O terceiro discute-se assim. — Parece que Cristo não foi batizado no tempo conveniente.
1. — Pois, Cristo foi batizado para levar os outros a imitarem o seu exemplo. Ora, é louvável que os fiéis de Cristo sejam batizados não só antes dos trinta anos, mas mesmo em idade infantil. Logo, parece que Cristo não devia ter sido batizado na idade de trinta anos.
2. Demais. — Não lemos no Evangelho que Cristo ensinasse ou fizesse milagres antes do batismo. Ora, teria sido mais útil ao mundo se tivesse ensinado antes, começando dos vinte anos ou ainda antes. Logo, parece que Cristo, que veio ao mundo para bem dos homens, devia ter sido batizado antes dos trinta anos.
3. Demais. — O sinal da sabedoria infundida por Deus devia manifestar-se sobretudo em Cristo. Ora, manifestou-se em Daniel no tempo da sua puerícia, segundo o diz a Escritura: Suscitou o Senhor o santo espírito de um moço ainda menino, cujo nome era Daniel. Logo, com maioria de razão, Cristo devia ter sido batizado e ter começado a ensinar, na sua puerícia.
4. Demais. — O batismo de João se ordenava ao de Cristo como ao fim. Ora, o fim, primeiro na intenção, é último na execução. Logo, Cristo ou devia ser o primeiro ou o último a ser batizado por João.
Mas, em contrário, o Evangelho: E aconteceu que como recebesse o batismo todo o povo depois de batizado também Jesus e estando em oração. E mais adiante: E o mesmo Jesus começava a ser quase de trinta anos.
SOLUÇÃO. — Cristo foi convenientemente batizado no seu trigésimo ano de idade. - Primeiro, porque desde o seu batismo é que Cristo começou, por assim dizer, a ensinar e a pregar; o que exige uma idade perfeita, qual é a dos trinta anos. Por isso, como lemos na Escritura, José tinha trinta anos quando assumiu o governo do Egito. E também ela refere que Davi tinha trinta anos quando começou a reinar. E ainda, que Ezequiel começou a profetizar aos trinta anos. - Segundo, porque, como diz Crisóstomo, depois do batismo de Cristo a lei antiga começava a deixar de vigorar. Por isso, Cristo recebeu o batismo numa idade em que podia assumir todos os pecados de modo que ninguém pudesse dizer que ele abrogou a lei por não a poder observar. - Terceiro, porque o ter Cristo recebido o batismo numa idade perfeita significa que o batismo gera os varões perfeitos, segundo àquilo do Apóstolo: Até que todos cheguemos à unidade da fé e ao conhecimento do Filho de Deus, a estado de varão perfeito, segundo a medida da idade completa de Cristo. Pois, o demonstram até as propriedades do número trinta resultante da combinação de três e de dez: o número três significa a fé na Trindade; dez é o número dos mandamentos da lei a serem cumpridos; e nessas duas coisas consiste a perfeição da vida cristã.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Gregório Nazianzeno, Cristo não foi batizado porque precisasse de purificação, não havendo por isso nenhum perigo de lhe diferir o batismo. Mas para qualquer outro redundará em perigo não pequeno partir desta vida sem estar revestido das vestes da incorrupção, isto é, da graça. E embora seja bom conservar, depois do batismo, a pureza batismal, contudo, como também o diz Agostinho, é às vezes melhor ficarmos expostos a pequenas máculas, do que carecermos de todo da graça.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Cristo é uma fonte de bens para os homens, que sobretudo obtemos pela fé e pela humildade. E ele nos ensinou fortemente essas virtudes, não começando a ensinar senão depois que saiu da puerícia e da adolescência e atingiu a idade perfeita. Ensinou-nos a fé, tornando evidente por meio dela a verdade da sua natureza humana; pois, essa verdade se mostra no desenvolvimento do seu corpo, relativamente aos anos. E para que não se pudesse dizer que esse desenvolvimento era fantástico, não quis manifestar a sua sabedoria e a sua virtude senão quando atingiu a idade do seu pleno desenvolvimento. Ensinou-nos ainda a humildade, a fim de que ninguém tenha a presunção de subir às honrar, antes da idade, nem a de assumir o ofício de ensinar.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo foi proposto como exemplo para todos os homens. Por isso devia mostrar em si o que a lei comum exige de todos; donde o não ter ensinado senão quando atingiu a idade perfeita. Mas, como diz Gregório Nazianzeno, não é lei da Igreja o que raramente se dá, assim como uma andorinha não faz primavera. Embora a certos, por uma dispensa especial fosse concedido, por determinadas razões da sabedoria divina, o poder de governar ou de ensinar, antes de terem atingido a idade perfeita; talo que se deu com Salomão, Daniel e Jeremias.
RESPOSTA À QUARTA. — Cristo nem foi o primeiro nem o último que devesse ser batizado por João. Porque, como diz Crisóstomo, Cristo
foi batizado para confirmar a pregação e o batismo de João, e para que recebesse o testemunho deste. Pois, não haveriam de crer no testemunho de João senão depois que muitos foram batizados por ele. Por isso não devia ter sido o primeiro que João batizasse. - Semelhantemente, nem o último. Porque, como Crisóstomo acrescenta no mesmo lugar, assim como a luz do sol não espera o ocaso da estrela da manhã, mas a precede para em breve obscurecê-la com o esplendor do seu lume, assim também Cristo não esperou que João terminasse o curso da sua vida, mas apareceu quando ainda ele ensinava e batizava.