O primeiro discute-se assim. — Parece que os acidentes não remanescem neste sacramento, sem sujeito.
1. — Pois, este sacramento da verdade nada deve ter de desordenado ou de enganoso. Ora, existirem acidentes sem sujeito é contra a ordem das coisas, que Deus infundiu na natureza. Logo, parece que supõe uma certa falácia, pois, os acidentes são os sinais da natureza do sujeito. Portanto, não há neste sacramento acidentes sem sujeito.
2. Demais. — Não pode, mesmo milagrosamente, a definição de uma coisa separar-se dela, ou a definição de uma convém a outra; por exemplo, não é possível um homem, enquanto tal, ser animal irracional. Pois, dai resultaria a existência simultânea dos contraditórios, pois, o que significa o nome de uma coisa é a sua definição, como diz Aristóteles. Ora, o acidente, por definição, deve existir em um sujeito; e a substância, por definição existe por si e não em um sujeito. Logo, não pode dar-se miraculosamente, que neste sacramento existam acidentes sem sujeito.
3. Demais. — Um acidente se individua pelo seu sujeito. Se portanto os acidentes permanecem sem sujeito, neste sacramento, não serão individuais, mas universais. O que evidentemente é falso, porque então não seriam sensíveis, mas apenas inteligíveis.
4. Demais. — Os acidentes, pela consagração deste sacramento, não são susceptíveis de nenhuma composição. Ora, antes da consagração, não eram compostos nem de matéria e forma, nem de essência e existência. Logo, também depois da consagração, não tem nenhuma dessas composições. O que é inadmissível, porque então seriam mais simples que os anjos, apesar de serem esses acidentes sensíveis. Logo, os acidentes não permanecem, neste sacramento sem sujeito.
Mas, em contrário, Gregório diz: As espécies sacramentais são as denominações do que antes fora pão e vinho. E assim, não remanescendo a substância do pão e do vinho resulta que tais espécies não tem sujeito.
SOLUÇÃO. — Os acidentes do pão e do vinho, que os sentidos apreendem como remanescentes neste sacramento, depois da consagração, não têm como sujeito a substância do pão e do vinho, que não permanece, como dissemos. Nem tão pouco a forma substancial, que não permanece; e se permanecesse, não poderia ser sujeito, como está claro em Boécio. Também é manifesto que tais acidentes não têm como sujeito a substância do corpo e do sangue de Cristo; porque a substância do corpo humano de nenhum modo pode ser afetada por esses acidentes. Nem é possível que o corpo de Cristo, na sua existência gloriosa e impassível, se altere para receber tais qualidades.
Certos porém dizem, que têm como sujeito o ar circunstante. - Mas isto não pode ser. Primeiro, por não ser o ar susceptível de tais acidentes. - Segundo, por não estarem esses acidentes onde está o ar; ao contrário, o movimento dessas espécies o expulsa. - Terceiro, porque os acidentes não passam de um sujeito para outro, isto é, de modo que um acidente, numericamente o mesmo, existente primeiro em um sujeito, venha depois a existir em outro. Pois, um acidente recebe do seu sujeito a unidade numérica. Por onde, não é possível, permanecendo numericamente o mesmo, estar ora em um sujeito, ora em outro. - Quarto, porque o ar, não podendo então os seus acidentes próprios, teria simultaneamente os próprios e os alheios. - Nem se pode dizer que isso se opera miraculosamente em virtude da consagração; porque as palavras da consagração não significam tal, e contudo não obram senão o que significam. Donde se conclui que os acidentes remanescem neste sacramento, sem sujeito. O que pode ser feito pelo poder divino. Ora, o efeito, dependendo mais da causa primeira que da causa segunda, Deus, causa primeira da substância e dos acidentes, por seu poder infinito pode conservar a existência do acidente, subtraindo-lhe a substância que lhe dava a existência, como causa própria dela. Assim como também pode Deus produzir os outros efeitos das causas naturais, sem as causas naturais; tal o corpo humano, que formou no ventre da Virgem, sem o sêmen viril.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Nada impede ser um ente ordenado segundo a lei comum da natureza, e o seu contrário sê-la segundo um especial privilégio da graça. Tal o que se dá com a ressurreição dos mortos e com a iluminação dos cegos. Pois, também na ordem humana, certas vantagens são concedidas a uns por especial privilegio, fora da lei comum. E assim, embora a ordem comum da natureza exija que o acidente exista no seu sujeito, contudo por uma razão especial, segundo a ordem da graça, os acidentes existem neste sacramento, sem sujeito, pelas razões supra-aduzidas.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O ser, não sendo um gênero, não pode em si mesmo ser a essência da substância ou do acidente. Não é, pois, a definição da substância - ser, por si, sem sujeito, nem a definição do acidente - ser existente num sujeito. Mas à quididade ou à essência da substância é que cabe ter o ser independente de um sujeito. A qüididade porém ou à essência do acidente é próprio existir num sujeito. Ora, neste sacramento não se diz que haja acidentes que, em virtude da sua essência, não estejam num sujeito, senão só por ação do poder divino. Por isso não deixam de ser acidentes, pois nem deles se separa a definição do acidente, nem lhes cabe a definição da substância.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Os acidentes em questão adquiriram o ser individual na substância do pão e do vinho; convertida esta porem no corpo e no sangue de Cristo, remanescem, por virtude divina, os acidentes no ser individuado que antes tinham. Por onde, são particulares e sensíveis.
RESPOSTA À QUARTA. — Os acidentes em discussão, enquanto permanece a substância do pão e do vinho, não existem por si mesmos, nem os outros acidentes, mas os sujeitos deles é que tinham por si mesmos, tal ser. Assim, a neve é branca pela brancura. Mas depois da consagração, os acidentes remanescentes têm eles próprios o ser. Por isso são compostos de essência e de existência, como dissemos na Primeira Parte, ao tratar dos anjos. E, com isso, têm a composição quantitativa das partes.