O nono discute-se assim. — Parece que os destituídos do uso da razão não devem receber este sacramento.
1. — Pois, é necessário achegar-se a este sacramento com devoção e depois do exame de consciência, segundo aquilo do Apóstolo: Examine-se a si mesmo o homem e assim coma deste pão e beba deste cálice. Ora isto, não o podem fazer os que não têm o uso da razão. Logo, não se lhes deve dar este sacramento.
2. Demais. — Entre os privados do uso da razão, estão os arreptícios, chamados energúmenos. Ora, esses são afastados mesmo da contemplação deste sacramento, segundo Dionísio. Logo, este sacramento não deve ser dado aos privados do uso da razão.
3. Demais. — Entre os privados do uso da razão, sobretudo se consideram inocentes as temporariamente de recebê-lo. Logo, não é aconselhável recebermos todos os dias este sacramento.
Mas, em contrário, diz Agostinho: Este é o pão quotidiano; recebe todos os dias o que todos os dias te aproveita.
SOLUÇÃO. — A respeito do uso deste sacramento duas coisas podemos considerar. Uma relativa ao próprio sacramento, cuja virtude é salutar aos homens. Por isso é útil o recebermos quotidianamente, para quotidianamente lhe colhermos o fruto. Por onde diz Ambrósio: Se todas as vezes que o sangue de Cristo é derramado, pela remissão dos pecados o é, devo sempre recebê-lo, que sempre peco; devo sempre ter o remédio. A outra luz. podemos considerá-la relativamente a quem o recebe, que deve se achegar a este sacramento com grande devoção e grande reverência. Portanto, quem quotidianamente se julgar preparado para tal, é aconselhável que quotidianamente o receba. Por isso Agostinho, depois de ter dito — recebe o que todos os dias te é útil, acrescenta: Vive de modo que mereças recebê-lo quotidianamente. Mas como muitas. vezes, em casos freqüentes, muitos impedimentos ocorrem contra esta devoção, por indisposição do corpo ou da alma, não é útil a todos achegar-se a este sacramento quotidianamente, mas só as vezes em que um se julgue preparado. Por isso um autor diz: Receber quotidianamente a comunhão eucarística, não o louvo nem o censuro.
DONDE A RESPOSTA À PRIMERA OBJEÇÃO. — Pelo sacramento do batismo nos configuramos à morte de Cristo, recebendo em nós o seu caráter. Por onde, assim como Cristo morreu uma só vez, devemos ser batizados uma só vez. Neste sacramento porém não recebemos o caráter de Cristo, mas o próprio Cristo, cuja virtude permanece eternamente. Donde o dizer o Apóstolo: Com uma só oferenda fez perfeitos para sempre aos que tem santificado. Por onde, como quotidianamente precisamos da virtude salutífera de Cristo, podemos, e louvavelmente, receber todos os dias este sacramento. — E sendo o batismo sobretudo uma regeneração espiritual, por isso, assim como nascemos carnalmente só uma vez, assim devemos só uma vez renascer espiritualmente pelo batismo, como adverte Agostinho, àquilo do Evangelho. Como pode um homem nascer, sendo velho? Ora, este sacramento é uma comida espiritual; por onde, assim como tomamos o alimento do corpo quotidianamente, assim também é aconselhável receber quotidianamente este sacramento. Por isso o senhor nos ensina a pedir: o pão nosso de cada dia nos dai hoje. Expondo o que, diz Agostinho: Se todos os dias o receberes, isto é, este sacramento todos os dias são para ti o dia de hoje; pois qualquer dia é para ti o dia de hoje, em que Cristo para ti ressurgiu.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O cordeiro pascal foi a figura precípua deste sacramento, quanto à paixão de Cristo, que a Eucaristia representa. Por isso era tomado uma só vez no ano, porque Cristo morreu uma vez. E por isso também a Igreja celebra uma vez no ano a memória da paixão de Cristo. Mas este sacramento nos transmite o memorial da paixão de Cristo a modo de comida, o qual tomamos todos os dias. E assim, sob este aspecto, era significado pelo maná, dado quotidianamente ao povo no deserto.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Na reverência para com este sacramento o temor vai junto com o amor; por Isso o temor de reverência para com Deus se chama temor filial, como dissemos na Segunda Parte. Pois, ao passo que o amor provoca o desejo de receber a Eucaristia, do temor nasce a humildade reverente. Por isso, tanto constitui reverência ao sacramento recebê-lo quotidianamente como dele nos abstermos. Donde o dizer Agostinho: Se um e outro disser o contrário, faça cada qual aquilo que, na sua fé piedosa, julga dever fazer. Nem litigaram entre si Zaqueu e aquele centurião, recebendo um deles, cheio de alegria, ao Senhor, e dizendo-lhe o outro — Não sou digno de que entreis em minha casa. Ambos louvaram ao Senhor, embora não do mesmo modo. Contudo, o amor e a esperança, que a Escritura procura sempre despertar em nós, são preferíveis ao temor. Por isso, quando Pedro exclamou: Retira-te de mim, Senhor, que sou um homem pecador — Jesus respondeu: Não temais.
RESPOSTA À QUARTA. — De ter dito o Senhor — O pão nosso de cada dia nos dai hoje, não se segue que devemos comungar várias vezes por dia. Mas o comungarmos uma vez representa a unidade da paixão de Cristo.
RESPOSTA À QUINTA. — A Igreja estabeleceu legislações diversas conforme as circunstâncias diversas dos tempos. Assim, na Igreja primitiva, quando era intenso o fervor da fé cristã, determinou que os fiéis comungassem diariamente. Por isso Anacleto Papa estatuiu: Terminada a consagração, comunguem todos os que não quiserem ficar excluídos da assembléia dos fiéis; pois, assim o determinaram os Apóstolos e o tem a santa Igreja Romana. Mais tarde, porém, diminuindo o fervor da fé, Fabiano Papa permitiu que, se não mais freqüentem ente, pelo menos três vezes no ano todos comungassem — na Páscoa, no Pentecostes e no Natal do Senhor. Também o Papa Sotero determinou que se comungasse pela Ceia do Senhor. Mas depois, pela multiplicação da iniquidade, resfriando-se a caridade de muitos, Inocêncio III estatuiu, que os fiéis comungassem pelo menos uma vez no ano, na Páscoa. — Aconselha porém, o livro dos dogmas eclesiásticos, que se deve comungar todos os domingos.