O primeiro discute-se assim. — Parece que a Cristo não convém ser sacerdote.
1 — Pois, o sacerdote é menor que o anjo, e por isso diz a Escritura: O Senhor me mostrou o sumo sacerdote Jesus, que estava diante do anjo do Senhor. Ora, Cristo é maior que os anjos, segundo o Apóstolo: Feito tanto mais excelente que os anjos, quanto herdou mais excelente nome que eles. Logo, a Cristo não convém ser sacerdote.
2. Demais. — No Antigo Testamento estavam as figuras de Cristo, segundo o Apóstolo: Que são sombra das causas vindouras, mas o corpo é em Cristo. Ora. Cristo não era carnalmente descendente dos sacerdotes da lei antiga; assim, diz o Apóstolo: Manifesta coisa é que da linhagem de Judá nasceu Nosso Senhor; na qual tribo nada falou Moisés tocante aos sacerdotes. Logo, a Cristo não convém ser sacerdote.
3. Demais. — Na lei antiga, que é figura de Cristo, não era o mesmo o legislador e o sacerdote, donde o dizer o Senhor a Moisés, legislador: Faze chegar a ti Arão, teu irmão, para que exercite diante de mim as funções do sacerdócio. Ora, Cristo é o legislador da lei nova, segundo a Escritura: Imprimirei a minha lei nas suas entranhas. Logo, a Cristo não convém ser sacerdote.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Temos aquele pontífice que penetrou os céus, Jesus, Filho de Deus.
SOLUÇÃO. — O ofício próprio do sacerdote é ser mediador entre Deus e o povo, porque transmite ao povo os dons divinos, chamando-se sacerdote por ser o como dados das coisas sacras, segundo aquilo da Escritura: Da sua boca, isto é, do sacerdote, os mais buscarão a inteligência da lei. E também por ser quem oferece a Deus as preces do povo, e de certo medo satisfaz a Deus pelos pecados dele. Donde o dizer o Apóstolo: Todo pontífice assunto dentre os homens é constituído o favor dos homens naquelas causas que tocam a Deus, para que ofereça dons e sacrifícios pelos pecados. Ora, isto sobremaneira convém a Cristo. Pois por ele, os bens divinos foram conferidos aos homens, segundo aquilo da Escritura: Pelo qual, isto é, por Cristo, nos comunicou as mui grandes e preciosas graças, que tinha prometido, para que por elas sejais feitos participantes da natureza divina. E também ele reconciliou o gênero humano com Deus, segundo o Apostolo: Foi do agrado do Pai que nele, isto é, em Cristo. residisse toda a plenitude e o reconciliar por ele a si mesmo todas as coisas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O poder hierárquico convém aos anjos, enquanto medianeiros entre Deus e os homens, como está claro em Dionísio; por isso o sacerdote, enquanto medianeiro entre Deus e o povo, tem o nome de anjo, segundo a Escritura: É o anjo do Senhor dos exércitos. Ora, Cristo foi maior que os anjos, não só pela divindade, mas também pela humanidade, por ter a plenitude da graça e da glória. Por onde e de modo mais excelente, teve, acima dos anjos, o poder hierárquico ou sacerdotal, de modo tal que os próprios anjos lhe foram ministros do sacerdócio, como se lê no Evangelho: Chegaram os anjos e o serviam. Mas, pela passibilidade da carne, por um pouco foi feito menor que os anjos, no dizer do Apóstolo. E, assim, foi comparável aos mortais constituídos sacerdotes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Damasceno, duas coisas em tudo iguais são idênticas e não, semelhantes. Ora, sendo o sacerdócio da lei antiga a figura do sacerdócio de Cristo, não quis Cristo nascer da estirpe dos sacerdotes, que o figuravam, para mostrar que o seu sacerdócio não era absolutamente idêntico ao deles, mas que diferia como o verdadeiro, do figurado.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Como dissemos, os outros homens tem certas graças particulares; mas Cristo, enquanto cabeça de todos, tem a perfeição de todas as graças. Por onde, no atinente aos mais, o legislador difere do sacerdote, que difere do rei; ao passo que Cristo era tudo isso ao mesmo tempo, como a fonte de todas as graças. Donde o dizer a Escritura: O Senhor é o nosso juiz, o Senhor o nosso legislador, o Senhor o nosso rei, ele mesmo nos salvará.