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Art. 1 — Se os anjos foram criados em estado de beatitude.

(II Sent., dist. IV, a. 1)
 
O primeiro discute-se assim. — Parece que os anjos foram criados em estado de beatitude.
 
1. — Pois, como foi dito, os anjos que perseveram na beatitude, na qual foram criados, não possuem por natureza o bem que têm1. Logo, os anjos foram criados em estado de beatitude.
 
2. Demais. — A natureza angélica é mais nobre do que a corpórea. Ora, a criatura corpórea foi imediatamente, desde o princípio, criada, formada e perfeita; nem a sua formação foi precedida, quanto ao tempo, de um estado informe, mas quanto à natureza somente, como diz Agostinho2. Logo, nem a natureza angélica Deus a criou informe e imperfeita. Mas a formação e a perfeição dela se realiza pela beatitude, pela qual goza de Deus. Portanto, foi criada em estado de beatitude.
 
3. Demais. — Segundo Agostinho3, todas as coisas das quais se lê que foram feitas na obra dos seis dias, o foram simultaneamente; e é então necessário que todos esses seis dias tenham existido imediatamente, desde o princípio da criação das coisas. Ora, nesses seis dias, segundo a exposição de Agostinho, houve o conhecimento angélico matutino pelo qual os anjos conheceram o Verbo e as coisas, no Verbo. Portanto, imediatamente, desde o princípio da criação, os anjos conheceram o Verbo e as coisas, no Verbo. Ora, os anjos beatos são os que vêem o Verbo. Logo, imediatamente, desde o princípio da criação, os anjos estiveram em estado de beatitude.
 
Mas, em contrário, da natureza da beatitude é a estabilidade ou a confirmação no bem. Ora, os anjos não foram confirmados no bem, imediatamente, desde que foram criados, e isso o prova a queda de alguns. Logo, não estiveram, desde a sua criação, em estado de beatitude.
 
SOLUÇÃO. — Por beatitude se entende a última perfeição racional ou intelectual da natureza; donde vem ser a beatitude naturalmente desejada, pois cada ser naturalmente deseja a sua última perfeição. Ora, a última perfeição racional ou intelectual da natureza é dupla. Uma, que pode ser atingida por essa natureza considerada em si mesma, e essa perfeição se chama, de algum modo, beatitude ou felicidade. Por onde, a perfeitíssima contemplação do homem, pela qual o ótimo inteligível, que é Deus, pode ser contemplado nesta vida, Aristóteles a considera a felicidade última. Mas, acima dessa, há outra felicidade, que esperamos no futuro, pela qual veremos Deus como Ele é. E esta é superior à natureza de qualquer intelecto criado, como antes já se demonstrou4. — Portanto, quanto à primeira beatitude, que o anjo podia atingir, em virtude de sua natureza, foi criado beato; pois, essa perfeição o anjo não a adquire por algum movimento discursivo, como o homem, mas imediatamente lhe é coexistente, pela dignidade da sua natureza, como antes já se disse5. Porém, a beatitude última, excedente à capacidade da sua natureza, os anjos não a tiveram imediatamente, no princípio da sua criação, porque essa beatitude não é algo da natureza, senão o fim desta; e, por isso eles não a deviam ter, imediatamente, desde o princípio.
 
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — No passo citado, beatitude é empregada pela perfeição natural que o anjo tinha no estado de inocência.
 
RESPOSTA À SEGUNDA. — A criatura corporal não podia ter imediatamente, no princípio da sua criação, a perfeição à qual é levada pela sua operação. Por onde, segundo Agostinho6, as plantas não germinaram da terra, imediatamente, desde as primeiras obras, que deram à terra somente a virtude germinativa das plantas. E semelhantemente, a criatura angélica, no princípio da sua criação, teve a perfeição da sua natureza; não porém a perfeição à qual devia chegar, pela sua operação.
 
REPOSTA À TERCEIRA. — O anjo tem duplo conhecimento do Verbo: um natural, outro, pela glória. Pelo primeiro, conhece o Verbo pela semelhança deste que transluz em a natureza angélica; pelo segundo, porém, o anjo conhece o Verbo pela sua essência. E, por um e outro, o anjo conhece as coisas no Verbo; imperfeitamente, pelo conhecimento natural; perfeitamente, pelo conhecimento da glória. Ora, o primeiro conhecimento das coisas, no Verbo, os anjos o tiveram desde o princípio da sua criação; o segundo, porém, só quando se tornaram beatos pela conversão ao bem. E este é o que propriamente se chama conhecimento matutino.

  1. 1. De Eccles. Dog. (c. XXIX).
  2. 2. I Super Gen. ad litteram (cap. XV).
  3. 3. IV Super Gen. ad litteram (cap. XXXIV)
  4. 4. Q. 12, a. 4.
  5. 5. Q. 58, a. 3.
  6. 6. De Gen. ad litt., lib. V, c. IV.
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