CARIDADE
"A Caridade é a luz que nos revela a coisa mais extraordinária do mundo: o outro. Nem sempre conseguimos essa prodigiosa banalidade, e no meio da multidão sentimo-nos isolados, únicos, como se todas as pessoas que vemos não passassem de meras sombras, de sinais saídos de nosso interior. Mesmo em família ainda cada um tem uma significação relativa ao nosso eu. Esta é minha mulher, aquele é meu cunhado (...)
"A luz da Caridade opera uma separação; põe-nos diante do outro. Separa-nos para nos livrar da insuportável solidão. Os maus poetas que só conhecem o amor erótico, não sabem que o verdadeiro amor separa, e que separa de um modo perfeito. A união da amizade não é um aniquilamento de um no outro, mas o esplendor de uma separação. Os amigos não se desmancham, os santos não se dissolvem, mesmo diante de Deus, mas reúnem-se de mãos dadas e cantam o mesmo louvor, cada um com sua voz, separados e reconciliados. O modelo perfeito do amor é a Santíssima Trindade, onde as três pessoas se amam numa perfeita separação."
("A Maior das Três", in A Descoberta do Outro)
"O reino de Deus vem. A mais ardente prece que Jesus ensinou diz "adveniat" e a oração inefável do Espírito Santo diz "veni". O céu vem. A esposa vem. Mas como seria possível imaginar o grito ardente que chama, que pede a vinda, o "veni", sem o impulso ainda mais ardente de correr ao encontro de quem chama? Que esposo apaixonado chamaria a esposa, gritaria: vem! sem se levantar de sua cadeira, sem esticar os braços, sem atirar corpo e alma ao encontro da bem-amada? Assim também só podemos entender a mensagem da esperança na caridade, e o reino de Deus está nesse encontro impetuoso em que Pai e filhos se atiram num imenso abraço de reconciliação.
"E quando ele ainda estava longe, seu Pai o viu; e, tocado de compaixão, correu, atirou-se em seus braços e cobriu-o de beijos."
("Ainda um pouco de tempo", in Descoberta do Outro)
CARIDADE FRATERNA
"O cristianismo é todo ele uma soma de pequeníssimas histórias familiares. Basta ver nas epístolas. Depois do Dogma vêm os nomes de uns poucos amigos; depois da doutrina, os abraços da cordialidade paroquial. Lembranças a Prisca e Aquila. Lembranças e abraços a Andrônica, Amplius, Urbano, Persida e Rufus.
"Quem são esses santos ignorados cujos nomes vêm assim arrastados pelos séculos e séculos na cauda da doutrina?
"E Lucius, Jasão, Sosipater; e Erastos, o tesoureiro da cidade; e Quartus, nosso irmão?
"Quem são esses que ficaram gravados na Sagrada Escritura pela força dos abraços?"
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
"Não há mal em ser pequeno grupo dentro da Igreja Universal. Ao contrário, o mal está em supor que é possível a vida cristã na solidão das multidões, ou em imaginar que as grandes concentrações constituem resultado mais genuinamente cristão do que o pequeno grupo. O homem se perde, só ou nas multidões. Isolado ou dissolvido na massa o homem deixa de ser homem, e por mais forte razão, de ser católico. Uma paróquia com cinqüenta mil paroquianos é um absurdo, simplesmente porque não é possível abraçar e mandar lembranças a cinqüenta mil indivíduos.
"O mundo moderno padece de hipertrofia em tudo, e persegue implacavelmente todos os pequenos grupos, desde a oficina do artesão até a família, desde a paróquia até a granja. O pequeno grupo é a célula cristã por excelência, sendo medido com o côvado da amizade, esse metro humano que é aproximadamente igual aos braços de uma cruz."
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
"Mais de uma vez amigos escrupulosos externaram seus temores sobre os riscos do pequeno grupo. É fato que existe nele uma tendência ao fechamento e uma outra a um certo sentimento de superioridade. Mais de uma vez, como medida de precaução, nos foi proposto um alargamento de horizontes.
"Eu creio, porém, que há um engano nesses temores. É claro que nada existe sem riscos, mas convém notar antes de tudo que é a Igreja e não cada um de seus grupos que é propriamente universal. o corpo tem as propriedades gerais da soma, os membros, porém, têm as suas especificações. Alargar o âmbito das mãos e dos pés é qualquer coisa como meter os pés pelas mãos. O Papa é um só, e se cada um de nós se mete na cabeça ser um papa em miniatura, então o corpo será um monstro formado de miríades de cabeças.
"Quanto ao sentimento de superioridade que se torna a equação de um grupo, eu não vejo o inconveniente, nem vejo como seria possível funcionar, ou sequer existir, um grupo sem esse sentimento. Tudo depende do critério em que se firma esse sentimento. Se é no objeto que ele se prende, então não há nenhum inconveniente, pois é na firmeza e na dureza de um objeto que nós nos gloriamos."
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
"Quando durante a guerra atroz que pulverizou mosteiros seculares, eu subia a ladeira de São Bento, cada vez mais íngreme para o peso dos dias; e quando, em cima, eu via a clara fachada de sol, as torres, os sinos, o portão monumental com lavores em ferro, e o pequeno alpendre ao lado, onde dois ou três amigos já de longe me sorriam; muitas vezes eu pensei que aquilo — a casa, o portão, as torres, o alpendre acolhedor — tudo poderia um dia me faltar, reduzido a um montão de escombros, como a tantos no mundo aconteceu. Bem sabia que a Igreja de Deus é imperecível sendo frágil porém cada um de seus sinais. Frágil é o mosteiro apesar da ingênua grossura das paredes que, para os bons portugueses de trezentos anos atrás, seriam eternas como o céu; frágil o grupo de amigos; frágil o bronze, a pedra, a vida — tudo o que não seja a palavra de Deus.
"Poderia o Senhor consentir que o Demônio me cobrisse o corpo de chagas e, de uma só vez, me arrebatasse a família, o mosteiro, a clara fachada, os sinos e o alpendre, e de uma só vez cobrisse a face de meus amigos: mas então, eu pediria a Deus, num clamor de suplicações, que sem demora me descobrisse sua própria Face."
(O Elogio da Pequenez, A Ordem, Dezembro de 1946)
"Tenho para mim com firmíssima convicção: as almas dadas, dedicadas, debruçadas não se podem perder."
(Regina, in conversa em Sol Menor)
CASAMENTO
"A fragilidade do matrimônio decorre de uma desmedida exigência de felicidade, ou melhor, da aplicação dessa exigência a uma coisa que não suporta tal pressão. Há uma insolência nossa nessa impaciente cobrança de ventura, e há sobretudo um equívoco, porque pretendemos tirar da casa, do matrimônio, do amor humano, um infinito rendimento, quando é finita e sempre muito exígua a nossa própria contribuição. Depositamos com mesquinharia e queremos juros generosos, infinitamente generosos. E no desejo desse absurdo balanço nós somos injustos com o próximo, e injustos com Deus."
(Patriotismo e Nacionalismo, in As Fronteiras da Técnica)
"No caso vertente, e para descobrir que as famílias estão funcionando mal, eu não preciso andar de porta em porta com um impertinente questionário. Basta-me observar a rua, os bondes, os cafés, para poder concluir que as casas já não retém as pessoas. A febre nas ruas prova a agonia das casas. E como a felicidade conjugal está vinculada à casa, ao equilíbrio, ao poder de retenção da casa, posso deduzir do aspecto publicado nas ruas as infelicidades escondidas nas casas."
(Amor, casamento, divórcio, A Ordem, fevereiro de 52)
"Quando se diz que o fim principal do casamento é a prole ou a fundação de uma célula social, não se pretende, de modo algum, que deva ser este o mais veemente desejo dos noivos, nem que contrarie a essência do estado conjugal quem dele se aproxime sem sentir arroubos de ternura pelas criancinhas que vão nascer. Com o risco de parecer contraditório, declaro que não veria com bons olhos o futuro genro que tivesse mais ternos sentimentos pela prole futura, ou pelo bem comum social, do que pela noiva. Seria até capaz de vetar tal casamento, na medida em que hoje pode um pai vetar alguma coisa. E se o moço viesse dizer que seguia nisso as minhas lições, seria obrigado a dizer-lhe, com a máxima sinceridade, que então — tenha paciência! — não entendeu nada.
"[...] Está na natureza das coisas começar o casamento pela exaltação amorosa recíproca, como também está na natureza das coisas vir a flor antes do fruto. E não se diga, por favor, que essas flores são ardis da natureza astuta e traiçoeira que assim pega desprevenidos os corações e as abelhas. Nem se diga que são ilusórios os idílios e as paixões. As flores e os amores são realidades que jorram da profunda e intrínseca generosidade do ser. Não pecam, pois, por individualismo os noivos que se amam de um modo esquecido de tudo, os noivos que se isolam numa ilha, in a kingdom by the sea..., e que põe a máxima ênfase nesse recíproco afeto ao se acercarem do altar."
(Um caminhar lado a lado, in Claro Escuro)
"Um encontro não se transforma em núpcias gradativamente e inevitavelmente; entre uma coisa e outra é preciso inserir um elemento decisivo.
Há um provérbio de aparência imbecil que diz assim: “Quem pensa não casa.” É costume ver nesse provérbio um encorajamento para se ficar, durante a vida inteira, fechado numa prudência burguesa. Pensar, nesse caso, quer dizer: calcular despesas, prever doenças, avaliar a liberdade perdida em confronto com os novos encargos contraídos. Quem pensar assim não casará; resta-lhe a sabedoria negativa do provérbio para consolo. Não casa, mas pensa. É livre e pensa; é uma espécie de livre-pensador.
Atrás desse sentido comodista, o provérbio encerra uma advertência e sugere que é melhor casar do que ficar pensando. Quando um sujeito, nos caprichos da vida, encontra moça que acha de sua afeição e que lhe corresponde, tem essa alternativa: escolher ou pensar. O escolher é precedido, evidentemente, de um certo pensar; é de toda prudência que se conviva com a moça, que se converse, que se observem umas tantas coisas, antes de decidir a escolha. O homem é dotado de razão também para casar e deve aplicá-la na justa medida.
A tarefa não é fácil. A moça se esconde atrás de certas manobras que, no dizer de muitos autores, lhe moram nas glândulas. O pretendente pode estar certo que ela mudará enormemente; não é assim como agora se ri que ela vai rir; não é disso que hoje chora que vai chorar. Seus gestos serão diferentes, sua forma se alterará, e sua própria voz, que tanto agrada hoje, será mais cheia e mais dura no difícil cotidiano. O mais atento leitor de um Bourget ou de um Montherlant se enganará redondamente se quiser fazer previsões psicológicas sobre a esposa escondida na noiva. Assim sendo, é justo que se pense e razoável que se cogite. Mas num certo ponto do conhecer é preciso decidir. Ou escolhe, abrindo mão nesse único ato de todas as outras moças, entregando-se totalmente, correndo todos os riscos, agüentando todas as conseqüências, querendo desde já no seu coração agüentá-las, tendo confiança, pelo pouco que sabe, no muito que desconhece, trocando generosamente o pouco pelo muito, empenhando a vida inteira a vir em cima de alguns meses que já passaram; ou então continua pensando. E se pensa não casa. Não casa porque pode passar a vida inteira pensando. Sondando; sopesando; excogitando. Conheço diversos casos assim, de namoros tristes que duraram mais de vinte anos: o noivo pensava. Num caso desses, em vez de festa de núpcias houve luto, porque o noivo morreu pensando... "
(Quem Pensa não Casa, in Descoberta do Outro)
"Existirá sempre esse problema, essa tensão entre os dois sexos. Como diz Chesterton, o homem e a mulher são de fato incompatíveis. Viverão sempre em dificuldades. Serão sempre dois estrangeiros cada um a falar mal o idioma do outro. Prolongarão indefinidamente esse duelo que leva as maiores santas a nos tratarem, pobres de nós, ora com astúcia, ora com provocação. Santa Escolástica, para iludir o rigor monástico de seu santo irmão, rezou pedindo uma chuva torrencial. Santa Teresa d’Ávila, espanhola e atrevida, dizia, pensando num diretor espiritual que fora injusto com uma de suas filhas: «Olhe que nós outras não somos assim tão fáceis de compreender». E a história de Heloísa e Abelardo não foi outra coisa senão uma contínua e ininterrupta esgrima de provocações.
"Essa tensão entre os dois pólos da humanidade não é um mal. O homem e a mulher podem viver, em honroso convívio, uma civilização, discutindo e brigando – como no matrimônio – desde que mantenham a honra do combate. É claro que o bom entendimento recíproco é bom. No casamento o bom entendimento, o paralelismo de gostos e opiniões, é uma coisa maravilhosa, mas não creiam que seja, como se diz, o elemento mais importante. No casamento, o decisivo é compreender bem, em tempo e contratempo, a natureza mesma do ato matrimonial, e a honra do novo estado. Enquanto essa bandeira estiver no mastro da nau familiar, pode chover e ventar, podem as ondas avolumarem-se em montanhas e cavarem-se em abismos, que a arca portadora desse casal, que Deus prefere a todos os outros casais, chegará ao monte da salvação. Não serão muito felizes os viajantes dessa tormentosa travessia, sem dúvida, mas chegarão. E numa travessia é isso o que importa."
(A Vocação da Mulher, in As Fronteiras da Técnica)
CASTELO BRANCO
"Em outra ocasião em que também o Presidente me honrou com um convite que também não pude aceitar, a conversa prolongou-se e eu queria perguntar-lhe uma coisa e dizer-lhe outra:
"— Posso perguntar uma coisa ao meu Presidente?
"Ele olhou-me com aqueles olhos profundos de que não me esquecerei e, pousando a mão no meu braço, disse-me:
"— Ao Sr. eu abrirei meu coração.
"E eu que dantes nunca entrara em palácios, que sou por vocação muito mais povo que fidalgo, embora admire a fidalguia dos que a sabem trazer, vi de repente naquele varão as duas coisas sem as quais não pode haver estadista: a pequenez da condição comum que nos irmanava, e a majestade de um verdadeiro Chefe de Estado designado por Deus. Saí do Palácio Laranjeiras indeciso nas minhas convicções republicanas."
(Castelo Branco, O Globo 20/07/72)
CATARINA DE SENA
"Lembrei-me de escrever estas linhas de homenagem à dolce mamma Caterina, porque ultimamente tenho pensado muito na moleza e tolerância dos tempos modernos, que nos mais altos lugares são apregoadas como virtudes máximas. Apeguemo-nos à adamantina dureza da santidade. Santa Catarina de Sena jamais abriria a boca, jamais emprestaria o seu sorriso de virgem ardorosa e pura para pronunciar essas melosas declarações de incondicional tolerância e falsa bondade. Catarina de Sena tinha ódios. Santa Catarina de Sena não saberia, jamais, fazer um programa de promoção do Reino de Deus naquele tom de amaciamento da vontade e de derrame sentimental. O que nos ensinam os santos, com palavras e obras, é que não basta o sentimento enternecido, nem basta traçar na areia a tênue linha que separa o bem do mal. O que nos ensinam os santos é que é preciso, resolutamente, entre os céus e os infernos, erguer muralhas de ódio e cavar abismos de amor. E o que nos ensina com particular insistência essa moça de vinte e poucos anos, Catarina, filha do tintureiro Benincasa, de Sena, é que devemos andar como os paladinos do Santo Sepulcro, entre duas cruzes, no peito e nas costas: a cruz do santo ódio e a cruz do santo amor. E é por isso que a Igreja, no dia de sua festa, dizia no Intróito da Missa: Dilexisti justitiam et odisti iniquitatem, fórmula que bem exprime o claro-escuro, ou melhor, o preto-e-branco da vontade bem polarizada pelos mandamentos de Deus."
(Catarina de Sena, O Globo 4/5/78)
Desde os primeiros anos de sua peregrinação na terra, "entre as aflições dos homens e as consolações de Deus", a Igreja sempre marcou uma especial devoção pelo Sangue de nossa salvação. Já o Apóstolo em Hebreus IX, 22 diz: "É com sangue que quase todas as coisas se purificam e sem efusão de sangue não há salvação".
Mas foi no tormentoso século XIV que Catarina de Sena, nas cartas e nas lições ditadas aos seus discípulos, pôs uma singular ênfase na riqueza de significações do Sangue, sim, uma ênfase marcante no Sangue! Transcrevemos a seguir algumas amostras de sua pregação colhidas ao acaso no livro Sainte Catherine de Sienne vous parle do Pe. S. Bezin O.P., ed. L´Abeille, Lyon, 1941: "Corramos, então, corramos todos cristãos fiéis, atraídos pelo odor do Sangue" (pág. 251). "Inebriemo-nos do Sangue de Jesus crucificado já que o temos ao nosso alcance. Não nos deixemos morrer de sede. Não nos contentemos com pouco, mas tomemos muito para nos embriagarmos e nos afastarmos de nós mesmos". "Nós não fomos resgatados por preço de ouro, nem somente por amor mas pelo Sangue". "Não há outra maneira de saciar o homem: somente neste Sangue poderá alguém se desalterar". "Este Sangue é nosso, foi derramado para nós, ninguém nô-lo pode tirar a não ser nós mesmos" (pág. 252).
Folheando o epistolário de Santa Catarina de Sena em seis volumes (Le Lettere di S. Catarina de Siena, Casa Editrice Marzocco, Firenze 1947) não resistimos ao desejo de transcrever mais este grito da Dolce Mama: "Caminho sobre o sangue dos mártires, o sangue dos mártires ferve e convida os vivos a serem fortes".
Tenho a firme convicção de que Santa Catarina de Sena falava com esta obsessiva insistência por uma razão muito simples e muito extraordinária: a vigésima terceira filha do tintureiro Benincasas via o Sangue do nosso Salvador em todos os sinais sagrados da Igreja. Quando por exemplo ela procurava seu confessor Frei Raimundo de Capua costumava dizer: "Vou-me ao Sangue".
(No Sangue, O Globo, 13/7/78)
CENTRO DOM VITAL
O Centro Dom Vital foi fundado para o apostolado da inteligência, e, portanto, para a atuação no plano em que muita gente imagina que a religião exige de nós uma piedosa abdicação das faculdades mentais. Ao contrário do "abêtissons nous", o Centro Dom Vital prega o afinamento da inteligência e a sua vivificação pela Fé.
(O Centro Dom Vital, DN 28/4/60)
CETICISMO
"O que mais entristece e irrita na atitude do cético em relação ao milagre não é a incredulidade, por teimosa que seja em face das evidências. De certo modo, eu diria que o homem católico mais depressa simpatiza com o incrédulo, com o homem que defende o reduto intelectual de qualquer rápido assentimento, do que com a credulidade fácil que traduz negligência intelectual. Se me permitem o paradoxo, direi que nós somos terrivelmente incrédulos, porque temos cristalizado e bem definido o nosso sistema de crenças. A rigor, o católico é o homem que não acredita numa imensidade de coisas em que todos acreditam. Não é pois a incredulidade que mais nos afasta do homem que não crê em milagres; é antes uma posição puramente intelectual e puramente metafísica, antes de ser uma atitude de Fé teologal. O homem que não acredita em milagres se apresenta geralmente como indivíduo mais racional, mais raciocinante e até mais razoável do que o homem que acredita. No íntimo, está convencido de ser mais inteligente ou pelo menos de ser mais fiel aos dados da pura inteligência contra as armadilhas dos dados emocionais. Ora, o que acontece é exatamente o contrário. O homem infenso ao mistério e ao milagre é justamente aquele que não tem olhos lavados para a profundidade do ser, para as riquezas da realidade, para o que há de extraordinário na simples existência do mais ordinário dos seres (...) Dizia Santo Agostinho que o hábito de ver embota a inteligência e torna vis as coisas. Essas almas rotineiras usam a parte cartesiana da razão, a parte quadriculada do espírito, e estão convencidas de que todo o espírito, toda a alma humana e toda a realidade do universo cabe no magro diagrama que não é senão o esqueleto do real. Não vêem o que o poeta chamou a lágrima das coisas, e que poderia ter chamado também o riso das coisas. Não vêem a novidade permanente de todos os seres contingentes pendurados na fonte viva que lhes garante a existência. Para o olhar do poeta, do metafísico e do místico não há senectude, não há repetição essencial e mecânica dum universo montado como imensa relojoaria: eles vêem a origem absoluta escondida, e vêem no frêmito da contingência uma perpétua ressonância do ato criador."
(O Centenário de Lourdes, A Ordem, Julho de 1958)
CHARLES MAURRAS
"Tomada como "movimento histórico", que realizava o mais vigoroso engajamento numa realidade nacional em movimento jamais visto, A. F. surgiu como adversário implacável da corrente revolucionária, que evoluiria rapidamente em direção ao marxismo. Concretamente, Charles Maurras opunha-se, atravessava-se no caminho de Marc Sangnier e dos sillonistas com a disposição marcial de Pétain em Verdum: "ON NE PASSE PAS".
("Estamos no século XX" in O Século do Nada)
"O fato é que Charles Maurras, dizendo-se um homem sem fé, e depois de uma literatura ostensivamente pagã e às vezes quase blasfematória, põe-se à frente de um movimento que defende a Igreja de todos os sucessivos ultrajes sofridos dos governos da república e congrega em torno de si os católicos mais sérios da França. O mundo católico inteiro sentiu a irradiação dessa alma poderosa, e aqui no Brasil Jackson de Figueiredo, fundador do Centro D. Vital, foi um maurrasiano fervoroso."
("Estamos no século XX" in O Século do Nada)
CHARLES PÉGUY
"Péguy, de fato, não freqüentou os sacramentos; e não os freqüentou por uma razão extremamente simples: porque morreu durante o processo de conversão. O que amamos nele é esse itinerário, longo, difícil, penoso, que ele percorreu com os olhos postos na Virgem Santíssima. Começou, esse singular convertido, por onde geralmente termina o filho pródigo: pelo culto de Nossa Senhora e pelo gosto da oração. Se nós víssemos um amigo querido, um irmão, seguir esse itinerário em direção à Igreja, rezando e honrando a mãe de Deus; se nós soubéssemos que esse amigo, ou esse irmão, tinha morrido com uma bala na testa, em defesa de sua honra, de sua pátria, e da verdadeira Rainha de França; e se nos contassem que na véspera da morte, esse amigo, ou esse irmão, tinha passado a noite a enfeitar de rosas um altar para a festa de Nossa Senhora; nós teríamos uma imensa esperança em sua salvação (...)
"O espetáculo que guardamos no coração e que não parece ter impressionado o sr. Mesquita Pimentel é este: um homem passa correndo numa pista difícil; um homem passa, cantando e rezando; um homem passa, levando a vida de seus filhos numa longa peregrinação; para entregar a quem de direito, a vida de seus filhos; e vai, e passa, e anda, e corre pelas terras da Normândia, vendo ao longe, afinal desenhar-se contra o céu a agulha fina e escura de uma catedral, onde os reis de França dormem, à espera da ressurreição. Vemo-lo passar, vemo-lo correr; rezando e cantando. De repente, em meio do caminho, quando o horizonte se cobre de nuvens escuras e estremecem as catedrais, vemos um vulto de pé, reto, varonil, estender os braços em cruz e cair, molhando com seu bom sangue, beijando em sua agonia, a antiga terra de mártires e de heróis...
Heureux ceux qui sont morts pour la terre charnelle
Mais pourvu que ce fût dans une juste guerre.
Heureux ceux qui sont morts pour quatre coins de terre.
Heureux ceux qui sont morts d'une morts solennelle.
Heureux ceux qui sont morts dans les grandes batailles,
Couchés dessus le sol à la face de Dieu.
Heureux ceux qui sont morts sur un dernier haut lieu,
Parmi tout l'appareil des grandes funérailles.
Heureux ceux qui sont morts pour des cités charnelles.
Car elles sont le corps de la cité de Dieu.
Heureux ceux qui sont morts pour leur âtre et leur feu,
Et les pauvres honneurs des maisons paternelles.
"Ora, depois disto, chega-nos o sr. Mesquita Pimentel, de roupa marrom e colarinho duro, para nos dizer secamente, com argumentos de corretor de seguros, que lamenta muito, mas que o nosso cliente morreu sem pagar sua última apólice."
(Respondendo a uma Provocação, A Ordem, Dezembro de 1947)
CHESTERTON
"Chesterton trouxe-me uma libertação, uma recuperação da infância, encheu-me da confiança que mais tarde, pela misericórdia de Deus, seria vestida de Esperança".
(A Descoberta do Outro, pág. 112)
"... posso dizer que há um pequeno equívoco a respeito da obra de Chesterton. Realmente, ela foi escrita sobre o homem da rua, mas não para ele. O autor inglês trata sempre do homem ordinário, mas dirige-se indiscutivelmente aos intelectuais, tentando convencê-los da vantagem imensa de tornarem a ser homens ordinários."
(A Descoberta do Outro, pág. 115)
CIÚME
"O ciúme puro, o ciúme congênito, não consiste numa falta de confiança; é antes uma avareza, que não pode tolerar que alguma coisa da mulher, sua figura, seu calor, seu perfume, possa ser atingida por um outro. Um contato causal numa cadeira de teatro basta para produzir nele uma angústia insuportável, ainda que tenha a certeza da sua casualidade e da sua inconseqüência. O ciúme puro não se alimenta de dramas; não tem história; não depende de um enredo. É uma tragédia seca, toda instalada no presente, na idéia de uma posse absoluta, como a do avarento. Pelo seu gosto, o ciumento desse puro ciúme esconderia a mulher, como o avaro esconde na terra o seu tesouro."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 101).
"Não. Otelo não foi avaro nem suspeitoso de Desdêmona. Otelo foi um crédulo, um grande e generoso confiante, que só representou, do drama do ciúme, as cenas de ira e da violência. Sua cólera teve a medida de sua confiança traída. Esse foi o seu drama. Qual é o ciumento que precisa da astúcia e da perfídia de um Iago? (...)
"O ciúme do curioso, do desconfiado (...) é dramático, inventivo, inquieto, urdidor, e dispensa qualquer intriga, porque ninguém melhor do que ele as fabrica. Dispensa os ardis, porque ninguém melhor do que ele os executa. E tem febre de esmiuçar, febre de saber, chegando a experimentar uma lívida satisfação ao ver confirmadas as suas suspeitas. E raramente castiga. Diante da evidência da traição, ele desfruta a mesma esquisita alegria intelectual que leva as pessoas mais compassivas a dizer "eu bem sabia..." quando vêem os seus presságios confirmados"
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 102-103).
COLETIVISMO
"O coletivismo de que morre o mundo e de vivem os novos aventureiros é a teoria do ajuntamento sem unidade; é a tentativa de encontrar significado na multidão, já que não se consegue descobrir o significado de cada um: é a conspiração dos que se ignoram; a união dos que se isolam; a sociabilidade firmada nos mal-entendidos; o lugar-geométrico dos equívocos."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 87).
COMUNISMO
" [...] deve ou não deve ser extirpado o comunismo do corpo da democracia, no qual figura como um fibroma?
"Deve. Deve ser extirpado, sem a menor dúvida (...) É portanto errado dizer que a democracia, como a entendemos, confere direitos a qualquer idéia se discutir e a qualquer doutrina arrolar adeptos. — Este indiferentismo moral é o grave erro do liberalismo, fulminado pela Igreja."
(Combate ao Comunismo, Editorial de "A Ordem", Janeiro de 1947)
"Há uma fórmula bondosa que parece muito cristã e que diz assim: combater o comunismo amando os comunistas. Esta fórmula é parcialmente verdadeira, mas carece de uma distinção justamente quando parece estar fazendo uma fina distinção. Na verdade podemos e devemos combater o comunismo combatendo os comunistas. O que se pretende dizer, com aquela disposição de amar os comunistas refere-se a pessoas como pessoas, e não às pessoas como comunistas. Rigorosamente falando não estamos obrigados em relação ao comunista como tal, mesmo porque é impossível combater praticamente o comunismo sem combater os comunistas e sem os detestar na medida em que são comunistas. Levando aquela fórmula a rigor, cairíamos no erro de reduzir nosso combate ao campo puramente doutrinário, de que já nos ocupamos. A luta tem de ser prática, e por conseguinte tem de se realizar num corpo a corpo onde aquela distinção se manifesta imperfeita. É claro que em qualquer fase da luta, em cada caso particular, nossa indignação estará pronta a se transformar em amizade cristã. Mas isso não pode constituir uma condição vaga, preliminar à luta.
Não devemos ter medo da justa indignação; da justa detestação. Devemos, ao contrário, ter medo dessa dulçurosa falta de combatividade que nos obriga a recuar para dentro das capelas. Nos evangelhos, a divina indignação não se dirige ao farisaismo, mas aos fariseus. É claro que cada homem mereceu o sangue do redentor e pode amanhã se tornar santo. O sr. Prestes poderá ser um santo. Isto é ponto de doutrina. Mas o que é claro também, de modo ofuscante, é que hoje o sr. Prestes é nosso adversário político e deve ser considerado como tal.
(...)
Passaram os tempos de doçuras; saibamos ser duros com justiça. E entreguemos a Deus nosso amor, para que dele disponha, e para que escolha quem virá amanhã ao nosso encontro."
("Combate ao Comunismo", A Ordem, Editorial, Janeiro de 1947)
CONFIDÊNCIAS
"Todos nós temos nossos santos prediletos, mais próximos segundo não sei que espécie de afinidade, ou talvez mais favoráveis por algum decreto de Deus para a comunhão dos santos. O fato é que os temos. Depois de Deus — tu solus altissimus... — depois da Virgem Santíssima e dos santos apóstolos, começa então a lista caprichosa dos afetos sobrenaturais de cada um. Não escondo a minha, onde o leitor em vão procurará a razão que também não encontrei de tal predileção. Ei-la: Santo Tomás, São Bento, Santa Perpétua, Santa Catarina de Sena, São João Cancio, Santa Bernardete, Santo Cura d'Ars, Santa Teresa d'Avila, São Francisco e São Pio X, o mais próximo na data de canonização e o mais importunado para que interceda no céu, como trabalhou na Terra, em defesa da Fé e da Igreja peregrina. Vou mais longe na confidência: trago sempre comigo, no bolso da camisa, em cima do coração, uma medalha do grande e Santo Papa, e tenho no missal uma imagem e uma oração."
(São Pio X, in O GLOBO, 21/8/69)
"Nos dias que se seguiram, lembro-me bem, eu não podia passar quinze minutos sem pensar no santo nome de Deus. Era um assédio, um atropelo, era uma verdadeira perseguição que me acuava contra o altar. Uma onda de mérito de todos os santos, um vento de todas as orações, puxava-me o chão em baixo dos pés. E eu não sabia que o silencioso mover de lábios de toda a cristandade cuidava de mim, dizia um segredo que me interessava, como os cochilos de gente grande nas vésperas de Natal, quando eu era pequenino..."
(Nas portas de um Reino, in A Descoberta do Outro)
CONTRADIÇÕES DO HOMEM
"Aí está nessa esplêndida imagem a figura do homem: um ser capaz de galopar em todas as direções. Em outras palavras, o homem, como o vemos, na situação em que está, é o mais evasivo dos seres. Sua explosiva natureza, composta de espírito e matéria, isto é, de fogo e pólvora, já deixaria entrever, em abstrato, que sua história não seria cômoda. Sua natureza é tão aventurosa, que parece melhor realizar-se quando rompe seus próprios limites e se ofende a si mesma.
"Não admira muito que, na origem de nossa história, a integridade de tão explosiva natureza e a observância de tão dinâmicos limites precisassem apoio num pacto de sagrada obediência. Ora, essa obediência foi uma vez quebrada, os diques do pacto rompidos, e a humanidade precipitou-se pelos vales da história como uma avalanche. E nós vemos passar em tumulto esses estranhos seres crivados de contradições, capazes de desejar com ardor aquilo mesmo que fere a sua própria natureza, capazes de assaltar e pilhar o próprio domicílio, capazes de morder o próprio coração."
("O valor da vida", in As Fronteiras da Técnica)
COTIDIANO
"A vida só é cristã quando tudo pesa na balança da eternidade, e por isso a mesa do trabalho, ainda do mais obscuro trabalho, que não é nada, menos do que nada, se pretende ser uma atividade salvadora do mundo, é muito e pesa, se significa a aceitação da tarefa diária, a entrega do cotidiano, a preparação de um ofertório. Evidentemente, fazem-se nessa mesa coisas sem brilho e sem festa e ninguém cairá em êxtase diante dum memorando. Mas a vida não é só festa, nem mesmo para os filhos de Deus e aos pés de Deus, porque ainda temos que caminhar um pouco de tempo carregando a cruz de Nosso Senhor.
"Não adianta nada evitar o realismo cotidiano e banal com a espera de situações ideais, dum emprego apostólico, duma ocupação heróica, duma noiva total e perfeita, porque é bem possível que essas coisas não existam. Aliás, essa idéia de aguardar coisas que pesem, que valham realmente a pena de nosso esforço, é uma impertinência e uma presunção. Caíram nisso homens muito piedosos como aqueles que São Cipriano exortava: atacados duma prosaica peste, achavam ruim porque já haviam decido, cada um no seu foro íntimo, que queriam ser mártires... Esse escrúpulo de levar a sério um orçamento ou um horário, essa preocupação de ser despreocupado, também traduz um desejo de ser cada um o próprio autor dos acontecimentos ou então uma displicência boêmia em relação ao fluxo de fatos reais que nos vêm ao encontro cada dia."
("Ainda um pouco de Tempo", in A Descoberta do Outro)
CRISE DA IGREJA
"Sim, é cruel demais ter de explicar, ou tentar explicar o que acontece em nossa Igreja. Na verdade ainda não medimos bem a extensão de nossa desgraça. Mais do que nunca, a Igreja, que conheci jovem e bela como a mais bela das filhas de Jerusalém, nos aparece como uma pessoa viva, preciosa em sua carne e em sua alma, preciosa para o mundo, carregada de promessas, de dons, de beleza, de doçura e agora ferida, caída no chão, indizivelmente humilhada, a esmolar de seus filhos uma gota de piedade...
"A impressão que todos nós sentimos, todos nós que a amamos e há tantos séculos a vemos sempre virgem e sempre bela, e sempre moça, é a de que Ela foi traída por todos os lados. Essa idéia corresponde sem dúvida à realidade, desde que se dê à palavra traição um sentido muito mais extenso, mais complexo, e ao mesmo tempo muito mais doloroso e menos carregado de intenções criminais do que se costuma dar. É um sentido mais profundo e mais antigo... E também desde que de todas as traições de que falo só de uma tenha uma certeza íntima e indiscutível, uma certeza experimentada que, com a graça de Deus por Ela mesma servida, ao filho ingrato lhe dá forças para cair de joelhos e chorar..."
("Encruzilhada de Traições" in O Século do Nada")
"A história da Igreja será necessariamente uma imitação da história de Cristo. Teve sua infância obscura, teve o massacre dos inocentes, teve um período de construção e consolidação da doutrina da Salvação. Teve durante mil anos o domingo de Ramos. Entrou depois em quatro séculos de Gethsemani. E agora terá não sei quantos milênios de flagelação.
Estamos no começo do segundo mistério doloroso. O Corpo Místico de Cristo é insultado, chicoteado, cuspido. E a mais bela das casas expõe aos viandantes um deplorável aspecto de desolação e ruína. Virão depois os milênios da coroa de espinhos, os milênios do caminho da cruz e os milênios da crucificação. O que não é admissível – mas foi longamente admitido por equívoco – é a confortável e rotineira instalação da Igreja no Mundo. E o que também não é admissível é que a promessa de que não prevalecerão as portas do Inferno se aplique aos Suíços do Vaticano, aos paramentos e à cor das meias dos prelados. Entre as notas essenciais da Igreja sabemos que sua santa visibilidade foi desde o início concebida por Deus, mas também sabemos que a Igreja não é visível em todas as suas partes, nem é sempre visível em todos os momentos naquelas partes em que se concentra o fulgor de sua visibilidade.
Preparemo-nos, sem ilusões, sem apegos, e sem medo, ao dia do grande eclipse."
("Um Otimismo Descabido", O Globo, 02/12/1972)
"Miséria, dolência, fraqueza, tudo isto se entende, ou se admite sem se entender, ou se entende sem se admitir — tudo isto constitui o imenso pátio dos milagres que é o campo do Cristo neste mundo; mas inimigos? inimigos militantes? inimigos atuantes, de consciente hostilidade, dentro da Igreja?... Eis o que nos parece um exponencial e hiperbólico abismo dos abismos do mal.
[...] Um eclesiólogo rigoroso poderá, das próprios palavras do Evangelho, deduzir a falta de homogeneidade entre o joio e o trigo, e concluir que esses inimigos realmente só para efeito visível de sua odiosa tática estão dentro do recinto da Igreja, mas não estão dentro de sua substância santa. o contato que têm com a Igreja não é o dos pecadores que pensam no regaço materno e chegam a manchar o seu manto; é um contato mais íntimo: o que tiveram os flageladores com a Carne santíssima de Jesus Nosso Senhor."
(Editorial, Permanência no. 27, Dez de 1970)
"O que é particularmente penoso, ou particularmente repugnante, é o tom de superioridade, o ar inteligente e adiantado com que esses relapsos criticam os tempos em que a cristandade detestava e castigava heresias, e a Igreja pronunciava anátemas. Esses senhores progressistas não chegam e não chegarão jamais a compreender que, em favor de uma cordial permissiveness para seqüestradores, comunistas, autores de burríssimas fichas catequéticas etc. etc, eles deixaram de apreciar o valor das coisas de Fé."
(A Casa de Tolerância, O Globo, 13/2/1971)
"Peço ao leitor a paciência de suportar a insistência com que bato na mesma tecla: o nervo de toda a subversão e de toda a agitação que se observa hoje no mundo católico, especialmente no clero, é o da contestação do Mandamento honrarás pai e mãe".
("O 4o. Mandamento", Permanência no. 59)
"Não posso hesitar em meu testemunho, já que a isto se reduz tudo o que me cabe neste resto de vida. Deus o quer. Já tenho dito mais de uma vez que professo a Religião Católica e que, em muita algaravia que vem de Roma ou das Conferências Episcopais, e agora do Sínodo, eu mais ouço os relinchos do Cavalo de Tróia do que a voz de minha Mãe e Mestra; continuo tranqüilamente, e peço a Deus que me renove todos os dias a mesmíssima Fé, continuo a crer na Igreja de Cristo, depositária e distribuidora da doutrina da Salvação; continuo a pensar que é essa mesma doutrina que deve ser ensinada a jovens e velhos, para que se salvem; continuo a pensar, em termos de Fé e de senso comum, que os pais, padres e arcebispos devem diligentemente dizer aos moços que com Deus não se brinca e que a salvação da alma deve ser o principal cuidado de sua vida. Conseqüentemente, não é de admirar que eu continue a seguir o conselho de S. Paulo aos Gálatas: a quem fizer profissão pública de outra doutrina, direi: anathema sit. Ou então, em vernáculo: não seja idiota!"
("A Salvação das Almas", Permanência, no. 74)
CRISE DE ESCOLHAS
"Ora, é fácil mostrar que a sociedade moderna, na grave crise que atravessa, parece ter esquecido essa pequena regra elementar das escolhas nítidas. Quem casa, continua muitas vezes a viver como se não se tivesse casado; quem estuda medicina não afasta de si muitas vezes a idéia de fazer disto um negócio; quem cinge a espada não deixa de espreitar, muitas vezes, as menores oportunidades de ocupar cargos civis. Não discuto aqui as causas. Vejo somente o fato bruto: a todos nós, homens deste século e desta cultura mórbida, repugna a escolha."
("O valor da vida", in As Fronteiras da Técnica)
"O mundo é um anárquico depósito, uma loja monumental onde a gente compra estrelas e flores para a festa silenciosa e recatada no recesso da alma. Não é assim que fazem os escultores, quando arrancam o barro do chão e o trazem para o encontro do amor? Não é assim, por exclusão, por ablação, que o poeta destaca o que quer do anônimo e bulhento reservatório comum? O importante, na poesia e na vida, é a escolha; e por conseguinte a recusa. A poesia é uma greve, um protesto, como o que fazem os límpidos cristais, com suas intolerantes arestas, no seio opressivo da montanha. Ninguém rejeita tanto como o poeta, e como o apaixonado."
(Lições de Abismo, 15a. edição, Agir, pág. 35).