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O mito de Guernica

Em artigo anterior referi-me a um sensacional estudo do professor Jeffrey Hart publicado em National Review de janeiro de 1973 com o título "The Great Guernica Fraud", no qual se vê que o famoso bombardeio de Guernica não houve. Simplesmente, não houve. E o famosíssimo quadro com que Picasso impingiu a todo o mundo a impostura, passa a ser um quadro comemorativo de um brutal feito de guerra que não houve.

E eu, que escrevi um livro inteiro para apontar o itinerário de imposturas deste século de escavadores do nada, engoli esta de Guernica. Já escrevi uma pequena nota para a 2a. edição de O Século do Nada, que está saindo, na qual digo que a desmitização do bombardeio em nada altera a linha de argumentação do Capítulo, mas vem tornar evidentemente mais cômica a posição dos intelectuais de esquerda que em julho de 37 assinaram o manifesto pró-basco que lhes foi inculcado por Moscou.

Como era de se esperar, surgiram reações positivas e negativas do mundo inteiro ao artigo do professor Jeffrey Hart. O número de agosto de National Review publica alguma dessas cartas, e o breve comentário que Jeffrey Hart volta a fazer. Fica evidente que houve empulhamento e que era falsa a versão transmitida por Hugh Thomas no seu já clássico The Spanish Civil War, pela qual "o próprio Goering teria admitido, em 1946, que Guernica fora um teste de seus aviões bombardeios". Vale a pena ler as cartas do conhecido historiador inglês Brian Crozier, e de Alfredo Maurice de Zayas, dirigidas ambas à National Review como reforço de desmitização. Transcrevemos abaixo a primeira, que é a mais concisa e tem autor mais reputado: "Prezado Senhor: surpreendi-me de ver sua nota sobre Picasso (Economist, abril 1) ainda dar destaque ao encanecido mito Republicano sobre a destruição de Guernica por "bombardeio a serviço do General Franco". A verdade completa sobre Guernica talvez nunca seja sabida, mas já se tornou evidente que os Nazis, além das muitas atrocidades praticadas, não são autores desta que lhes atribuem. Algumas das provas ditas estão mencionadas no meu livro sobre Franco (1967). Mas depois disso outras provas chegaram ao meu conhecimento. Parece ter havido algum bombardeio alemão que causou algumas vítimas. Os documentos alemães capturados na época (que evidentemente não se destinavam à publicação) registraram surpresa e indignação pelo que lhes imputavam (Documens on German Foreign Policy, 1918-1945, Séries D, vol. III, London HMSO, 1951; Nos. 249 and 251). "O Estado Maior Nacionalista (na Espanha de 1937) registrou (também em documento que não se destinava à publicação) em 29 de abril de 37 — três dias depois do alegado bombardeio aéreo de Guernica — que a cidade tinha sido encontrada incendiada pelos Vermelhos antes de abandoná-la. Louis Bolin cita esses documentos em seu livro Espanha — Os anos vitais 1967 e eu também os li. Quando o meu livro Franco foi publicado, algumas testemunhas o apoiaram. O Comandante da Aeronautica Sir Archibald James com muita gentileza registrou um relatório de que me enviou cópia assinada. Ele percorreu a região atentamente, e com a autoridade de um oficial aviador observou, poucos dias depois da queda de Guernica, que a cidade tinha sido incendiada e arrasada sistematicamente, com exceção do quarteirão central que contém a catedral, a prefeitura e a Árvore Sagrada dos Bascos que permaneceram intatas. Encontrou meia dúzia de pequenas crateras dentro de cem metros de perímetro. Conclui-se que, no estado em que se achava a técnica de bombardeio aéreo em 1937 (e mesmo em 1973) seria impossível destruir quarteirões importantes. Visitei Guernica recentemente — diz ainda o historiador inglês Brian Crozier — para ver com os próprios olhos que a destruição não podia ser imputada aos ataques aéreos nazistas".

A carta de Alfred Maurice de Zayas é mais extensa e mais enfática na desmitização. Mas o que mais me impressionou no tom do historiador inglês e no tom de Maurice de Zayas foi a frieza da objetividade com que corrigem um erro histórico cometido pelo scholar Hugh Thomas, sem demonstrarem nenhuma emoção diante da monstruosidade histórica criada pela impostura que produziu o quadro de Picasso, e na França provocou o lamentável manifesto pró-basco assinado por intelectuais católicos do mais alto renome — tudo isto enquanto os "nacionalistas" espanhóis se esforçavam por livrar sua pátria dos inimigos que perseguiam cruelmente a Igreja e a civilização cristã. Fico muito agradecido aos historiadores que desmontaram o empulhamento, mas chego à melancólica conclusão que ninguém mais é tão insensível ao sentido da história. No caso, o fleugmático inglês Brian Crozier deixa aberta a hipótese de algum outro bombardeio alemão para explicar o erro do colega, sem lhe passar pela idéia, aparentemente, a existência de todo um caudaloso sistema de imposturas visíveis em outros fatos, affaire Dreyfus, condenação da Action Française, Ialta, Katim etc. que explica muito mais veementemente o caso Guernica do que um outro eventual bombardeio alemão.

Ao próprio professor Jeffrey Hart a quem devemos a publicidade do desenvolvimento parece escapar a conexão que insere o episódio num largo estuário de uma corrente histórica que quer exterminar o cristianismo e a civilização, para recomeçar a história da estaca zero, ex-nihilo.

(O Globo, 6 de Outubro de 1973).

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