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Art. 3 — Se a Paixão de Cristo se realizou a modo de sacrifício.

 O terceiro discute-se assim. — Parece que a Paixão de Cristo não se realizou a modo de sacrifício.

1. — Pois, a realidade deve corresponder à figura. Ora, nos sacrifícios da lei antiga, que eram a figura de Cristo, nunca era oferecida a carne humana; ao contrário, esses sacrifícios eram considerados como nefandos, segundo se lê na Escritura: Derramavam o sangue inocente, o sangue de seus filhos e de suas filhas, que haviam sacrificado aos ídolos de Canaam. Logo, parece que a Paixão de Cristo não pode ser chamada sacrifício.
 
2. Demais. — Agostinho diz que o sacrifício visível é o sacramento, isto é, sacro sinal do sacrifício invisível. Ora, a Paixão de Cristo não é um sinal, mas antes, foi significada por outros sinais. Logo, parece que a Paixão de Cristo não foi um sacrifício.
 
3. Demais. — Quem quer que ofereça um sacrifício faz algo de sagrado, como o demonstra a palavra mesma de sacrifício. Ora, os que mataram a Cristo nada fizeram de sagrado; ao contrário, perpetraram uma grande malícia. Logo a Paixão de Cristo foi antes um malefício que um sacrifício.
 
Mas, em contrário, o Apóstolo: Entregou-se a si mesmo por nós outros, como oferenda e hóstia a Deus em odor de suavidade.
 
SOLUÇÃO. — Chama-se sacrifício em sentido próprio o que é feito como uma honra propriamente devida a Deus, com o fim de o aplacar. E por isso diz Agostinho: É verdadeiramente sacrifício toda obra feita com o fim de nos unirmos com Deus numa sociedade santa; isto é, uma obra referida ao fim bom, cuja posse é capaz de nos dar verdadeiramente a felicidade. Ora, Cristo, como no mesmo lugar se acrescenta, se ofereceu a si mesmo a sofrer por nós; e o próprio fato de ter padecido voluntàriamente a sua Paixão foi sobremaneira aceito de Deus, como proveniente de uma caridade máxima. Por onde é manifesto, que a Paixão de Cristo foi um verdadeiro sacrifício. E como Agostinho acrescenta a seguir, no mesmo livro, os sacrifícios primitivos dos santos foram sinais variados e múltiplos desse verdadeiro sacrifício, esse sacrifício único foi simbolizado por numerosos sacrifícios, do mesmo modo que uma mesma realidade é designada por numerosas palavras, a fim de que fosse grandemente recomendado, sem nenhum inútil encarecimento. Mas, continua Agostinho, consideramos quatro elementos num sacrifício: aquele a quem o oferecemos, quem o oferece, o que é oferecido e por quem o é. Assim, o mesmo, só único e verdadeiro mediador, reconciliando-nos com Deus pelo sacrifício da paz, devia permanecer uno com aquele a quem oferecia esse sacrifício, reunir em si, numa unidade, aqueles por quem o oferecia, e ser simultânea e identicamente o oferente e a oferenda.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora a realidade corresponda à figura, de certo modo, não corresponde totalmente, pois, a verdade há de necessàriamente ultrapassar a figura. Por isso e convenientemente a figura deste sacrifício pelo qual a carne de Cristo é oferecida por nós, foi a carne, não dos homens, mas de animais irracionais que significavam a carne de Cristo. A carne de Cristo é o perfeitíssimo dos sacrifícios pelas razões seguintes. Primeiro porque, sendo carne de natureza humana, é convenientemente oferecida pelos homens, que a tomam sob a forma de sacramento. Segundo, porque, sendo passível e mortal, era apta para a imolação. Terceiro, porque, sendo isenta de pecado, tinha a eficiência para purificar dos pecados. Quarto, porque, sendo a carne mesma do oferente, era aceita de Deus por causa da caridade com que a oferecia. Donde o dizer Agostinho: Que oferenda podiam os homens tomar, que lhes fosse mais adaptada, que uma carne humana? Que de mais apto à imolação do que uma carne mortal? Que haveria de mais puro para delir os vícios dos mortais que uma carne nascida sem o contágio da concupiscência carnal, de um ventre e de um ventre virginal? Que poderia ser oferecido e aceito com mais graça que a carne de nosso sacrifício, tornado o corpo de nosso Sacerdote?
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — Agostinho, no lugar aduzido, refere-se aos sacrifícios visíveis figurados. E, contudo a Paixão mesma de Cristo, embora fosse significada por outros sacrifícios figurados, é contudo o sinal de uma realidade que nós devemos guardar, segundo aquilo da Escritura: Havendo pois Cristo padecido na carne, armai-vos também vós outros desta mesma consideração: que aquele que padeceu na carne cessou de pecados; de sorte que o tempo que lhe resta da vida mortal, ele não vive mais segundo as paixões do homem, mas segundo a vontade de Deus.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — A Paixão de Cristo, relativamente aos que o mataram, foi um malefício; foi porém um sacrifício por parte dele mesmo, que sofreu levado da caridade. Por isso se diz, que quem ofereceu esse sacrifício foi o próprio Cristo e não os que o mataram. 
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