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Category: Santo Tomás de AquinoConteúdo sindicalizado

Artigo 3 - Se a sínese é virtude.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a sínese não é virtude.

1. – Pois, as virtudes não são ínsitas em nós por natureza, como diz Aristóteles. Ora, a sínese certos a tem por natureza, como diz o mesmo. Logo, a sínese não é virtude.

2. Demais. – A sínese, diz Aristóteles, é apenas judicativa. Ora, os maus também podem exercer o juízo, só sem o preceito. Mas, como só os bons tem virtude, parece que a sínese não é virtude.

3. Demais. – Nunca há defeito numa ordem, senão porque há algum no juízo; ao menos quando se trata de um ato particular em que todo mau erra. Ora, se a sínese é considerada virtude que nos leva a julgar com retidão, parece não necessária outra virtude que nos faça mandar com acerto. Logo, a prudência será supérflua, o que é inadmissível. E portanto a sínese não é virtude.

Mas, em contrário. – O juízo é mais perfeito que o conselho. Ora, a eubulia, que nos leva a deliberar com acerto, é uma virtude. Logo, com maioria de razão, a sínese, que nós faz julgar acertadamente, é também virtude.

SOLUÇÃO. – A sínese implica um juízo reto, não, certamente na ordem especulativa, mas na dos atos particulares, sobre os quais também versa a prudência. Donde o chamarem-se certos, por causa da sínese, üUVEtO1, em grego, isto é, sensatos, ou EUcrÚVE'tOt, isto é, homens de bom senso; assim como, ao contrário os que carecem dessa virtude chamam-se à:jÚVE'tOt, insensatos. Ora, a diferença de atos que se não reduzem à mesma causa, necessariamente acarreta a diversidade das virtudes. Mas como é manifesto, a bondade do conselho e a do juízo não se reduzem à mesma causa: pois, muitos são capazes de bom conselho, que não tem contudo o bom senso para julgarem com retidão. Assim como também, na ordem especulativa, certos são bons investigadores, por terem a razão pronta em discorrer pelos termos médios diversos, o que neles provém da disposição da virtude imaginativa, capaz de formar facilmente fantasmas diversos. E contudo esses tais não são às vezes de bom juízo, por defeito do intelecto, proveniente sobretudo da má disposição do senso comum incapaz de julgar com acerto. Por onde e necessária, além de eubulia, há uma outra virtude capaz de julgar acertadamente. E essa se chama sínese.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ O juízo reto consiste em a potência cognoscitiva aprender o objeto tal qual ele é; o que provém da disposição reta da potência apreensiva. Assim como num espelho bem disposto se imprimem as formas dos corpos tais quais sâo; se porém for mal disposto, nele aparecerão imagens tortas e mal feitas. Ora, o ser a potência cognoscitiva bem disposta para receber o objeto tal como ele é depende, certo, radicalmente, da natureza; mas, ela se aperfeiçoa pelo exercício ou pelo dom da graça. E isto de dois modos. De um, diretamente, no concernente à potência cognoscitiva mesma, por não estar imbuída de maus conceitos, mas de verdadeiros e retos; o que resulta da sínese, enquanto virtude especial. De outro modo, indiretamente, pela boa disposição da virtude apetitiva, que leva o homem a julgar com acerto dos objetos apetecíveis. E assim, julgar acertadamente da virtude resulta do hábito das virtudes morais, mas em relação aos fins. A sínese, porém, versa sobretudo sobre os meios.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os maus podem, sem dúvida, julgar com acerto, em universal; mas em se tratando de um ato particular sempre julgam mal, como estabelecemos.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Acontece às vezes o diferirmos o que foi acertadamente julgado, ou o fazermos negligente ou desordenadamente. Por onde; além da virtude que julga bem, é necessária uma virtude final principal, capaz de mandar com acerto, que é a prudência.

Artigo 2 - Se a eubulia é uma virtude distinta da prudência.

O segundo discute-se assim. – Parece que a eubulia não é uma virtude distinta da prudência.

1. – Pois, como diz o Filósofo, e próprio do homem prudente deliberar com acerto. Ora, isto pertence à eubulia, como se disse. Logo, a eubulia não se distingue da prudência.

2. Demais. – Os atos humanos, aos quais se ordenam as virtudes humanas, especificam-se principalmente pelo fim, como resulta do sobredito. Ora, a eubulia e a prudência ordenam-se para o mesmo fim, conforme Aristóteles, não, certo, a um fim particular, mas ao fim comum de toda a vida humana. Logo, a eubulia não é uma virtude distinta da prudência.

3. Demais. – Na ordem especulativa, a mesma ciência que indaga também determina. Logo, por igual razão, na ordem operativa, o mesmo se dá com uma mesma virtude. Ora, indagar é próprio da eubulia; e determinar, da prudência. Logo, a eubulia não é uma virtude distinta da prudência.

Mas, em contrário, a prudência é preceptiva, como diz Aristóteles. Ora; tal não convém à eubulia. Logo, a eubulia é uma virtude diferente da prudência.

SOLUÇÃO. – Como dissemos, a virtude se ordena propriamente ao ato, que torna bom. Por onde, a diferença das virtudes depende necessariamente da dos atos; e sobretudo, quando a bondade dos atos não for da mesma natureza. Pois, se a bondade deles fosse da mesma natureza, então à mesma virtude seriam próprios diversos atos; assim, do mesmo objeto depende a bondade do amor, do desejo e da alegria, e por isso pertencem eles à mesma virtude da caridade. Ora, os atos da razão ordenada à prática são diversos; nem tem bondade da mesma natureza. Assim, não é ao mesmo título que um homem delibera com acerto, julga bem e acertadamente manda, pois, como é claro, essas atividades existem às vezes separadas. Ora, assim como o deliberar se ordena para o mandar, como para o mais principal, assim também, a eubulia, para a prudência, como para a virtude mais principal, sem a qual nem existiria virtude; assim como não existem as virtudes morais sem a prudência, nem as outras virtudes, sem a caridade.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ A prudência pertence deliberar com acerto, imperativamente; à eubulia, porém, elicitamente.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Diversos atos se ordenam, num certo grau, a um fim último, que é viver totalmente bem. Assim, o conselho precede; segue-se-lhe o juízo e vem, por último, a ordem, que se relaciona imediatamente com o fim último, ao passo que os outros dois atos, remotamente. Que, contudo, tem certos fins próximos, a saber: o conselho, descobrir o que deve ser feito; e o juízo, a certeza. Mas daqui se não segue não sejam a eubulia e a prudência virtudes diversas, mas, que a eubulia se ordena para a prudência como a virtude secundária, para a principal.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Também na ordem especulativa uma ciência racional é a dialética, ordenada à indagação inventiva e outra, a demonstrativa, que tem por fim determinar a verdade.

Artigo 1 - Se a eubulia é uma virtude.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a eubulia não é uma virtude.

1. – Pois, segundo Agostinho, ninguém pode usar mal das virtudes. Ora, certos usam mal da eubulia, que nos faz deliberar com acerto, ou porque se aplicam a deliberar com astúcia para conseguirem fins maus; ou porque, mesmo para alcançarem fins bons, cometem certos pecados, como é o caso de quem furta para dar esmola. Logo, a eubulia não é uma virtude.

2. Demais. – A virtude é uma perfeição, diz Aristóteles. Ora, a eubulia implica a dúvida e a indagação; que supõem a imperfeição. Logo, a eubulia não é virtude.

3. Demais. – As virtudes são conexas entre si, como se estabeleceu. Ora, a eubulia não é conexa com as outras virtudes, pois, muitos pecadores são capazes de deliberar bem; e muitos justos são de conselho tardo. Logo, a eubulia não é uma virtude.

Mas, em contrário, a eubulia é a retidão em bem deliberar, como diz o Filósofo. Ora, a razão reta aperfeiçoa a essência da virtude. Logo, a eubulia é uma virtude.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos, é da essência da virtude humana tornar bom um ato humano. Ora, entre outros atos seus, é próprio do homem deliberar, porque isso implica uma certa indagação racional sobre as ações que deve praticar e que lhe constituem a vida; pois, a vida especulativa é superior ao homem, como diz Aristóteles. Ora, a eubulia implica em aconselhar bem: pois, chama­se EU, isto é, bom, e BULIA, conselho, como quem diz, "bom aconselhar", ou antes, "boa conselheira". Por onde é claro que a eubulia é uma virtude humana.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Não delibera com acerto quem delibera consigo buscar um mau fim ou empregar maus meios para alcançar um fim bom. Assim como também na ordem especulativa não raciocina com acerto quem conclui uma falsidade, ou conclui a verdade, da falsidade, por não empregar o termo médio conveniente. Por onde, ambas as hipóteses referidas contrariam a natureza da eubulia, no dizer do Filósofo.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Embora a virtude seja essencialmente uma perfeição, daí não se deduz, porém, necessariamente, que tudo o que é matéria de virtude implique perfeição. Pois, é preciso que tudo o que há no homem se aperfeiçoe pelas virtudes; não só o ato racional, entre os quais está o conselho, mas também as paixões do apetite sensitivo, que são ainda muito mais imperfeitas. Ou pode-se dizer, que a virtude humana é uma perfeição, própria do homem, que não pode compreender, com certeza, por simples intuição, a verdade das coisas; e sobretudo, quanto aos atos, que são contingentes.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Nenhum pecador, como tal, tem eubulia. Pois, todo pecado se opõe à deliberação acertada, porque, para deliberar com acerto é necessário não só a descoberta ou a cogitação do que é oportuno para o fim, mas também outras circunstâncias, a saber, o tempo oportuno, para não sermos de conselho demasiado tardo ou demasiado rápido; e ainda o modo de deliberar, de maneira a sermos firmes no conselho; e ainda outras circunstâncias necessárias, como essa, que os pecadores, pecando, não levam em conta. Ao contrário, todo homem virtuoso delibera com acerto, no concernente ao fim da virtude, embora não o faça em certos negócios particulares, como no comércio, nas coisas da guerra e semelhantes.

Artigo 4 - Se se deve considerar uma espécie de prudência de ordem militar.

O quarto discute-se assim. – Parece que a prudência militar não constitui uma espécie particular de prudência.

1. – Pois, a prudência se divide da arte, por oposição, como diz Aristóteles: Ora, a prudência militar é uma arte relativa às coisas da guerra como está claro no Filósofo. Logo, a militar não constitui espécie particular de prudência.

2. Demais. – Assim como a atividade militar está subordinada à política, assim também muitas outras atividades, como a dos mercadores, dos artistas e semelhantes. Ora, a cada atividade própria dos cidadãos não se atribui uma espécie particular de prudência. Logo, também não à atividade militar.

3. Demais. – Nas coisas da guerra serve de muito a fortaleza militar. Logo, a prudência militar pertence antes à fortaleza, que à prudência.

Mas, em contrário, a Escritura. A guerra pela boa ordem se maneja, e a salvação achar-se-á onde há muitos conselhos. Ora, aconselhar pertence à prudência. Logo, nas coisas da guerra há sobretudo necessidade de uma espécie particular de prudência, chamada militar.

SOLUÇÃO. – O que fazemos por arte e pela razão há de ser conforme ao natural, instituído pela razão divina. Ora, a natureza tende para dois fins: primeiro, a ordenar cada ser, em si mesmo, à sua conservação; segundo, a resistir aos perigos extrínsecos que a ameaçam. E por isso, deu aos animais, não somente a potência concupiscível, que os leva ao que lhes é acomodado à conservação, mas também a irascível, pela qual resistem aos obstáculos. Por onde, na ordem racional é, não somente necessária uma prudência política, pela qual dispomos convenientemente o que pertence ao bem comum, mas também uma prudência militar, pela qual repelimos os ataques dos inimigos.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Pode ser uma arte a atividade militar, consistente em determinadas regras de acordo com as quais se usam certas coisas exteriores, como, armas e cavalos; mas, enquanto ordenada ao bem comum, tem antes, a natureza de prudência.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A atividade militar se ordena à defesa do bem comum, na sua totalidade; ao passo que as demais atividades, de uma cidade, se ordenam a certas utilidades particulares.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A execução de um plano militar pertence à fortaleza; mas, a direção, sobretudo no atinente ao general do exército, pertence à prudência.

Artigo 3 - Se a econômica deve ser considerada espécie de prudência.

O terceiro discute-se assim. – Parece que a econômica não deve ser considerada espécie de prudência.

1. – Pois, como diz o Filósofo, a prudência se ordena à perfeição de toda a vida moral. Ora, a econômica se ordena a um fim particular, que são as riquezas, segundo Aristóteles. Logo, a econômica não é espécie de prudência.

2. Demais. – Como se disse acima, a prudência só tem por objeto o bem. Ora, a econômica também pode dizer respeito ao mal; assim, muitos pecadores são providos no governo da família. Logo, a econômica não deve ser considerada espécie de prudência.

3. Demais. – Como num reino há chefe e súditos, assim também numa casa. Se pois, a econômica é uma espécie de prudência, como a política, deveríamos admitir também uma prudência paterna, como há uma própria da arte de reinar. Ora, esta não existe. Logo, também não se deve considerar a econômica como espécie de prudência.

Mas, em contrário, diz o Filósofo que daquelas, isto é, das prudências que tem por objeto o governo da multidão, uma é a econômica; outra, a arte de legislar e, outra, a política.

SOLUÇÃO. – A natureza do objeto diversificada segundo o universal e o particular, ou segundo o todo e a parte, diversifica as artes e as virtudes; e, por essa diversidade, uma virtude é principal, em relação às outras. Ora, é manifesto que a família ocupa uma posição média entre a pessoa particular e a cidade ou o reino. Pois, como uma pessoa singular é parte da família, assim cada família o é da cidade ou do reino. Por onde, assim como a prudência, em sentido geral, que dirige as ações do particular, distingue-se da prudência política, assim, é necessário que a econômica se distinga de uma e outra.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – As riquezas se relacionam com a econômica, não como fim último, mas como uns instrumentos, segundo Aristóteles. Pois, o fim último da econômica é a boa direção da vida, no seu conjunto, relativamente à sociedade doméstica. Ora, é a título de exemplo, que o Filósofo considera as riquezas como fim da econômica, fundado na tendência do maior número.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Em relação a certas particularidades necessárias, a uma família, certos pecadores podem proceder providamente; mas, não o podem, em relação à boa direção da vida, na sociedade doméstica, em seu conjunto. Ora, para isto, sobretudo é necessária a vida virtuosa.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O pai de família tem uma certa semelhança com o governo real, como diz Aristóteles as não tem, como o rei, o poder de governar, na sua plenitude. Por isso não existe, em separado, uma espécie de prudência paterna, como o implica a arte de reinar.

Artigo 2 - Se a política deve ser considerada parte da prudência.

O segundo discute-se assim. – Parece que a política não deve ser considerada parte da prudência.

1. – Pois, a arte de reinar é considerada parte da prudência política, como se disse Ora, a parte não deve entrar numa mesma divisão, em oposição com o todo. Logo, a política não deve ser considerada uma nova espécie de prudência.

2. Demais. – As espécies de hábitos distinguem-se pelos seus diversos objetos. Ora, as mesmas ações que o chefe ordena, o súdito deve executar. Logo, a política relativa aos súditos não deve ser considerada uma espécie de prudência, distinta da arte de reinar.

3. Demais. – Cada súdito é uma pessoa singular. Ora, toda pessoa singular pode dirigir-se suficientemente a si mesma, pela prudência geral. Logo, não há necessidade de uma espécie de prudência chamada política.

Mas, em contrário, o Filósofo: Quanto à prudência, que tem por objeto a ordem da cidade, há uma que é a arquitetônica, e se chama a prudência legislativa; outra tem o nome comum de política e versa sobre a obediência às leis.

SOLUÇÃO. – O escravo é dirigido pela ordem do senhor e o súdito, pela do príncipe; de modo diferente, porém, do pelo qual os seres irracionais e os inanimados são movidos pelos seus motores. Pois, os inanimados e os irracionais só agem dirigidos por outros seres; e não agem por si mesmos, por não terem o domínio sobre seus atos, pelo livre arbítrio. Por onde, a boa direção do governo deles depende, não deles, mas somente dos seus motores. Ao passo que os escravos ou quaisquer súditos são dirigidos por ordem de outros, mas de modo agirem por si mesmos, pelo livre arbítrio. Por isso é necessário tenham uma certa retidão de direção pela qual se dirijam a si mesmos a obedecer aos que mandam. E para isso é que serve a espécie de prudência chamada política.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Como já dissemos, arte de reinar é a espécie mais perfeita de prudência. Por onde, a prudência dos súditos, por natureza inferior à prudência governativa, conserva a denominação geral, sendo chamada política. Assim como, em lógica, a um convertível, que não significa a essência, nós lhe atribuímos a denominação comum de próprio.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Objetos de natureza diversa diversificam especificamente os hábitos, como do sobredito resulta. Ora, os mesmos atos a serem praticados o rei os considera, segundo uma razão mais universal do que aquela pela qual os considera o súdito, que deve obedecer; pois, a um só rei obedecem muitos, nos seus diversos empregos. Por isso, a arte de reinar está para a prudência política, de que agora tratamos, como arte arquitetônica para a que obra manualmente.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Pela prudência chamada geral, o homem se dirige a si mesmo em ordem ao seu próprio bem; pela política, porém, de que agora tratamos, em ordem ao bem comum.

Artigo 1 - Se a arte de reinar deve ser considerada espécie da prudência.

O primeiro discute-se assim. – Parece que a arte de reinar não deve ser considerada espécie de prudência.

1. – Pois, a arte de reinar se ordena a administrar a justiça, conforme Aristóteles, quando diz que o príncipe é o guarda da justiça. Logo, a arte de reinar pertence mais à justiça que à prudência.

2. Demais. – Segundo o Filósofo, a realeza é uma das seis formas de governo. Ora, nenhuma espécie de prudência há própria às outras cinco, que são: a aristocracia; a república, também chamada democracia; a tirania; a oligarquia e a democracia. Logo, também não se deve atribuir à realeza uma prudência própria.

3. Demais. – Fazer leis não pertence só aos reis, mas também a outros chefes de governo; e ainda, ao povo, como está claro em Isidoro. Ora, o Filósofo considera como parte da prudência a arte de fazer leis. Logo, é inconveniente substituir a esta a arte de reinar.

Mas, em contrário, diz o Filósofo; a prudência é a virtude própria do príncipe. Logo, a arte de reinar deve constituir uma prudência particular.

SOLUÇÃO. – Como do sobredito resulta, à prudência pertence dirigir e ordenar; por isso, onde se encontra uma razão especial de dirigir e ordenar os atos humanos, aí se manifesta também uma prudência de natureza especial, Ora, como é claro, naquele que deve dirigir, não somente a si mesmo, mas ainda a comunidade perfeita da cidade ou do reino, deve existir também uma razão especial e perfeita de governar. Pois, tanto mais um regime será perfeito quanto mais universal e maior extensão tiver, e quanto mais alto for o fim que atingir. Por onde, ao rei, a quem compete governar uma cidade ou um reino, convém uma prudência de natureza especial e perfeitíssima. E por isso a arte de reinar é considerada uma espécie de prudência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. –­ Tudo o que é próprio às virtudes morais pertence à prudência, como dirigente; por isso, a razão reta da prudência é incluída da definição da virtude moral, como se disse Por isso também a execução da justiça, enquanto ordenada ao bem comum, e pertencente ao ofício de rei, precisa da direção da prudência. Por onde, essas duas virtudes, a prudência e a justiça, são soberanamente próprias do rei, conforme aquilo da Escritura. Reinará um rei que será sábio e obrará segundo a equidade e justiça na terra. Como porém dirigir pertence sobretudo ao rei e executar, aos súditos, por isso, a arte de reinar é considerada, antes, uma espécie de prudência: que é diretiva, que de justiça, que é executiva.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Entre as outras formas de governo a melhor, é a realeza, como diz Aristóteles, por isso, as espécies de prudência deviam tirar a sua denominação dela, sobretudo. Mas de modo que compreenda todas as outras formas de governo legítimas. Mas não as más, opostas à virtude e, por isso, não pertencentes à prudência.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O Filósofo dá o nome de prudência governativa, tirando-o do ato principal do rei, que é estabelecer as leis. O que, embora também convenha aos outros chefes, não lhes convém senão enquanto participam algo do modo de governar real.

Artigo 8 - Se a cautela deve ser considerada parte da prudência.

O oitavo discute-se assim. – Parece que a cautela não deve ser considerada como parte da prudência.

1. – Pois, onde não pode haver mal não há necessidade de cautela. Ora, ninguém usa mal das virtudes, como diz Agostinho. Logo, a cautela não pertence à prudência, que é a dirigente das virtudes.

2. Demais. – A mesma virtude compete prever o bem e acautelar contra o mal, assim como é próprio da mesma arte dar a saúde e curar a doença. Ora, prever o bem pertence à providência. Logo, também acautelar contra o mal. Portanto, a cautela deve ser considerada parte da prudência, diferente da providência.

3. Demais. – Nenhum prudente se esforça por fazer o impossível. Ora, ninguém pode acautelar-se contra todos os males que podem suceder. Logo, a cautela não pertence à prudência.

Mas, em contrário, a Escritura: Vede de que modo andais sobreaviso.

SOLUÇÃO. – A prudência versa sobre os atos contingentes. Ora, nestes, assim como a verdade pode ir mesclada-com o erro, assim também, o mal, com o bem, por causa da multiformidade de tais atos, nos quais, quase sempre ao bem se apresenta o obstáculo do mal, e o mal se manifesta sob as aparências de bem. Por onde, é necessária a cautela, à prudência, para praticarmos- o bem, e evitarmos o mal.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nos atos morais é necessária a cautela, para nos acautelarmos. não contra os atos das virtudes, mas contra o que pode impedi-los.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Acautelarmo-nos contra males opostos é ato da mesma natureza que buscar o bem. Mas, é ato de outra natureza evitar certos obstáculos extrínsecos. Por isso, a cautela distingue-se da providência, embora ambas se incluam na mesma virtude da prudência.

RESPOSTA À TERCEIRA. –Dos males ocorrentes e que devemos evitar, há certos que costumam acontecer, de ordinário; esses a razão pode determinar. E contra eles se aplica a cautela, de modo a os evitarmos totalmente, ou os tornarmos menos nocivos. Outros há, porém, que sucedem rara e casualmente, os quais, sendo infinitos, não podem ser determinados pela razão, nem o homem é capaz de se precaver contra eles. Embora, por aplicação da prudência, possa dispor-se contra todos os insultos da fortuna, de modo a ser menos lesado.

Artigo 7 - Se a circunspecção pode ser parte da prudência.

O sétimo discute-se assim. – Parece que a circunspecção não pode ser parte da prudência.

1. – Pois, a circunspecção parece consistir no exame do que nos circunda. Ora, tais coisas são infinitas e não podem ser abrangidas pela razão, fundamento da prudência. Logo, a circunspecção não pode ser considerada parte da prudência.

2. Demais. – Parece que as circunstâncias concernem, antes, às virtudes morais, do que à prudência. Ora, parece que a circunspecção não consiste senão em examinar as circunstâncias. Logo, a circunspecção parece pertencer, antes, às virtudes morais, que à prudência.

3. Demais. – Quem pode ver o que está longe pode, com maior razão, ver o que está perto. Ora, a providência dá ao homem o poder de ver o que está longe. Logo, também ela basta, para ver o que está perto. Portanto, não há necessidade de, além da providência, considerar a circunspecção parte da prudência.

Mas, em contrário, a referida autoridade de Macróbio.

SOLUÇÃO. – Da prudência é próprio, como dissemos, principalmente ordenar com acerto os meios para o fim. O que não se fará retamente, se o fim não for bom e não for também bom e conveniente o meio ordenado ao fim. Ora, a prudência versa como dissemos, sobre os atos particulares, em que concorrem muitas circunstâncias. Por isso, pode dar-se que um meio seja, em si mesmo considerado, bom e conveniente ao fim, que, contudo, por certas circunstâncias que nele concorrem, se torna mau ou não conducente ao fim. Assim, manifestar sinais de amor a alguém, é, em si mesmo, conveniente a atrair-lhe a alma a amar; mas essa manifestação não será conducente ao fim, se esse alguém estiver tomado do orgulho ou suspeitar adulação. Por isso, a circunspecção é necessária à prudência, para que o homem compare os meios, atendendo também às circunstâncias.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. ­– Embora as circunstâncias sobrevenientes sejam infinitas, infinitas contudo não são as que rodeiam um ato; e são mesmo poucas as que mudam o juízo da razão, quando agimos.

RESPOSTA À SEGUNDA. – As circunstâncias pertencem, certo, à prudência, como à virtude que as determina; mas às virtudes morais, porque: pelas circunstâncias, aperfeiçoa-se a determinação.

RESPOSTA À TERCEIRA. – Assim como à providência pertence examinar o que é, em si mesmo, conducente ao fim, assim a circunspecção examina se os meios são adaptados ao fim, de acordo com as circunstâncias. Ora, ambos esses exames encerram dificuldades especiais. Por isso ambos são considerados separadamente, como partes da prudência.

Artigo 6 - Se a providência deve ser considerada parte da prudência.

O sexto discute-se assim. – Parece que a providência não deve ser considerada parte da prudência.

1. – Pois, nada pode ser parte de si mesmo. Ora, parece que a providência é o mesmo que a prudência; porque, como diz Isidoro, chama-se prudente aquele que, por assim dizer, vê de longe; donde também derivou o nome de providência, como diz Boécio. Logo, a providência não é parte da prudência.

2. Demais. – A prudência é somente prática. Ora, a providência também pode ser especulativa; porque a vista, donde derivou o nome de providência, pertence mais à especulativa que à prática. Logo, a providência não é parte da prudência.

3. Demais. – O ato principal da prudência é mandar; e, o secundário, julgar e aconselhar. Ora, parece que nada disto está implicado propriamente em o nome de providência. Logo, a providência não é parte da prudência.

Mas, em contrário, a autoridade de Túlio e de Macróbio, que consideram a providência parte da prudência, como do sobredito resulta.

SOLUÇÃO. – Como já dissemos a prudência, propriamente, versa sobre os meios; e é propriamente, por influência dela, que eles se ordenam devidamente, para o fim. E embora certas coisas, que estão sujeitas à divina providência, sejam necessárias, em vista do fim, contudo, só os atos contingentes, susceptíveis de serem praticados, e que o homem pode fazê-los, em vista de um fim, é que estão sujeitos à prudência humana. Quanto ao passado, também é regido por uma certa necessidade pois é impossível deixar de existir o já feito. Semelhantemente, também o presente, como tal, implica uma certa necessidade; pois necessariamente, Sócrates está sentado, desde que o está. Por onde e consequentemente, os futuros contingentes, enquanto o homem pode ordená-los para o fim da sua vida, pertencem à prudência. Ora, uma e outra coisa estão compreendidas no nome de providência; pois, a providência implica uma certa relação com algo de distante, a que deve ordenar-se, o que ocorre presentemente. Por onde, a providência é parte da prudência.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Sempre que muitas coisas são necessárias para uma terceira, uma delas há de, necessariamente, ser a principal, para a qual todas as outras se ordenam. Por isso, em qualquer todo, há necessariamente uma parte formal e predominante, da qual ele tira a sua unidade. E a esta luz, a providência é a principalíssima entre todas as partes da prudência; pois, em virtude dela, tudo o mais, exigido pela prudência, é necessário para um meio ordenar-se adequadamente ao fim. Por onde, o nome mesmo de prudência deriva da providência, como da sua parte mais principal.

RESPOSTA À SEGUNDA. – A especulação é relativa ao universal e ao necessário; o que, existindo em toda parte e sempre, não é, por natureza, afastado; embora seja afastado, para nós, por não acertarmos com o conhecimento deles. Por onde, a providência não se aplica, propriamente, à ordem especulativa, mas, só à prática.

RESPOSTA À TERCEIRA. – A ordenação reta para o fim, implicada em a natureza mesma da providência, importa na retidão do conselho, do juízo e do preceito, sem o que não pode existir a ordenação reta para o fim.

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