O undécimo discute-se assim. — Parece que Cristo, enquanto homem, é Deus.
1. — Pois, Cristo é Deus pela graça da união. Ora, Cristo, enquanto homem, tem a graça da união. Logo, Cristo, enquanto homem, é Deus.
2. Demais. — Perdoar os pecados é próprio de Deus, segundo a Escritura: Eu. sou, eu mesmo sou o que apago as tuas iniquidades por amor de mim. Ora, Cristo, enquanto homem, perdoa os pecados, conforme o diz o Evangelho: Pois, para que saibais que o Filho do homem tem poder sobre a terra de perdoar pecados, etc. Logo, Cristo, enquanto homem, é Deus.
3. Demais. — Cristo não é homem, em geral, mas este determinado homem. Ora, Cristo, enquanto este determinado homem, é Deus; pois, este homem determinado designa um suposto eterno que, por natureza, é Deus. Logo, Cristo, enquanto homem, é Deus.
Mas, em contrário. — O conveniente a Cristo, enquanto homem, convém a qualquer homem. Se, logo, Cristo, enquanto homem, fosse Deus, resultaria que todo homem seria Deus, o que evidentemente é falso.
SOLUÇÃO. — A palavra homem, tomada em sentido restritivo, pode entender-se de dois modos. — Primeiro, na sua natureza. E então, não é verdade que Cristo, enquanto homem, seja Deus; porque a natureza humana é distinta da divina, por uma diferença de natureza. — Noutro sentido, pode ser entendida em razão do suposto. E então, sendo o suposto da natureza humana, em Cristo, a pessoa do Filho de Deus, a que convém por natureza ser Deus, é verdade que Cristo, enquanto homem, é Deus. Como porém o termo, tomado em sentido restritivo, mais propriamente significa a natureza, que o suposto, como se disse, por isso, a proposição — Cristo, enquanto homem, é Deus — deve antes ser negada que afirmada.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Não é pela mesma razão que um ser se move para um termo e constitui esse termo; pois, um ser se move em razão da matéria ou do sujeito; e é atual, em razão da forma. Semelhantemente, não convém a Cristo, à mesma luz, ordenar-se a ser Deus pela graça da união, e ser Deus. Mas, aquilo lhe convém, segundo a natureza humana; e isto, segundo a divina. Por onde, é verdadeira a proposição — Cristo, enquanto homem, tem a graça da união; mas não esta — Cristo, enquanto homem, é Deus.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Filho do homem tem na terra o poder de perdoar os pecados, não em virtude da natureza humana, mas, da natureza divina. Dessa natureza divina promana o poder de perdoar os pecados por autoridade própria; ao passo que a natureza humana exerce a função de instrumento e de ministro. Donde, expondo esse assunto, o dizer Crisóstomo: O Evangelho disse sinaladamente — na terra, de perdoar os pecados — para mostrar que à natureza humana uniu, por uma união indivisível, o poder da divindade. Pois, embora feito homem, continuou sendo o Verbo de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Quando se diz — este homem — o pronome demonstrativo liga a palavra homem – ao suposto. Por isso, a proposição — Cristo, enquanto este homem, é Deus, é mais verdadeira que a outra — Cristo enquanto homem é Deus.