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Creio na Santa Igreja Católica

125 — Observamos que em cada homem há uma só alma e um só corpo, mas muitos membros. Assim também a Igreja Católica é um só corpo com muitos membros. A alma que vivifica este corpo é o Espírito Santo1. Por isso, após a profissão de fé no Espírito Santo é determinado que creiamos na Santa Igreja Católica. Donde este artigo do Símbolo — Creio na Santa Igreja Católica.

A respeito desse assunto, deve-se considerar que a palavra Igreja significa Congregação. Igreja Santa, pois, é o mesmo que congregação dos fiéis. Cada cristão é como um membro desta Igreja, conforme se lê: “Aproximai-vos de mim, ó ignorantes, e congregai-vos na casa da instrução” (Ecl 51, 31).
 
Essa Igreja Santa tem quatro características: ela é una, é santa, é católica, isto é, universal, e é forte e firme.
 
126 — Com relação à primeira característica, deve-se esclarecer que muitos hereges criaram diversas seitas, mas eles não pertencem à Igreja porque estão divididos em partes. A Igreja, porém, é una. Lê-se nos Cânticos: “Una é a minha pomba, a minha perfeita” (Ct 6, 8).
 
A unidade da Igreja é resultante de três causas.
 
127 — Primeiro, da unidade da fé. Todos os cristãos que estão no corpo da Igreja crêem nas mesmas verdades. Lê-se: “Dizei a todos a mesma coisa, e não haja cisões entre vós” (1 Cor 1, 10); “Um Deus, uma só fé, um só batismo” (Ef 4, 4).
 
128 — Segundo, da unidade de esperança, porque todos firmam-se numa só esperança de alcançar a Vida Eterna. Diz o Apóstolo: “Um só corpo e um só espírito, porque fostes chamados na esperança da vossa vocação” (Ef 4, 4).
 
129 — Terceiro, da unidade de caridade, porque todos estão congregados no amor de Deus, e, entre si, pelo mútuo amor. Lê-se: “A caridade que me destes, eu lhes dei, para que sejam um, como nós somos um”. (Jo 17, 22).
 
Este amor, se é verdadeiro, manifesta-se também quando os membros são solícitos e compassivos uns para os outros. Lê-se: “Cresceremos em todas as coisas pela caridade d’Aquele que é a Cabeça, o Cristo. É por Ele que o corpo inteiro, coordenado e unido, em todas as suas junturas, opera o seu crescimento orgânico, segundo a atividade de cada uma das partes a fim de se edificar na caridade” (Ef 4, 15-16). Assim, cada um, conforme a graça recebida de Deus, deve servir ao próximo.
 
130 — Por esse motivo, ninguém tenha por coisa desprezível ser rejeitado por esta Igreja, ou permitir que seja dela afastado. Realmente, não há senão uma Igreja na qual todos os homens se salvam, como também, antigamente, ninguém podia salvar-se fora da arca de Noé2.
 
131 — Com relação à segunda característica, deve-se observar que há uma congregação, mas dos maus, conforme se lê nos Salmos: “Odiei a Igreja dos Malfeitores” (Sl 25, 5). Mas esta é má, enquanto a Igreja de Cristo é Santa.
 
Lê-se: “O templo de Deus, que sois vós, é santo” (1 Cor 3, 17). Por isso o Símbolo acrescenta: Santa Igreja.
 
Por três motivos os fiéis são santificados na Igreja.
 
132 — Primeiro porque, assim como a Igreja é consagrada e materialmente lavada, os fiéis são também purificados pelo sangue de Cristo, conforme se lê: “Amou-vos e lavou-vos dos pecados no seu sangue” (Ap 1, 5); e, “Jesus, para santificar pelo seu sangue o seu povo, sofreu fora da porta da cidade” (Heb 13, 12).
 
133 — Segundo, devido à unção. Assim como a Igreja é ungida, os fiéis são também ungidos pela unção espiritual, para serem santificados. Se não tivessem sido ungidos, não poderiam ser chamados de cristãos, porque Cristo quer dizer ungido. Esta unção é a graça do Espírito Santo. Lê-se: “Deus que nos ungiu” (2 Cor 1, 21); e, “sois santificados no nome de Nosso Senhor Jesus Cristo” (1 Cor 6, 11).
 
134 — Terceiro, devido à habitação da Trindade3, porque onde quer que Deus habite, este lugar é santo. Lê-se: “Verdadeiramente este lugar é santo” (Gn 28, 10); e, “A vossa casa é de santificação” (Sl 42, 5).
 
135 — Deve-se acrescentar um outro motivo, isto é, a invocação de Deus. Lê-se: “Senhor, habitais entre nós, e o Teu nome foi invocado sobre nós” (Jr 14, 5).
 
136 — Devemos ter todo o cuidado para que, após esta santificação, não manchemos nossa alma pelo pecado, pois ela é o templo de Deus. Lê-se: “Se alguém violar o templo de Deus, Deus o perderá” (1 Cor 3, 17).
 
137 — Acerca da terceira característica da Igreja, devemos saber que ela é católica, isto é, universal, por três motivos: o primeiro, refere-se ao lugar, porque ela está espalhada por todo o mundo, mas os donatistas afirmam o contrário4. Lê-se na Carta aos Romanos: “A vossa fé é proclamada por todo o universo” (Rom. 1, 8), e, em S. Marcos, “Ide por todo o universo e pregai o Evangelho a toda criatura” (Mc 16, 15). Anteriormente Deus era conhecido só na Judéia, agora, porém em todo o mundo.
 
A Igreja é constituída de três partes: uma, na terra; outra, no céu, e a terceira no purgatório.
 
138 — A Igreja é Universal, em segundo lugar, devido à condição dos homens que dela fazem parte, porque nenhum deles é rejeitado: nem senhor, nem servo, nem homem, nem mulher. Lê-se: “Não há agora... nem judeu, nem gentio; nem escravo, nem homem livre; nem homem, nem mulher, mas não sois senão um só em Jesus Cristo” (Gl 3, 28).
 
139 — Finalmente a Igreja é universal com relação ao tempo. Alguns disseram que a Igreja deveria perdurar por determinado tempo somente. Mas isso é falso. Esta Igreja começou no tempo de Abel e durará até o fim dos séculos. Disse Cristo: “Estarei convosco todos os dias até a consumação dos séculos” (Mt 28, 20) 5.
 
140 — Quanto à quarta característica, sabemos que a Igreja é firme. Uma casa é chamada de firme quando, antes de tudo, está sobre bons alicerces. Ora, o principal fundamento da Igreja é Cristo, conforme afirma o Apóstolo: “Ninguém poderá por outro fundamento senão o que já foi posto, que é Jesus Cristo” (1 Cor 3, 11). O fundamento secundário são os Apóstolos e a doutrina deles. Por esse motivo ela é também firme. Está escrito no livro dos Apocalipse que a cidade tem doze fundamentos, e que neles estavam escritos os nomes dos doze Apóstolos (cf. Ap 21, 14). Eis porque também se diz que a Igreja é apostólica. Para mais bem significar a firmeza da Igreja, S. Pedro foi chamado o seu chefe.
 
141 — Verifica-se, em segundo lugar, a firmeza da Igreja, porque se ela for abalada, não poderá ser destruída. A Igreja jamais poderá ser destruída. Não a destruíram os perseguidores. Pelo contrário, ela cresceu ainda mais durante as perseguições, e os que a perseguiram, bem como os que ela combatia é que tombaram. Lê-se: “O que cair sobre esta pedra, quebrar-se-á; sobre quem ela cair, será esmagado” (Mt 21, 44).
 
Os erros não a destruíram. Pelo contrário: quanto mais os erros proliferavam, tanto mais era a verdade manifestada. Lê-se: “Os homens de espírito corrompido, pervertidos na fé, mas não irão além” (2 Tm 2, 8).
 
Nem as tentações do demônio a destruíram. A Igreja é como uma torre na qual se refugia todo o que luta contra o diabo. Lê-se: “É uma torre fortíssima, a casa do Senhor” (Pr 18, 10). Por isso, acima de tudo, o diabo se esforça para destruí-la, mas não prevalecerá, porque está escrito: “E as portas do inferno não prevalecerão contra ela” (Mt 16, 8). É a repetição do que já foi falado por Jeremias: “Lutarão contra si, mas não prevalecerão” (Jr 15, 20).
 
Eis porque só a Igreja de Pedro (a quem couber pregar o Evangelho por toda a Itália) sempre foi firme na fé. Enquanto em outros lugares não existe a fé, ou existe misturada com muitos erros, a Igreja de Pedro permanece na fé, e está purificada dos erros. Isso não pode ser motivo de admiração, porque o Senhor mesmo disse a Pedro: “Roguei por ti, para que tua fé não desfaleça” (Lc 22, 32) 6
 

  1. 1. Está aqui esboçada a doutrina do Corpo Místico de Cristo, expressão que define a Igreja de modo mais perfeito. Assim escreve Pio XII na monumental Encíclica “Mystici Corporis Christi”: “Para definir e descrever esta verdadeira Igreja de Cristo... nada há mais nobre, nem mais excelente, nem mais divino do que o conceito expresso na denominação “Corpo Místico de Cristo”; conceito que imediatamente resulta de quanto nas Sagradas Letras e nos escritos dos Santos Padres freqüentemente se ensina”. Nesta Encíclica, conforme o Pe. Maurilio Penido (“O Corpo Místico”, Vozes, 1944, pág. 147), o Papa, ao definir a Igreja como Corpo Místico de Cristo, o faz, infalivelmente, sendo, portanto, essa definição de Igreja dogma de fé. Neste texto de S. Tomás não usa o termo místico como qualificativo de corpo. O termo não estava ainda consagrado pela teologia. Se-lo-á definitivamente pela Bula Unam Sanctam, de Bonifácio VIII (cfr. Maurilio Penido, o.c., pg. 95). Contudo, o Doutor Angélico na Suma Teológica (em parte escrita contemporaneamente a este Sermão) já apresenta o essencial da doutrina do Corpo Místico: “Os membros do corpo natural coexistem todos ao mesmo tempo, mas não assim os membros do Corpo Místico, e esta é a diferença que existe entre o corpo natural e o Corpo Místico da Igreja. Podemos considerar a não coexistência simultânea, quer com relação ao ser natural (a Igreja, com efeito, é constituída pelos homens que existiram desde o princípio do mundo até ao fim), quer com relação ao ser da graça (pois entre os membros da Igreja que vivem no mesmo tempo, há os que não possuem a graça, mas a possuirão, e há os que estão privados da graça, mas já a possuíram. Assim deve ser considerados como membros do Corpo Místico não só os que o são em ato, mas também os que o são em potência” (S.T. III, 8, 3 c).
  2. 2. A falsa compreensão da doutrina da salvação dos infiéis pode levar a práticas impróprias do ecumenismo, abandonando-se o apostolado por se considerar que as outras religiões são meios determinados por Deus para a salvação dos que a elas pertencem.
  3. 3. Há na alma do cristão em estado de graça uma presença especial de Deus que se chama “habitação”. Essa nova presença é assim explicada por S. Tomás: “Há um modo comum segundo o qual Deus está em todas as coisas por essência, presença e potência, como a causa está nos efeitos que participam de sua bondade. Além desse modo comum, há um outro especial que convém à criatura racional no qual se diz que se encontra Deus como o objeto conhecido naquele que o conhece, e o amado, no que ama. Como a criatura racional, conhecendo e amando, alcança por sua operação ao próprio Deus, conforme este modo especial não só se rediz que Deus está na criatura racional, mas também que nela habita como no seu templo. Por conseguinte, nenhum outro efeito que não seja a graça santificante pode ser razão de que a Pessoa Divina esteja de um modo novo na criatura racional” (S.T. I. 43, 3 c.). João de S. Tomás completa a doutrina tomista, nestes termos: “Esta presença de Deus, como possuído, não é só afetiva; mas também real e física, enquanto o próprio Deus pessoalmente é dado ou enviado, para que habite e esteja na alma; não apenas como na causa ativa, mas também como um amigo que convive com a alma, e por ela possuído. Esta união, porém, não é como a união pela espécie na visão da glória, mas tende para ela, como uma começada e imperfeita fruição e posse de Deus” (In. q. VIII, VI, 11).
  4. 4. A seita dos Donatistas surgiu na África no século IV, tendo como principal promotor Donato, anti-bispo de Cartago, eleito em 315. A seita, que surgira das desavenças havidas durante as eleições de Celiano para Bispo daquela cidade (311), espalhou-se em breve pelas cidades africanas, chegando a congregar 300 bispos, e ensinava que a validade dos sacramentos dependia da dignidade do ministro. Só os seus adeptos, porque não eram traidores, podiam administrar validamente os sacramentos do batismo e da ordem. Condenados pelos bispos católicos da África, pelo Papa, combatida pelos imperadores, encontraram os donatistas em Santo Agostinho um forte opositor, que por muitos anos de sua vida em sermões e tratados os combateu, afirmando que a eficácia dos sacramentos derivava da validade objetiva dos mesmos. Nas lutas anti-donatistas, porque o braço secular, desde Constantino a Honório, viera em auxílio da Igreja, a doutrina sobre o recurso ao poder civil em questão religiosa foi também firmada, devido ainda aos esclarecimentos trazidos por Santo Agostinho. A seita desapareceu somente com as invasões árabes no norte da África.
  5. 5. A mesma Igreja passou e passará por diversas fases na sua vida pelos séculos, e encontrará a sua definitiva e integral perfeição no fim dos tempos, na visão beatífica de todos os justos.
  6. 6. Nos primitivos Símbolos de fé as notas que acompanhavam o nome da Igreja eram santa e católica. Acrescentaram-se, após, apostólica e romana. Sto. Tomás não fala de modo explícito neste sermão, da qualidade romana da Igreja Católica, mas pelo contexto se vê que ele não deixa de considerar esse aspecto. A Igreja é romana pelo fato de ter sido Roma a Sé diretamente subordinada a Pedro, além da Igreja Universal também a ele subordinada. Neste lugar, Sto. Tomás ressalta o primado da Igreja Romana sobre as outras e a sua indefectibilidade na fé. O primado e a infalibilidade são próprios do sucessor de Pedro na Sé Romana. O Papa tem o primado de jurisdição (governo) e de magistério (ensino) sobre toda a Igreja.  Assim define o Concílio Vaticano I (1870) a origem e a extensão do Primado do Papa: “O qual (S. Pedro) vive, governa e julga através dos seus sucessores, os Bispos da Santa Sé Romana, fundada por ele e consagrada com o seu sangue. Por isso, todo aquele que suceder nesta Cátedra de Pedro, recebe, por instituição do próprio Cristo, o primado de Pedro sobre toda a Igreja” (Const. Dogmática Pastor Aeternus, 1824). “A Santa Sé Apostólica e o Pontífice Romano têm o primado sobre todo o mundo, e o mesmo Pontífice Romano é o sucessor de S. Pedro, é o verdadeiro Vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja e o Pai e Doutor de todos os cristãos; e a ele entregou Nosso Senhor Jesus Cristo todo o poder de apascentar, reger e governar a Igreja Universal” (1. c. 1826). “Este poder de jurisdição do Romano Pontífice, poder verdadeiramente episcopal, é imediato. E a ela (à Igreja Romana) devem sujeitar-se, por dever de subordinação hierárquica e verdadeira obediência, os pastores e fiéis de qualquer rito e dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto, não só às coisas referentes à fé e aos costumes, mas também, nas que se referem às disciplinas e ao regime da Igreja, espalhada por todo o mundo” (1 c. 1828). “No próprio primado Apostólico que o Romano Pontífice tem sobre toda a Igreja, está também incluído o supremo poder do Magistério (...) na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a religião católica e santa a doutrina. (...) O Romano Pontífice quando fala ex catedra, (...) quando define com sua suprema autoridade alguma doutrina referente à fé, e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre fé e moral” (1. c. 1832-1833-1839). Essa doutrina tradicional, o Doutor Angélico já havia formulado no Suma Teológica, onde se expressa nos seguintes termos: A promulgação de um Símbolo compete à autoridade a cuja autoridade pertence determinar finalmente as coisas da fé, para que sejam por todos aceitas por ato de fé indiscutível. Isto pertence à autoridade do Sumo Pontífice, a quem se referem as principais e mais difíceis questões da Igreja. (...) Por isso pertence a ela exclusivamente a nova promulgação de um símbolo, como todas as coisas que pertencem a toda a Igreja, como convocar um sínodo geral, etc” (S.T. II, II, 1, 10 c). As definições dogmáticas podem ser também promulgadas por um Concílio Ecumênico, mas só têm eficácia se aprovadas pelo Papa. É interessante de se notar que o Doutor Angélico já no século XIII formulou de modo preciso a doutrina do primado jurisdicional e doutrinário do Papa, quando nos séculos seguintes (XIV e XV) surgiram sérias controvérsias a respeito desse primado, afirmando muitos teólogos (Guilherme Occam, Gerson etc.) e concílios (Constança, Baziléia etc.) o chamado conciliarismo que subordinava o poder papal à autoridade dos Concílios Ecumênicos.
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