O segundo discute-se assim. — Parece que neste sacramento quantidade dimensiva do pão e do vinho não é o sujeito dos outros acidentes.
1. — Pois, não há acidente de acidente, porque nenhuma forma pode ser sujeito, por ser próprio da matéria o estar sujeita. Ora, a quantidade dimensiva é um acidente. "Logo, a quantidade dimensiva não pode ser o sujeito dos outros acidentes.
2. Demais. — Assim como a quantidade se individua pela substância, assim também os outros acidentes. Se, portanto a quantidade dimensiva do pão e do vinho permanecer individuada no ser que antes tinha, no qual se conserva, pela mesma razão também os outros acidentes permanecem individuado no ser que antes tinham na substância. Logo, não estão na quantidade dimensiva como sujeito, pois, todo acidente se individua pelo seu sujeito.
3. Demais. — Entre os outros acidentes do pão e do vinho remanescentes, os nossos sentidos aprendem também a rarefação e a condensação. Os quais não podem existir na quantidade dimensiva existente fora da matéria, pois, rarefeito é o que tem pouca matéria, sob grandes dimensões, e condensado, o que tem muita matéria, sob pequenas dimensões, como diz Aristóteles. Logo, parece que a quantidade dimensiva não pode ser sujeito dos acidentes remanescentes neste sacramento.
4. Demais. — A quantidade separada do sujeito é a quantidade matemática, que não é sujeito de qualidades sensíveis. Ora, os acidentes remanescentes, neste sacramento sendo sensíveis, parece que não podem estar, como no sujeito, na quantidade do pão e do vinho, remanescente depois da consagração.
Mas, em contrário, as qualidades não são divisíveis, senão por acidente, isto é, em razão do sujeito. Ora, as qualidades remanescentes neste sacramento são susceptíveis das divisões da quantidade dimensiva, como os nossos sentidos o revelam. Logo, a quantidade dimensiva é o sujeito dos acidentes remanescentes neste sacramento.
SOLUÇÃO. — É forçoso admitir que os outros acidentes remanescentes neste sacramento têm como sujeito a quantidade dimensiva do pão e do vinho, que permanecem. Primeiro, porque os nossos sentidos aí percebem um ser colorido e afetado pelos outros acidentes, e nisso não se enganam. Segundo, porque a primeira disposição da matéria é a quantidade dimensiva; por isso disse Platão que as diferenças primeiras da matéria são o grande e o pequeno. E sendo a matéria o sujeito primeiro, resulta por consequência, que todos os outros acidentes se referem ao sujeito, mediante a quantidade dimensiva, sendo assim que dizemos ser a superfície o sujeito da cor. Donde veio o terem certos considerado as dimensões como as substâncias dos corpos. E como, desaparecido o sujeito, permanecem os acidentes com o ser que antes tinham é consequente que todos os acidentes remanescem, fundados na quantidade dimensiva.
Terceiro, porque, sendo o sujeito o princípio da individuação dos acidentes, necessàriamente será de algum modo princípio de individuação de certos acidentes o que é considerado sujeito deles. Pois, é da essência do indivíduo não poder existir em vários seres. Por duas razões. Primeiro, por lhe não ser natural existir em outro ser; e deste modo as formas imateriais separadas e por si subsistentes se individuam por si mesmas. Segundo, porque apesar de à forma substancial ou a acidental lhe ser natural existir em outro ser, contudo não lhe é natural existir vários; tal uma determinada brancura de um determinado corpo. Ora, quanto ao primeiro modo, a matéria é o princípio de individuação de todas as formas que a ela se unem. Pois, sendo natural a essas formas, por essência, existirem em outro ser como no sujeito, no qual uma delas é recebida na matéria, que não é unida a outro ser, por isso mesmo também não pode unir-se a outro ser essa forma assim existente. Quanto ao segundo modo, devemos dizer que o princípio de individuação é quantidade dimensiva. Pois, o que toma um ente naturalmente existente em um s6 jeito é o ser em si mesmo indiviso e dividido em todos os outros. Ora, a divisão recai sobre a substância em razão da quantidade, como ensina Aristóteles.
Por onde, a quantidade dimensiva é um determinado princípio de individuação, nessas formas; isto é, enquanto formas numericamente diversas estão unidas a partes diversas da matéria. Por isso, também a quantidade dimensiva tem, em si mesma, uma certa individuação, de modo que podemos imaginar várias linhas da mesma espécie diferentes pela posição, resultante da quantidade; pois, a dimensão não é mais do que uma quantidade dotada de posição. Por onde, a quantidade dimensiva pode, antes, ser o sujeito dos outros acidentes, que ao inverso.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Um acidente não pode por si ser sujeito de outro; pois, não existe por si mesmo. Mas, enquanto existente em outro ser, dizemos que um acidente é sujeito de outro, quando este é recebido pelo sujeito, mediante aquele; neste sentido dizemos que a superfície é o sujeito da cor. Por onde, quando Deus faz um acidente existir por si, pode também ser ele por si o sujeito de outro.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Os outros acidentes, mesmo enquanto estavam na substância do pão, eram individuados mediante a quantidade dimensiva, como dissemos. E assim, é antes a quantidade dimensiva o sujeito dos outros acidentes remanescentes neste sacramento, do que inversamente.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O rarefeito e o condensado são certas qualidades resultantes dos corpos, quando têm muita ou pouca matéria, em determinadas dimensões; assim como também todos os outros acidentes resultam dos princípios da substância. Por onde, assim como, desaparecida a substância, por virtude divina se conservam os outros acidentes, assim também, desaparecida a matéria, por virtude divina se conservam as qualidades dela resultante, como a rarefação e a condensação.
RESPOSTA À QUARTA. — A quantidade matemática não abstrai da matéria inteligível, mas da sensível, como diz Aristóteles. Ora, matéria sensível se chama a que é sujeito de qualidades sensíveis. Por onde é manifesto, que a quantidade dimensiva, remanescente neste sacramento sem sujeito, não é a quantidade matemática.