muito”.  O laborioso Daniel-Rops diz que o governo da Acción Nacional de Gil Robles não se manteve porque não se realizou as necessárias reformas! Esta explicação dos insucessos democráticos e das conseqüentes subversões será repetida, sobretudo depois do Concílio, com a insistente monotonia que nosso glorioso século sempre assegurou às frases sem sentido. Todos os problemas sociais são apresentados sob o signo das “reformas” como se nada do que se fez no mundo até hoje devesse ser continuado, devesse ser mantido, ou repetido, ou retomado ou mesmo re-formado no sentido próprio. O termo “reforma”, esquecido o re e a forma, tornou-se o repositório da última esperança deste século.

E aqui tocamos o nervo, o punctum dolens deste fim de civilização: tanto os arautos do socialismo bakuniniano ou marxista como os arautos de alguma forma de exaltação dos valores vitais, genericamente chamados de fascistas, apelam para um novo que é ou não sabe que é uma insolente afronta à Esperança teologal, porque é só na linha dessa Esperança que poderemos encontrar algo de novo sob o sol.

Mas voltemos à queixa que formulávamos do malogro de Gil Robles, e aqui reencontramos a bela figura de José Antonio, o toureiro dos minotauros de Espanha, belo, audaz, cheio de vida e ansioso de inventar uma centelha de heroísmo. Brasillach, o menino genial e imortal que a infinita estupidez continua a fuzilar pontual e metodicamente, tinha de estar na Espanha, não podia deixar de estar no comício do Teatro da Comédia de Madri, quando Luiz Antonio Primo de Rivera faz um apelo ao heroísmo diante da estupefação dos conservadores que prestigiavam Gil Robles. Já mencionamos atrás o discurso de Luiz Antonio que é a ata de nascimento da Falange Española, que o mundo injustamente e estupidamente comparará a outras exaltações e rotulará de “fascismo”. Antes dissesse “deseperado”, como Unamuno, que ao menos é termo mais espanhol. Será oportuno? Será inoportuníssimo? Talvez tenha precipitado a coagulação das “esquerdas”.

Para Brasillach, Gil Robles não soube aproveitar sua vitória, deixou-se enganar por Alcalá Zamora e ensejou às esquerdas esparsas a oportunidade de se unirem contra o perigo fascista. Adotando os métodos comunistas, Largo Caballero, o “Lenin español”, conseguiu agrupar todas as forças de esquerda que em setembro de 1934 contavam mais de um milhão de homens. Em fins de 1934 o vapor soviético Turqueza desembarcava nas Astúrias 70 caixas de armas e munições. E logo após a tentativa de formação de um gabinete, com Leroux e Gil Robles, que enfrentasse as inquietações separatistas, explodiu a insurreição de outubro de 1934: Madri, Barcelona e Oviedo se sublevaram no mesmo dia. No país basco e na Cataluña, o movimento tomou feição separatista. Durante dez dias os insurretos se entregam às mais incríveis violências: incêndios, pilhagens, assassinatos. Sacerdotes foram torturados, cortados em pedaços e pendurados nos açougues com este letreiro: “Carne de porco”.

A repressão, exercida pelas forças regulares de Marrocos, não foi menos cruel. “O Governo Leroux-Gil Robles — diz Brasillach — fuzilava os mineiros e perdoava aos culpados, conseguindo assim, como todo governo débil, aliar o medo à ferocidade”. [13]

E Brasillach continua: “Gil Robles não soube aproveitar a autoridade que lhe conferia a situação dramática criada pela subversão das Astúrias (...). Granjeou a impopularidade da repressão e não soube tomar as medidas que no futuro evitassem a repetição dos feitos (...). Os anarquistas da C.N.T. foram perseguidos e aprisionados, mas os socialistas da U.G.T. e os comunistas da G.G.T.U., depois de breve período de censura, reabriram os centros de propaganda, em maio de 1935, e daí por diante ganharam terreno e prepararam a retomada do poder. Em janeiro de 1936, quando Alcalá Zamora assinou pela segunda vez a dissolução das cortes, as forças da ‘direita’ estavam desarticuladas e enfrentavam a união dos anarquistas e socialistas mais fortes do que nunca. As eleições de 16 de fevereiro de 1936 deram à Frente Popular a vitória que, desde agosto de 1935, fora preparada durante do Congresso da Internacional Comunista em Moscou”. [14]

No dia seguinte à vitória “eleitoral” com que se consumava a comunização da Espanha, foram soltos todos os presos da sublevação das Astúrias, e todas as empresas particulares tiveram de readmitir os empregados demitidos. O general Franco foi deslocado para as Ilhas Canárias e o general Goded para as Baleares.

Senhores absolutos do terreno, os comunistas e anarquistas não tardaram a retornar aos atos de terrorismo de que precisavam para colocar a opinião pública, vagamente disponível e liberal, numa atmosfera de medo. Multiplicaram-se logo os assassinatos políticos, e desencadeou-se uma campanha de perseguição religiosa que, em volume e crueldade, deixou esquecidas as anteriores. De 16 de fevereiro a 13 de maio foram totalmente arrasadas 124 igrejas e incendiadas 217. [15]

Largo Caballero gritava: “Nosotros no dejaremos piedra sobre piedra de esta España, que devemos destruir para rehacer la nuestra”. E aí está, debaixo da aparência de uma simples bravata ibérica, o lema satânico da Revolução: Destruir tudo, voltar ao zero pra criar o novo mundo ex nihilo.

Menos abstrata é a linguagem da deputada Margarida Nekken:

“Nosotros queremos una revolución, pero no es la revolución rusa la que puede servirmos de modelo, porque nos hacen falta llamas gigantescas que puedam ser vistas desde todo o planeta y olas de sangre que enrojezcam los mares”.

 

1936 — Precipitam-se os acontecimentos. Os comunistas dominam a situação.  

Desde a vitória dos comunistas em 16 de fevereiro de 1936, avolumou-se dia a dia a revolução vermelha com todo o seu sinistro cortejo de perversidades em progressão geométrica. Em 15 de abril de 1936 o deputado Calvo Sotelo se levanta em tumultuosa sessão parlamentar e faz um resumo da obra da República e da Frente Popular.

Cuando la vida está segura en la calle, cuando por todos os lados se esgrime la amenaza de trastornos sociales y se grita como ayer se gritaba a una voz: “La Pátria no! La Pátria no!”, cuando al grito de “Viva Espanha” se responde com el de “Viva Rússia”, cuando se ofende el honor del Ejército, cuando se vulver motivo de burla todo lo que hace Pátria, cuando todo esto dura seis, siete y ocho semanas, yo me pergunto si es posible la calma. Yo envidio a su señoria, señor Azaña, por esa prueba de magnífica tranquilidad. Yo protesto contra esta calma al igual que otros españoles que viven en este momento en la inquietud y que no saben si España está viva o está muerta. (Lo interumpen, pero continua). Desde el 15 de febrero se diria que sopla sobre España una ráfaga de fuego e de furor. Desde 16 de febrero hasta el 2 de abril han sucedido: ataques y destracciones de centros políticos, 58; de establecimientos públicos y privados, 72; de domicilios particulares, 33; y de iglésias, 36.

Es todavia my poco! Aún no os han matado!

Incendios de centros políticos, 12; de establecimientos públicos y privados, 45; de domicilios particulares, 15; de iglésias 106, de las que 56 fueran totalmente destruidas. Huegas generales, 11; agresiones, 65; ataques, 24; heridos, 345, y muertos 74.  

E Calvo Sotelo, o ex-ministro a quem a Espanha devia tantos serviços, o homem vigilante e lúcido que com Maurras e Bainville, que lia regularmente, sentia o hálito da Revolução, o homem vigoroso, que nenhuma ameaça fazia calar, venceu o tumulto dos apartes e repetiu bem alto as palavras de Asin no meeting de Cartagena em 5 de abril. Eis o que dizia o socialista da Frente Popular:

No debemos contentarmos com quemar una o mil iglésias. Es un espetáculo que tiene algo de faustuoso, de exuberante, de más o menos magnifico, pero que no tiene base sólida para garantir nuestro bien estar futuro.

E o socialista passa a explicar que a única forma de assegurar tal bem-estar é a instauração do comunismo marxista.

Em 11 de julho Calvo Sotelo pronunciou um novo requisitório, calmo, meticuloso e implacável, aparteado pela deputada Dolores Ibarruri, a “Passionária”, que disse:

Este hombre ha hablado por última vez.  E acrescentou:

— Calvo Sotelo morirá con los zapatos puestos.

Dois dias depois, entre vários assassinados trazidos ao cemitério Del Este, foi reconhecido Calvo Sotelo, morto com uma bala na nuca, saída pelo olho esquerdo. O mundo inteiro compreendeu que a situação de Espanha chegara ao ponto de ruptura decisiva. E o que logo a seguir aconteceu terá longas e dolorosas conseqüências, mas tem uma singela e clara motivação, que os intelectuais da esquerda passarão anatematizar com seu habitual abstrativismo: o homem que mais seguramente representava o exército terá dito com seus marciais botões alguma frase deste jaez: — É preciso pôr ordem nessa confusão. E levantou-se. E com ele toda a Espanha verdadeiramente espanhola. Começava o “alzamiento”, a Guerra Civil espanhola, guerra terrível como todas as guerras, mais cruel de ambos os lados do que as guerras convencionais e nacionais, mas evidentemente justa nas motivações dos nacionalistas.

Cabem aqui algumas amargas reflexões. Qualquer pessoa, medianamente dotada da pequena sabedoria do bom senso, saberá com límpida e sem necessidade de alongados e complicados argumentos, que aquela raça de gente que assassina, estupra e incendeia não é certamente a mais qualificada para empreender e promover o paciente e tantas vezes humilde trabalho de prover e orientar as necessidades de um povo, os programas de alimentação, comunicação, saúde pública, ensino e agricultura. Não será certamente por aqueles processos que os pobres deixarão de ser pobres e os ricos deixarão de ser gananciosos. O bom senso nos diz que a violência será necessária alguma vez para tirar do poder um governo injusto, desumano, assassino e incendiário, como é o caso da Espanha em julho de 1936; mas jamais nos dirá que a violência, o assassinato, o estupro de freiras e a tortura de sacerdotes é o método mais indicado para aumentar o produto nacional bruto, para incrementar a lavoura e para promover o progresso e o bem-estar de um povo.

A maior impostura do século XX consistiu precisamente na inculcação desta idéia que os “intelectuais saboreiam e propagam”: os tipos humanos monstrificados por toda uma constelação de distorções internas, chamados “revolucionários”, lutam pela causa do pobre. Este é o prodígio de insensatez e de impostura produzido por uma corrente histórica que nasceu na contestação do senhorio de Deus. E o que diremos nós de tal insensatez e de tal impostura quando a virmos instalada no último lugar do mundo onde esperávamos encontrá-la?

1936, setembro, o Papa abençoa os espanhóis que defendem a Igreja e a Pátria 

No dia 14 de setembro o Papa recebeu em Castel Gandolfo um grupo de 500 padres, religiosos e leigos espanhóis conduzidos pelos bispos de Urgel, de Vick, de Tortosa e de Cartagena, e lhes dirige uma longa e comovida alocução:

Vuestra presencia, queridíssimos hijos, prófugos de vuestra e Nuestra querida y tan atribulada España, despierta en Nuestro corazón un tumulto de sentimientos tão contrastantes e opuestos, que es absolutamente imposible darles adequada y simultanea expressión. Deberiamos a un mismo tiempo llorar por el intimo y amarguissimo pesar que nos aflige, deberíamos regocijarmos por la suave e impetuosa alegria que nos consola y nos exalta. [16]

E adiante, aludindo aos sofrimentos padecidos pelo clero espanhol pro nomine Jesu, diz o Papa estas palavras inesquecíveis:

Todo esto es un esplendor de virtudes cristianas e sacerdotales, de heroismo y martirios, VERDADEROS MÁRTIRES EN TODO EL SAGRADO Y GLORIOSO SIGNIFICADO DE LA PALABRA.

E reitera, e reafirma, a mesma repulsa já tantas vezes formulada pela Igreja, contra aquelas absurdas e desastrosas ideologias que ameaçam a Europa e o mundo. E depois de discorrer longamente sobre a eficácia da doutrina católica, desde que ouvida e seguida, o Papa dá sua bênção solene em termos que não podem ser ouvidos e seguidos de dois modos, a não ser por interposição de espessa estultície ou grave desobediência:

A todo este Bueno y fidelissimo pueblo, a toda esta querida y nobilissima España que há sofrido tanto, se dirige y quiere llegar Nuestra Bendición, como vá e irá, hasta el completo y seguro retorno de serena paz, Nuestra quotidiana oración.

E acrescenta:

SOBRE TODA CONSIDERACIÓN POLÍTICA Y MUNDANA NUESTRA BENDICIÓN SE DIRIGE DE UNA MANERA ESPECIAL A CUANTOS SE HAN IMPUESTO LA DIFÍCIL Y PELIGROSA TAREA DE DEFENDER Y RESTAURAR LOS DERECHOS Y EL HONOR DE DIOS Y DE LA RELIGIÓN.

E desenvolve a preocupação que tem por tudo o que já antevê de violências e crueldades desencadeadas. O Papa não precisa ler os artigos do Sr. Bidault para saber que a mais justa das guerras, por suas motivações e pela mais santa das causas, nunca estará isenta de injustiças e crueldades inseparáveis, neste vale de lágrimas, dos choques das paixões desencadeadas, e dos processos de repressão dos crimes dos homens e dos povos. Antes de ler Les Grand Cimitières Sous la Lune, e antes de ouvir todas as sinceras e falsas lamentações em torno do bombardeio de Guernica, o Papa sabe que ainda não se inventou uma guerra sem dor e sem lágrimas, como também não se inventou meio algum de evitar a guerra nos casos extremos sem uma total objeção que é muito mais danosa para o gênero humano do que todo o sangue derramado. Emprestando ao Papa o binômio bernanoseano, ele, Pio XI de gloriosa memória, sabe que entre a merda e o sangue, é melhor aceitar o sangue. E com todas essas ponderações, apelando para a Caridade e para a lei suprema do Amor, o Pai Comum não hesita em enviar de maneira especial sua benção A TODOS AQUELES QUE SE IMPUSERAM A DIFÍCIL TAREFA DE DEFENDER OS DIREITOS E A HONRA DE DEUS E DA RELIGIÃO.

 

Fim de 1936, o Alcazar resiste.

Nesse fim de ano o mundo inteiro, estupefato, acompanhou a resistência do Alcazar de Toledo, que mais parecia uma dessas histórias contada nos livros de estampas e lendas que o bravo mundo moderno ainda nos seus vagares gosta de ler com admiração e nostálgica incredulidade... E eis que surge, em pleno século XX, uma história de honra e heroísmo onde o que parece incôngruo são os episódios em que se entrevê um telefone, um avião, um automóvel e mais alguma das gloriosas conquistas do século em chocante anacronismo com a incendiada e bombardeada apoteose que ainda há de durar algum tempo, ao menos como eco de um nome: Alcazar de Toledo.

Essa fortaleza de guerra foi tomada nos primeiros meses pelos sublevados com cerca de mil combatentes e mais outros mil entre mulheres, crianças e velhos. O primeiro contra-ataque do governo republicano, quando soube da tomada da praça pelos sublevados, foi um telefonema ao coronel José Moscardó Ituarte, chefe nacionalista da guarnição. Quando o coronel Moscardó se encerrou no comando do Alcazar, foi tamanha a confusão que não logrou reunir sua mulher e seus filhos. Dona Maria se refugiou em casa do tenente-coronel Tuero, mas em 22 de julho sua presença foi descoberta. Conseguiu fugir com o pequeno Carmelo, mas Luís, de 17 anos, foi preso.

No dia seguinte o chefe dos milicianos toledanos chamou por telefone o coronel Moscardó, chefe da guarnição do Alcazar; e anunciou-lhe que seu filho Luís fora preso na antevéspera:

Le damos diez minutos para capitular disse en outro caso le fusilaremos.

Usted no es soldado ni caballero. Si usted lo fuese, sabria que el honor de un militar no cede ante la amenaza.

Usted me responde asi porque no cree en mi amenaza. Pero hable con su hijo. Aqui Moscardó!

— Oiga, papa?

— Que hay, hijo mio?

Nada de particular, papá. Dicen que me van a fusilar si no te rindes. Que debo hacer?

Tu sabes lo que pienso. Si es certo que te van fusilar, encomienda tu alma a Dios, ten un pensamiento para España y outro hacia Cristo Rey.

Es muy facil, papá. Haré las dos cosas... un beso muy furte, papá.

Adios, hijo mio. Um beso muy fuerte.

No dia 12 de agosto, dona Maria e Carmelo foram presos e reuniram-se com Luís. No dia 14 vieram buscar Luís. Todos sabiam para quê. Carmelo se pôs a gritar que queria ir com seu irmão. Luís abraçou sua mãe e instantes depois caía com as balas marxistas. Quem nos conta essa história está fadado a cair nove anos depois... [17].

O Alcazar resistiu 70 dias a um assédio fantástico, durante o qual choveram 3.300 obuses de 155, 3.000 de 105, 3.500 de 75. Num só dia 450 bombas de 50 quilos foram lançadas de avião. Mil e novecentos sitiados viveram dias espantosos debaixo de ruínas fumegantes. Morreram 82. Nasceram dois! No dia 28 de setembro, depois da entrega do forte em ruínas e da promoção do coronel Moscardó, e da cerimônia religiosa em ação de graças, o novo general Moscardó passou sombrio e curvado entre aclamações: certamente lembrava-se de Luís e deu a entender que muito lhe pesava entregar à Espanha a fortaleza em tal estado.

Essa era também a opinião dos “rojos” que em Madri, num tribunal simbólico, condenaram à morte José Moscardó Ituarte por crime de rebelião, “desumanidade e perversão de instintos”, e não se esqueceram de aplicar-lhe a multa de um milhão de pesetas por haver deteriorado um edifício do Estado.

 

1937, Roma: “Divini Redemptoris

Em 19 de março de 1937, Pio XI, gravemente enfermo, sentindo aproximar-se o fim de seu pontificado, dirige-se agora não apenas a alguns exilados espanhóis, mas à Igreja universal, para ensinar solenemente, severamente, todo o horror da Igreja pela doutrina ímpia, monstruosa, inumana e por sua inseparável prática evidenciada no martírio da Espanha.

Divini Redemptoris é a encíclica que coloca em termos inequívocos e definitivos a condenação do comunismo. Começa Pio XI por lembrar os ensinamentos de Pio IX e Leão XIII, lembra pois a sua alocução de 1924, quando a missão de socorro voltava de Moscou. Menciona depois as encíclicas Miserentissimus Redemptor, Quadragesimo Anno, Caritate Christe, Acerba nimis, Dilectissima nobis, nas quais insistentemente denuncia as perseguições comunistas na Rússia, no México e na Espanha. Apesar de tantas condenações convergentes, a nova e última encíclica de Pio XI volta a condenar o comunismo e a denunciar os horrores da perseguição religiosa na Espanha. No tópico (8) denuncia “a idéia de falsa redenção”; em (9), o materialismo marxista e a doutrina da luta de classes; em (10) analisa as conseqüências do comunismo na vida da família; em (11) descreve a “sociedade sem Deus” desejada pelos comunistas; em (15) “a crueza repugnante e desumana dos princípios e métodos” de seus adeptos; em (16) assinala “a propaganda astuta e vastíssima, verdadeiramente diabólica”; em (17) mostra “que o liberalismo preparou o comunismo”; em (18) “a conspiração do silêncio da imprensa”; em (19) as perseguições na Rússia e no México; em (20) demora-se no que acontece em nossa queridíssima Espanha, onde o furor comunista não se limitou a matar bispos e milhares de sacerdotes, religiosos e religiosas...”, e onde “se leva a cabo a destruição com um ódio, uma barbárie, e uma ferocidade que não se julgara possível em nosso século”; em (23) aponta o terrorismo metodicamente usado; em (25) até (34) resume as vantagens e a beleza da doutrina social católica, ensinada pela Igreja; em (44) a (46) lembra que só a espiritualidade e o desapego aos bens terrestres podem inspirar uma civilização; em (52) a (56) recorda os ensinamentos da Quadragesimo Anno e recomenda mais uma vez o uso e a aplicação da doutrina social da Igreja; em (57) volta a prevenir os católicos contra as insídias do comunismo e contra a sua técnica de infiltração; em (58) diz aos católicos, solenemente, que não se deixem enganar:

O COMUNISMO É INTRINSECAMENTE PERVERSO”, e por isso

NÃO SE PODE ADMITIR QUE COLABOREM COM ELE EM NENHUM TERRENO TODOS OS QUE DESEJAM SALVAR A CIVILIZAÇÃO CRISTÔ.

E daí em diante recomenda a oração, incentiva a AÇÃO CATÓLICA e o congraçamento dos católicos. Concluindo, coloca a ação da Igreja Católica contra o comunismo sob a égide de São José, poderoso protetor da Igreja.

Ainda em 1937, na Espanha, os bascos...

A queda de Bilbao já viera aquecer a controvérsia em torno da significação religiosa da guerra civil, quando, num domingo de maior de 1937, tudo se complicou com o bombardeio de Guernica, a cidade sagrada dos bascos. Foi um feito brutal, atroz, como todos os bombardeios de cidades pacíficas onde as crianças brincam, as mulheres se azafamam e os velhos passeiam devagar nos jardins públicos. Brevemente (ainda estamos em 1937) a humanidade sensível e delicada que tanto se emocionou com a destruição de Guernica fartar-se-á de bombardeios sensacionais e acabará perdendo a delicada sensibilidade. Guernica e Adis-Adeba depressa serão esquecidas. Em 1939, teremos o inopinado e imbecil bombardeio de Helsinque, a mais cândida e inocente das cidades abertas, e o mais cruel e inútil bombardeio. Um avião abatido pelos finlandeses revelou uma inovação da técnica soviética: o piloto era uma mulher. Daí por diante o mundo se fartará.

Demain c’est Londres qui s’allume la nuit comme un flambeau!

E depois de amanhã será Bremen, Dusseldorf, Colônia, Berlim... E depois de depois de amanhã um estranho clarão nascido de um cogumelo medonho deixará escuro o sol do dia: Hiroshima e Nagasaki, cidades abertíssimas, bombardeadíssimas não apenas pela combustão elementar do fogo, do velho irmão fogo, milenar amigo do homem, mas por um “fogo novo” que despertou o entusiasmo de Teilhard de Chardin (“la flamme a jailli!”), e que também despertou nas entranhas soviéticas uma nova atitude, uma nova energia espiritual que durante anos e anos abastecerá gerações inteiras de canalhas: dois dias depois, a U.R.S.S. corajosamente declarou guerra ao Japão.

Mas voltando à Espanha de 1937. Guernica foi bombardeada, o nervo basco foi tocado com crueldade, e só ficou de pé na cidade destruída o carvalho secular. Sim, repisemos: na tarde de 26 de abril de 1937, quando a cidade tranqüilamente se movia em torno da feira, subitamente surgem os aviões alemães: Heinkels III e Junkers 52 despejaram 1.000 libras de bombas incendiárias. Houve 1.654 mortos e 889 feridos (18). O aviador alemão Adolf Galand, que depois se alistou na Condor Legion, admitiu que os alemães eram responsáveis pelo bombardeio (19). Em 1946, Goering confirmou que Guernica fora um test da aviação alemã.

 

1937: Guernica

No dia seguinte o mundo inteiro acusava os nacionalistas espanhóis, e especialmente o General Franco, do criminoso, desumano, inacreditável bombardeio de uma cidade aberta que, para agravo da atrocidade, era a tradicional cidade sagrada do povo basco. Curiosa rapidez da imprensa mundial de cujo silêncio sobre os horrores comunistas se queixava Pio XI na Divini Redemptoris. Mais notável ainda é a reação dos intelectuais católicos da esquerda francesa. Surgiu logo o manifesto Pro-Basco, onde se destacavam as seguintes assinaturas:

François Mauriac

Jacques Maritain

Georges Bidault

Claude Bourget

Maurice Merleau Ponty

É preciso lembrar que nunca se ouviu falar de algum manifesto de intelectuais por ocasião do outubro vermelho de 1934 nas Astúrias, quando foram direta e cruelmente assassinados 35 sacerdotes pelo simples fato de serem “curas” e incendiadas 58 igrejas, sem falar no fuzilamento dos religiosos das Escolas Cristãs de Turon e dos seminários de São Lázaro e Oviedo. Também não houve manifesto de intelectuais sobre o que fizeram “los rojos” de fevereiro a abril de 1936, e portanto antes do estado de guerra. Os intelectuais de Vendredi, naquele tempo, estavam ocupados em enviar açúcar e artigos sanitários para os violadores de freiras e para os assassinos de padres. Mas tudo isto se enquadra na nova lógica simbólica do jogo esquerda-direita (20). Manifesto intelectual contra as esquerdas é uma espécie de “contramão” no curso das idéias, ou de “círculo quadrado”.

Na lógica e na moral clássica a mim me parece claro como água que os distraídos de 1934 e 1936 perderam o direito de dizer uma só frase sobre o sofrimento da Espanha, sobretudo agora quando a Igreja, por todas as vozes autorizadas, faz eco à Divini Redemptoris, e até do Arcebispo de Westminster chegavam palavras descrevendo a luta espanhola como “a furious battle between Christian civilization anda the most cruel Paganism tha has ever darkened the world” [21].

Nesta altura do ano o Osservatore Romano publica a notícia de 16.500 freiras, bispos e padres assassinados pelo terrorismo vermelho, que ultrapassa em ferocidade as experiências anteriores na Rússia e no México.

Em 1° de julho de 1937, por iniciativa do Cardeal Goma, primaz de Espanha, foi dirigida ao mundo inteiro a Carta Coletiva do Episcopado Espanhol; e todo o mundo católico respondeu ao grito da Igreja de Espanha com a mesma unânime simpatia sobrenatural. Desde os bispos das ilhas Filipinas até o Cardeal-Arcebisop de Paris, o mundo católico inteiro formulou o mesmo desejo e deu os mesmos títulos de grandeza e justiça para a causa dos espanhóis que lutavam ao lado do general Franco pela libertação da Espanha. O grito de “Arriba Espanha!” deu a volta ao mundo:

Vale a pena realçar a resposta comovida dada pelo Cardeal Verdier, Arcebispo de Paris [22]:

(...) “Que serviço prestais a todas as nações do mundo, mostrando-lhes, à luz dos fatos, a que extremidades conduzem o ateísmo prático, a degradação dos costumes, o desprestígio da autoridade e a convivência dos governos com todas essas doutrinas de destruição e de morte. A lição que nos dais, Eminência, é extraordinariamente oportuna, porque à luz de tão sangrento, espetáculo podemos melhor apreciar os perigos que nos ameaçam e vemos com mais clareza qual deve ser nossa vigilância e nossa ação. Vemos com evidência que a luta titânica e sangrenta que se desenrola na Espanha católica é realmente uma luta entre a civilização cristã e a pretendida civilização do ateísmo soviético. E é isto que dá a esta guerra uma grandeza emocionante...” (Ass.) Jean, Cardeal Verdier, Arcebispo de Paris, 7 de setembro de 1937.

 

1937, 1° de julho: pronunciamento dos “intelectuais” da esquerda católica francesa.

No mesmo dia 1° de julho, em que o Episcopado Espanhol dirigia ao mundo católico a carta coletiva que pelo mundo inteiro seria respondida, a Nouvelle Révue Française publicava um artigo de Jacques Maritain no qual o autor dizia que “aqueles que matavam os pobres, o povo de Cristo, em nome da Religião, eram tão culpados como os que matavam os padres por ódio à Religião”,

E aqui é impossível evitar uma confrontação. De um lado, temos um Papa com três encíclicas e várias alocuções, e todos os bispos do mundo, numa espécie de Concílio Ecumênico epistolar, e numa unanimidade nunca vista, e de outro lado, no mundo católico, um punhado de intelectuais que toma posições e faz declarações curiosamente autônomas e alheadas ao que diz e faz toda a Hierarquia da Igreja Católica.

A segunda confrontação que faço é a seguinte: de um lado, o Papa e mais de 1.000 Bispos falam insistentemente e sistematicamente nas motivações antecedentes, no monstruoso acúmulo de crises que conduzia imperativamente a um levante não somente restaurador da ordem e da justiça na Espanha como também punidor dos crimes praticados; e de outro lado o punhado de intelectuais insistentemente e sistematicamente esquece e despreza os mártires e as freiras violadas para apresentar a guerra civil como uma luta política começada em julho de 1936 simplesmente para derrubar uma facção e colocar outra adversa e odiosamente mascarada de guerra justa ou santa.

A terceira confrontação que se impõe é a seguinte: de um lado, temos uma espantosa coleção de crueldades nitidamente marcadas pela intenção que as especifica: os padres eram mortos a marteladas pela simples e específica razão de serem padres, as igrejas eram incendiadas por serem igrejas; de outro lado, temos brutalidades de guerra, inevitáveis se a guerra se tornou inevitável. Se uma guerra só é justa quando seus dirigentes puderem ter a certeza de poder evitar qualquer excesso, qualquer crueldade acidental, então voltamos ao quadro caricato de uma guerra com espingardas de rolha, baionetas de papelão e bombas de creme. Só essa será justa. E então concluiremos que um cristão é um homem que jamais deve combater em defesa dos valores cristãos. E quanto mais cristã for a razão de sua guerra, mais odiosa e menos justa será essa guerra. Curiosa doutrina? Curioso pacifismo que contradiz toda a civilização cristã e que troca as cores violentas dos vitrais de nossa História por um cinzento budismo ou quietismo de qualquer inspiração sem sangue!

Fazemos ainda uma confrontação: a de todos os feitos já sobejamente conhecidos, a do terror de Madri, a dos curas esquartejados etc. etc. e a do bombardeio de Guernica. E somos forçados a reconhecer uma coisa: em 1937, o quadro de Picasso, Guernica, exposto em Paris e hoje no Museu de Arte Moderna de Nova York, teve mais sucesso, produziu maior efeito do que toda a Hierarquia católica em coro, chefiada pelo Papa. E os “intelectuais” assumiram a triste tarefa de inculcar no mundo uma idéia prodigiosamente estúpida: a de ter sido intencionada, desejada como tal, a destruição de Guernica. Todos nós sabemos que Guernica foi uma estupidez especialmente cruel por sua irrelevância como feito de guerra. Sabemos hoje que uma real responsabilidade recai sobre o estado-maior alemão, que aprovou a experiência do bombardeio. E por aí se vê que a valorização dada a esse incidente e a responsabilidade atribuída aos brancos só se explicam por um absoluto e incondicional desejo de ver os brancos derrotados e os vermelhos finalmente vitoriosos numa Espanha definitivamente varrida de cruzados, militantes e combatentes em nome de Cristo Rei. Na perspectiva em que hoje vejo todas as devastações produzidas ou provocadas pela ferocidade das ideologias totalitárias, não posso evitar um sentimento de pungente repugnância quando penso no grupo de tolos enleados pelos manifestos das esquerdas a propósito da infortunada Guernica. E mais ridículo fica o protesto dos “intelectuais” quando hoje sabemos que nas próprias províncias bascas, cujo catolicismo era atirado em face dos brancos pelos companheiros de Merleau Ponty, desencadeou-se uma perseguição religiosa que atingiu 278 padres, 125 religiosos, dos quais 22 jesuítas, que sofreram privações, torturas, prisão e morte [23].

Tem-se a impressão, não ouso dizer a divertida impressão de que os comunistas sabem que nada lhes tirará a privilegiada posição de simpatia dos “intelectuais” definitivamente condicionados pelo binário esquerda-direita. Mas é melhor procurarmos saber o que diz o Papa, e a atenção que deu o Vaticano ao episódio de Guernica.

 

Roma: os enviados bascos e o Cardeal Pacelli

Logo após o bombardeio de Guernica, vinte padres bascos, testemunhas visuais, escreveram uma carta ao Papa e dois padres bascos foram enviados a Roma com uma cópia da carta, e lá chegados, por intermédio de Dom Mugica, Bispo de Vitória, exilado, solicitaram a Mons. Pizzardo, Subsecretário de Estado do Vaticano, uma audiência do Papa. Pizzardo respondeu-lhes que o Papa achava a audiência desnecessária, uma vez que já recebera a carta. Dom Mugica escreve ao Cardeal Pacelli comunicando a chegada dos dois padres, mas durante muitos dias não teve resposta. Um dia, chegou um mensageiro ao Vaticano, onde estavam hospedados os dois padres, no momento em que eles tomavam a refeição da manhã. Sem tempo de terminá-la, correram à presença do Cardeal Pacelli, cujo secretário desde logo os advertiu de que seriam recebidos se nada falassem do assunto nem mencionassem a razão da presença deles em Roma! O Cardeal Pacelli recebeu-os de pé, e quando eles falaram na carta dirigida ao Papa, friamente lhes respondeu: “A Igreja está sendo perseguida em Barcelona”, e indicou-lhes a porta de saída. [24] 

Este episódio que as esquerdas explorariam para provar a subserviência da Igreja às “classes dominantes” que desejavam esmagar o mundo novo que nascia na Espanha, prova simplesmente que em Roma já transbordava a taça da amargura. Para efeito de desenvolvimento lógico podemos admitir que, além do Papa, e dos Bispos do mundo inteiro, também a Secretaria do Estado do Vaticano e o futuro Papa Pio XII se enganavam sobre a Guerra Civil de Espanha, e que só estavam certos François Mauriac, Emmanuel Mounier, Jacques Maritain, Merleau Ponty e os dominicanos da Sept.

 

Uma digressão sobre os graus de perversidade.

Não pretendo, de modo algum, comparar as diversas crueldades que o homem pode praticar e que este século tem produzido com magnífica eficiência, nem pretendo medir-lhes a malignidade pelo número de religiosos assassinados e de igrejas incendiadas. Não diria, por exemplo, que o Terror de Madri foi 54 ou 223 vezes mais cruel e perverso do que o bombardeio de Guernica. Uma coisa digo: há graus, dimensões de maldade, graus irredutíveis, dimensões inconvencionais. Como há graus e dimensões de bondade. E como há graus irredutíveis e incomensuráveis em todas as obras boas e más do espírito.

Péguy dizia [25] que o dreyfusismo do bom coronel Picquart “était bien, mais le dreyfusisme de Bernard Lazare était infini”. E, aqui, “infinito” quer dizer “incomensurável”. E no entanto o coronel Picquart, por honestidade, por suas virtudes militares  expunha a vida e quase a perdeu. Mas Péguy, sem de longe querer diminuir o mérito do virtuoso coronel, tenta assim, com suas hipérboles, comunicar a idéia da altura, da largura e da profundidade da alma trágica de Bernard Lazare que exprimia, com a matéria fugaz de um episódio, uma dor transcendental de cinqüenta anos.

Parodiando Péguy, eu diria que o bombardeio de Guernica était mauvais, mas o assassinato de um só padre, pelo simples e específico fato de ser padre, était infini. E a violação das freiras? E o convento entregue à curra popular durante dias até a morte das freiras? E a violação? E o strip-tease dos cadáveres exumados e violados pelo simples fato de se tratar de freiras que tinham feito voto de virgindade?

Não me alongarei nem irei buscar na antologia de atrocidades as coisas que foram praticadas em nome de um “ideal”, a pretexto de um mundo melhor que só poderá ser edificado pela crueldade. A maçonaria tem práticas e já se orgulha de uma literatura luciferina; o comunismo e o anarquismo são formas práticas de satanismo. E aqui me permito um momento de assombro quando vejo grandes filósofos (vítimas da armadilha esquerda-direita) traçarem simetria e ficarem horrorizados contra aqueles que combatem, que atiram, que matam em nome de Cristo. É claro, claríssimo, que só podemos punir desde a mais leve infração ao mais horroroso crime, com a mais benigna prisão ou com a pena de morte, e que só podemos julgar, condenar e executar em nome de Deus!! Prefeririam os filósofos católicos que os brancos lutassem em nome do Diabo? Ou que, em nome de Deus, não defendessem os inocentes?

Não me alongarei nas crueldades que eram encerradas e respondidas com um “Viva Cristo Rei!” Passando aparentemente de um extremo a outro, menciono a hiperbólica ferocidade praticada contra imagens, oratórios, capelas, paramentos, igrejas que Antonio Montero [26] arrolou no capítulo intitulado “El martirio de las cosas”. E ouso dizer que essa crueldade aplicada à transcendental inocência das coisas inermes, e dirigida à Coisa por elas significada, mereceria um grau transcendente na escala que estou tentando. Tudo isto é infinito comparado a Guernica e a todas as brutalidades das guerras mais justas.

E aqui me detenho para consignar um receio: o de não ter, neste ponto, a incondicional aquiescência do leitor. E nesse caso aconselho-o vivamente a procurar outro passatempo. Porque este ponto que acabo de tocar é de incandescente, explosiva e transcendental intolerância, sendo todavia da mais transparente e aquosa simplicidade. E só admito que autores estimáveis se tenham deixado ofuscar e enrolar porque agora sei, depois de tão instrutivas experiências, que o “intelectual” afetado de sinistrite entra num estado de irrealismo e de abstracionismo graças a todo um jogo interno de censura. Como entender a posição e os manifestos de Maritain sem postular uma desarticulação entre os princípios especulativos luminosamente expostos e a aplicação dos mesmos princípios na espessa obscuridade das contingências?

Não veja o leitor, nas alusões de cunho crítico que faço aos “intelectuais”, nenhuma pretensão de afirmar uma nova filosofia anti-intelectual, e uma nova modalidade de disjunção entre a inteligência e o real, disjunção característica do idealismo filosófico que, melhor do que ninguém, Maritain combateu a vida inteira.

 

Em resumo...

Sem poder fazer retratações alheias sem procuração, e sem querer fazer psicanálise à distância, mas na ansiedade de compreender, sou forçado a tentar hipóteses e a experimentar nos fatos e nos textos sua congruência. E parto de alguns lemas que reputo incontestáveis em são juízo e reta intenção:

  — Não é válido, hoje, em nenhum tom e em contexto algum, dizer qualquer frase que estabeleça um paralelo do comunismo com a causa dos pobres e da justiça social;

  — Além disso, tudo tem limite, e é um pouco excessiva a idéia de que, assassinados os padres, estripadas as freiras, incendiadas as igrejas e mantidos nos quartéis os exércitos e internados os carlistas e falangistas nos reformatórios, então sim teria a Espanha as melhores chances de paz e prosperidade, e ninguém seria mais indicado para a consumação de tão difícil e nobre tarefa do que os incendiários, os assassinos, e os violadores de cadáveres;

  — Além disso, não se entende bem, com que critérios simples, a naturalidade, a plácida indiferença com que os intelectuais católicos encaram tantos horrores. Tratando-se de pessoas virtuosas, de costumes morigerados e sem nenhum antecedente de ferocidade, tais disparates só se explicam por aquela deslocação da razão prática a que atrás me referi e graças à qual o profissional dos jogos do espírito desdenha a vulgaridade das humildes evidências da “petite sagesse”. Em outras palavras, a tremenda e chocante injustiça se explica por um chocante mecanismo de desatenção e de evasão. Mas esse processo não se move, evidentemente, sem certas convivências internas que freqüentemente são mais insidiosas do que as descaradas conivências exteriores;

  — Objetivamente, Mauriac, Maritain e Mounier (três M´s oferecidos à gula trinitária de Tristão de Athayde), de 1937 a 1939, foram sistematicamente rebeldes, ou sistematicamente alheados, ou tranqüilamente desatentos à orientação pastoral claramente e insistentemente formulada pelo Papa e pelos Bispos do mundo inteiro. Para a Igreja o levante de 1936 tinha motivação justíssima, e coincidia com o que razoavelmente qualquer homem de bem, e por mais forte razão qualquer católico podia desejar, e era evidentemente o melhor que se podia fazer na Espanha pelos pobres, como aliás o demonstraram 25 anos de prosperidade e de paz;

  — Mas, além e acima das ponderações do bom senso e da história, impunha-se à consciência dos intelectuais católicos ponderações de obediência. O historiador Hugh Thomas, que brilha pela despreocupação de brilhar, e que nunca aparece partindo um cabelo em quatro, nem demonstra especial devoção pelo general Franco, diz o seguinte, que transcrevo sem traduzir: “A núncio was despatched to the Castil’an capital. Henceforward any Catholic who sided with the Republic or who even, like Maritain, preached that the Church should be neutral, became tecnically rebels against the Pope” (op. cit., pág. 451).   

(Gustavo Corção, O Século do Nada, Parte II, Cap. II, Editora Record).

 

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Notas:

[1] Hugh Thomas, The Spanish Civil War, Eyre & Spottiswoode, Londres, 1964.

[2] Ibid., pág. 58.

[3] Ibid., pág. 29.

[4] Ibid., pág. 78.

[5] Ibid., pág. 40.

[6] Robert Brasillach y M. Bardêche, Historia de la Guerra Civil de España.

[7] Ibid., pág. 168.

[8] Ibid., pág. 164.

[9] Antonio Montero, Historia de la Persecución Religiosa en España, B.A.C., 1961.

[10] Ibid., pág. 27 e seg.

[11] Ibid., pág. 31.

[12] Daniel-Rops, Un Combat pour Dieu, Fayard, 1963, pág. 544.

[13] Ibid., pág. 42

[14] Ibid., pág. 44

[15] Ibid., pág. 47, e para maiores detalhes ver Antonio Montero, op. cit., pág. 52 e seg.

[16] Ha hablado la Iglésia, Ed. Española, 1937; ver também Jacques Marteaux, op. cit., pág. 286.

[17] Robert Brasillach, História de la Guerra de España.

[18] Hugh Thomas, op. cit., pág. 419.

[19] Ibid., pág. 421.

[20] Jean Madiran viu com grande lucidez esse aspecto da trapaça intelectual que atingiu principalmente o povo mais inteligente do mundo, e escreveu um livro (On ne se moque pas de Dieu, Nouvelles Ed. Latines, 1957, pág. 27 e seg.) que dedica todo o capítulo II a esse problema. E eis o que diz Madiran: “A distinção entre a esquerda e a direita é sempre uma iniciativa da esquerda, feita pela esquerda e em proveito da esquerda. Há uma direita na proporção em que uma esquerda se forma para designar a direita e a ela se opor: o inverso nunca se dá. Os que instauram e põem em funcionamento o jogo esquerda-direita, logo se situam na esquerda de onde delimitam a direita para combatê-la e excluí-la. Num segundo momento, a direita, assim designada e apartada, arregaça as mangas, nunca muito depressa nem com muita disposição, e então se organiza, se defende, contra-ataca e às vezes consegue vitórias...

Por isso, será de direita aquele que a esquerda designa ou denuncia arbitrariamente como tal: o inverso não é verdade, não existe... A direita sabe ou sente que se submete sem poder fixar ou modificar as regras do jogo... E por quê? Porque a direita não se julga com títulos nem com a possibilidade de colar o rótulo nos frascos. A esquerda, ao contrário, senhora e árbitro do jogo que inventou e iniciou, relega para as direitas quem ela acha que deve relegar, e como e quando lhe parece oportuno e conveniente” Ver mais em O Século do Nada, Capítulo II O JOGO ESQUERDA-DIREITA.

[21] Hugh Thomas, op. cit., pág. 449.

[22] El Mundo Catolico y la Carta Colectiva del Episcopado Español, Ed. Rayfe, Burgos, (23) 1938, pág. 159.

[24] Hugh Thomas, op. cit. pág. 451

[25] Ibid., pág. 420, nota ao pé da página.

[26] 3 de maio de 1932.

 

 

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