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Art. 2 — Se depois da penitência recuperamos o mesmo grau de virtude que antes tínhamos.

O segundo discute-se assim. Parece que depois da penitência recuperamos o mesmo grau de virtude que antes tínhamos.
 
1. — Pois, diz o Apóstolo: Aos que amam a Deus todas as coisas lhe contribuem para seu bem. Ao que diz a Glosa de Agostinho, ser isso de tal modo verdadeiro, que se qualquer desses elei­tos se desviarem e saírem do bom caminho, Deus lhes faz esses mesmos desvios redundarem úteis ao progresso no bem. Ora, tal não se daria se não recuperássemos o mesmo grau de virtude que antes tínhamos.
 
2. Demais. — Ambrósio diz: A penitência é uma ótima coisa, que reduz à perfeição todos os nossos defeitos. Ora, não seria tal, se não re­cuperássemos depois delas as nossas virtudes no mesmo grau que antes tínhamos.
 
3. Demais. — Aquilo da Escritura: — E da tarde e da manhã se fez o dia primeiro, diz a Glosa: A luz vespertina é a que perdemos pela nossa queda; a matutina é a que nos ilumina a ressurreição. Ora, a luz matutina é mais intensa que a vespertina. Logo, depois da penitência res­surgimos com maior graça ou caridade que antes tínhamos. O que também resulta das palavras do Apóstolo: onde abundou o pecado superabundou a graça.
 
Mas, em contrário. — A caridade progressiva ou a perfeita é maior que a caridade incipiente. Ora, às vezes decaímos da caridade progressiva para recomeçarmos pela caridade incipiente. Logo, sempre ressurgimos com menor virtude.
 
SOLUÇÃO. — Como dissemos, o movimento do livre arbítrio, suposta pela justificação do ímpio, é uma disposição última para a graça; por onde, a infusão da graça é concomitante com esse re­ferido movimento do livre arbítrio, como estabele­cemos na Segunda Parte. E nesse movimento está compreendido o ato de penitência, como dissemos. Ora, é manifesto que as formas susce­tíveis de mais e de menos, tornam-se mais inten­sas ou mais remissas, segundo a disposição diversa do sujeito, conforme o mostramos na Se­gunda Parte. Donde vem que conforme o movimento do livre arbítrio, na penitência, é mais intenso ou mais remisso assim é maior ou menor a graça alcançada pelo penitente. Pode dar-se porém as vezes, que a intensidade do movimento da penitência seja proporcionado a uma graça maior que o era aquela donde o pecador decaiu pelo seu pecado; outras vezes pode ser proporcio­nal a uma graça igual; enfim, outras, a uma menor. Por isso o penitente ora ressurge com maior graça que primeiro tivera; ora, com gra­ça igual; e ora, enfim, com menor. E o mesmo passa com as virtudes resultantes da graça.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — ­Nem em todos os que amam a Deus contribui para o bem o fato de decaírem do amor de Deus pelo pecado. E isso bem o demonstram os que caem e nunca mais se levantam; ou se levantam é para cair de novo. Só contribui para os que por desígnio divino são chamados à san­tidade, isto é, os predestinados, cujas quedas são afinal seguidas da ressurreição. Assim, redun­dam-lhes em bem essas quedas, não porque sempre ressurjam em maior graça, mas numa graça mais permanente. Não, certo, da parte da graça, pois, quanto maior é a graça mais permanente é em si mesma; mas da parte mesma deles, que tanto mais estavelmente per­manecer em graça, quanto mais cautos são e humildes. Por isso a Glosa ao mesmo lugar acrescenta, que progridem no bem, os que caem, por voltarem mais humildes e se tornarem mais experimentados.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A penitência, em si mesma, tem a virtude de reparar todas as defi­ciências, em vista, da perfeição, e mesmo de pro­mover a um estado ulterior. Mas isso fica as vezes impedido da nossa parte, que nos move­mos para Deus e detestamos o pecado de modo mais remisso. Assim também no batismo, cer­tos adultos alcançam maior ou menor graça, conforme as disposições diversas em que se en­contram.
 
RESPOSTA À TERCEIRA. — Essa assimilação de uma e outra graça à luz vespertina e matutina se funda na semelhança de ordem; porque à luz vespertina seguem-se as trevas da noite, e a luz do dia sucede à luz matutina; mas não visa a fazer uma comparação com os graus da graça. E também essas palavras do Apóstolo entendem da graça de Cristo, que supera toda a multidão dos pecados humanos. Não é porém verdade, em relação a todos, que quanto mais abundan­temente pequem tanto mais abundante graça consigam; pesada a quantidade da graça habi­tual. Mas a graça é superabundante quanto à sua natureza mesma, porque tanto mais grátis é o benefício do perdão quanto é conferido a um maior pecador. — Embora às vezes os que peca­ram muito também choram mais os seus pecados e alcançam assim um hábito mais abundan­te de graça e de virtudes, como foi o caso da Madalena.
 
Quanto ao objetado em contrário — deve­mos responder que, num mesmo sujeito, a graça do progresso é maior que a do começo; mas em pessoas diversas não é necessariamente assim. Pois, pode uma começar tendo maior graça que tem outra já no estado de progresso. Assim, diz Gregório: Que os homens dos tempos atuais e os do futuro saibam todos de quão grande per­feição, Bento, desde criança, recebeu a graça da conversão.

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