O sexto discute-se assim. — Parece que a penitência é a primeira das virtudes.
1. — Pois, aquilo do Evangelho - Fazei penitência, diz a Glosa: A primeira virtude é, pela penitência, punir o homem velho e odiar os vícios.
2. Demais. — Antes de chegarmos ao termo final, começamos por sair do ponto de partida. Ora, parece que todas as outras virtudes têm por objeto a nossa marcha para o ponto de chegada; pois, todas se ordenam a nos fazer agir retamente. Ora, parece que a penitência tem por fim fazer-nos deixar o mal. Logo, segundo parece, a penitência é a primeira de todas as virtudes.
3. Demais. — Antes da penitência há o pecado na alma. Ora, nenhuma virtude pode coexistir na alma com o pecado. Logo, não há nenhuma virtude, antes da penitência; mas ela deve ser considerada a primeira, que prepara o caminho às outras, excluindo o pecado.
Mas, em contrário, a penitência procede da fé, da esperança e da caridade, como já dissemos. Logo, não é a penitência a primeira das virtudes.
SOI.UÇÃO. — Nas virtudes não se considera a ordem do tempo, quanto à existência delas como hábitos; porque, sendo as virtudes conexas, conforme estabelecemos na Segunda Parte, todas começam simultaneamente a existir na alma. Mas dizemos que uma delas tem prioridade sobre outra na ordem da natureza, cuja ordem é dependente da ordem dos atos, quando o ato de uma virtude pressupõe o de outra.
Donde devemos concluir que certos atos meritórios podem preceder, mesmo temporalmente, o ato e o hábito da penitência; assim, o ato da fé e da esperança informes, e o ato do temor servil. Quanto ao ato e ao hábito da caridade, são simultâneos no tempo com o ato e o hábito da penitência, e com os hábitos das outras virtudes. Pois, como estabelecemos na Segunda Parte, na justificação do ímpio são simultâneos o movimento do livre arbítrio para Deus, que ê um ato de fé informado pela caridade; e o movimento do livre arbítrio relativamente ao pecado, que é um ato de penitência. Ora, destes dois atos, o primeiro naturalmente precede o segundo; pois, o ato da virtude de penitência encontra o pecado, pelo amor de Deus que implica; portanto, o primeiro ato é a razão e a causa do segundo. Assim, pois, a penitência não é, absolutamente falando, a primeira das virtudes, nem na ordem do tempo, nem na ordem da natureza; pois, na ordem da natureza e absolutamente falando, as virtudes teologais a precedem.
Mas, de certo modo, é a primeira entre as outras virtudes na ordem do tempo, quanto ao seu ato, que vem em primeiro lugar na justificação do ímpio. Mas, na ordem da natureza, as outras virtudes têm prioridade, assim como o essencial tem prioridade sobre o acidental. Pois, as outras virtudes são essencialmente necessárias ao bem do homem, ao passo que a penitência é necessária condicionalmente, isto é, no caso de preexistir o pecado, como o dissemos quando tratamos da relação entre o sacramento da penitência e os outros sacramentos referidos.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — A Glosa referida alude ao ato de penitência como o primeiro, na ordem do tempo, entre os atos das outras virtudes.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nos movimentos sucessivos o afastar-se do ponto de partida é temporalmente anterior, à chegada ao termo; e anterior, por natureza, no concernente ao sujeito, ou na ordem da causa material. Mas na ordem da causa agente e final, primeiro chegamos ao termo, pois, é o que vem em primeiro lugar na intenção do agente. E tal é a ordem a que primeiro atendemos, nos atos da alma, como diz Aristóteles.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A penitência abre o caminho às virtudes, expulsando o pecado pelas virtudes da fé e da caridade, que são anteriores por natureza. Mas abre-lhes o caminho de modo que entram simultaneamente com ela; pois, na justificação do ímpio, ao mesmo tempo que o movimento do livre arbítrio para Deus e o relativo ao pecado, vem a remissão da culpa e a infusão da graça, com o que simultaneamente são infundidas todas as virtudes, conforme estabelecemos na Segunda Parte.