O primeiro discute-se assim. — Parece que o pecado venial pode ser perdoado sem a penitência.
1. — Pois, a verdadeira penitência exige, como se disse, que não só nos arrependamos do pecado passado, mas também formemos o propósito de não mais pecar no futuro. Ora, sem esse propósito ficam perdoados os pecados veniais; pois é certo que não podemos viver neste mundo sem cometermos pecados veniais. Logo, os pecados veniais pedem ser perdoados sem penitência.
2. Demais. — Não há penitência sem a displicência atual dos pecados. Ora, os pecados veniais podem ser perdoados sem que nos causem nenhuma displicência; assim, quem, durante o sono, fosse morto por Cristo, entraria imediatamente no céu; o que não lhe seria possível se permanecesse em pecado venial. Logo, os pecados veniais podem ser perdoados sem penitência.
3. Demais. — Os pecados veniais se opõem ao fervor da caridade, como se disse na Segunda Parte. Ora, um contrário destrói o outro. Logo, pelo fervor da caridade, que pode existir sem a displicência atual do pecado venial, se opera a remissão dos pecados veniais.
Mas, em contrário, Agostinho diz que há uma penitência quotidiana na Igreja pelos pecados veniais, a qual seria inútil se sem penitência pudessem eles ser perdoados.
SOLUÇÃO. — O perdão da culpa como dissemos, se opera pela união do homem com Deus de quem, de certo modo, ela o separa. Ora, essa separação é total pelo pecado mortal, e parcial pelo pecado venial. Pois, pelo pecado mortal a nossa alma se separa completamente de Deus, porque agimos contra a caridade; ao passo que o pecado venial retarda-nos o afeto, impedindo de aplicar-se prontamente a Deus. Por onde, ambos esses pecados podem ser perdoados pela penitência, pois por ambos a vontade se nos desordena pela imoderada conversão aos bens criados. Pois, assim como o pecado mortal não pode ser remitido, enquanto a vontade adere ao pecado, assim também não o pode o pecado venial, porquanto, permanecendo a causa, permanece o efeito. É necessária porém para a remissão do pecado mortal uma perfeita penitência, que nos leva a detestar atualmente o pecado mortal cometido, o quanto podemos, isto é, aplicando estudo em rememorar cada pecado mortal cometido para detestarmos cada um de per si. Mas isto não é necessário para a remissão dos pecados veniais; não bastando contudo a displicência habitual que temos, pelo hábito da caridade ou da virtude da penitência. Porque então a caridade não sofreria o pecado venial, o que é evidentemente falso. Donde resulta que é preciso uma certa displicência virtual; por exemplo, se o nosso afeto de modo nos leva para Deus e as coisas divinas, que nos desagrade e nos pese ter cometido tudo o que nos retarde o movimento para Deus, mesmo se nisso não pensemos atualmente. O que porém não basta para a remissão do pecado mortal, senão quanto aos pecados esquecidos depois de um exame diligente.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Constituídos em graça, podemos evitar todos os pecados mortais e cada um em particular; também podemos evitar cada pecado venial de per si, mas não todos como resulta do que dissemos na Segunda Parte. Por onde a penitência pelos pecados mortais requere do pecador o propósito de se abster de todos os pecados mortais e de cada um em particular. Mas para a penitência dos pecados veniais basta o propósito de se abster de cada um em particular, mas não de todos, o que não sofre a fraqueza da nossa vida mortal. Deve porém ter o propósito de preparar-se para diminuir os pecados veniais; do contrário correria o risco de regredir, por abandonar o desejo de progredir ou de arredar os impedimentos ao avanço espiritual — que são pecados veniais.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O sofrimento aceito por amor de Cristo tem força de batismo, como dissemos. E por isso purifica de roda culpa venial e mortal, salvo se a nossa vontade estiver atualmente presa ao pecado.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O fervor da caridade virtualmente implica a displicência dos pecados veniais, como dissemos.