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Grandes intelectuais católicos brasileiros: Carlos de Laet e Jackson de Figueiredo

Introdução

Deixe-me, antes de começar propriamente a conferência, explicar o tema: “grandes intelectuais católicos brasileiros”. Preparando a conferência, havia pensado em falar sobre a relação entre a Inteligência e o Bom Senso. Hoje em dia se pensa, muitas vezes, que há uma oposição entre ambas e que quanto mais a pessoa vai se tornando culta e erudita, mais o bom senso é desprezado, porque a inteligência seria a negação do bom senso [ou senso comum]. Ouvindo a gravação de certa palestra, fiquei impressionado com o palestrante, que se dizia católico, e parecia ter erudição enorme, mas falava coisas inteiramente contrárias ao bom senso.

Quando fui pesquisar sobre o assunto acabei encontrando um livro chamado o “Bom Senso” do escritor Jackson de Figueiredo. E aí a idéia do tema mudou completamente. Há muito tempo tinha interesse em conhecer Jackson de Figueiredo, um grande homem, e como o tema é vida intelectual — e foi um grande intelectual católico — resolvi falar sobre ele. E junto com a vida dele a de outro homem, Carlos de Laet que foi comparado a Machado de Assis e Rui Barbosa na habilidade do uso da Língua Portuguesa.

Jackson de Figueiredo nos é muito familiar, sobretudo no priorado do Rio de Janeiro e Niterói, porque de alguma forma somos seus netos, sem sombra de dúvida, o que tornou muito agradável e familiar a leitura sobre ele.

 

A Época de Carlos de Laet e Jackson de Figueiredo

Antes de falar desses dois homens, vou explicar o panorama, como pano de fundo, para depois localizá-los na época em que viveram; em seguida contarei a vida e a obra de cada um.

Carlos de Laet nasceu em 1847 e veio a falecer em 1927; Jackson de Figueiredo nasceu em 1891, e faleceu em 1928. A vida dos dois é completamente distinta, mas o ambiente em que viveram muito os influenciou.

Quando falamos de 1850, falamos de um Brasil que ainda não era uma república, mas Império, com D. Pedro II como imperador. Nessa época, no enorme território brasileiro havia muito poucos bispos. Para se ter uma idéia, nos atuais estados do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, onde cabem Espanha e França juntas, só havia um bispo [responsável]; Rio Grande do Sul inteiro também havia um bispo somente. Era impossível que esses bispos cobrissem todo o território, e os padres viviam longe de seus bispos, conseqüentemente a formação era má e deficiente. São Pio X, por esse tempo, era bispo de Mântua, e muitos daquela região foram convidados por D. Pedro II a ocupar a região sul, que era bastante despovoada; disse o futuro papa aos mantuanos: “Aqui em Mântua vocês passam fome, mas se forem para o Brasil, podem até possuir terra para trabalhar, porém ficarão sem padres, não terão formação católica e nem quem os apóie e lhes dê os sacramentos; tudo isto vai perder-se”. Mesmo assim um grupo veio e foi justamente a colônia [mantuana] que fundou a [cidade] de Santa Maria, [no Rio Grande do Sul].

Em conseqüência da escassez de clérigos e da má formação da vida católica, a maçonaria conseguiu lograr bastante influência: por ex., para ser membro da Confraria do Santíssimo Sacramento na região Nordeste, [mais exatamente], em Recife, era obrigatório ser maçom. A maçonaria conseguiu uma influência absurda, já que o clero era malformado, e logicamente alguns padres acabavam entrando para a maçonaria; aos bispos era impossível algum controle. Foi então que dois grandes bispos reagiram, Dom Vital e Dom Macedo Costa, por ocasião da grande questão religiosa — há uma charge que ilustra esse acontecimento, na qual aparece D. Vital batendo com o báculo na cabeça de um padre, durante um casamento, porque o noivo era maçom — eles dois foram presos, e logo depois que saem da prisão morrem, particularmente em decorrência dos sofrimentos da prisão no Rio de Janeiro, então a sede do Império. Os bispos, vendo essa vida católica tão complicada e tão complexa, vendo a maçonaria se estendendo e novas idéias nos ambientes católicos, perceberam a necessidade de uma reforma intelectual e pastoral do clero, incentivando assim certas devoções para conservar o povo na fidelidade, mesmo à falta de uma vida católica normal. No Nordeste, ainda hoje, encontra-se nas casas de família, um livro escrito pelo padre português Manuel José Gonçalves Couto, intitulado “A Missão Abreviada”, que explicava o que se deve fazer quando não há padres; por ex., quando morre alguém, o manual indica os cânticos que se devem rezar, como fazer o funeral. Os bispos tiveram de impor certo rigor na disciplina do clero, justamente porque existiam desordens as quais prefiro não comentar. Por outro lado, passaram a enfraquecer as confrarias [e as irmandades]; foi notável que diligenciaram pela intensificação da vida das paróquias, para que os católicos ficassem ligados às paróquias e não às tais confrarias [e irmandades], que não andavam nada bem.

Quando a Igreja já não fortalece o Estado ou a Coroa, é iminente a queda [dos governos]. Uma vez, Napoleão III conversando com o Cardeal Pie, dizia que já não era possível uma França oficialmente católica, ao que o cardeal respondeu: “Bom, de política eu não entendo, mas o que sei é que se não chegou o tempo de Cristo reinar, então não chegou o tempo de os reis durarem”. Logo depois, caiu Napoleão.

A primeira universidade de Direito do Brasil se estabeleceu em Recife. Começa ali o que se chama a Escola de Recife, sob a chefia de Tobias Barreto, de forte influência alemã, trazendo [em seu bojo] o positivismo, Nietzsche e o evolucionismo. Por meio dessa universidade, onde se formavam os advogados, e as inteligências [em geral], tais idéias eram espalhadas pelo país.

Diante do Imperador Pedro II e do Círculo Militar reunido, Benjamin Constant fez um discurso claramente positivista racionalista. O general que era chefe do Círculo Militar, [percebendo a natureza do discurso] levantou-se e disse ao ouvido do imperador que se ele aceitasse aquele discurso logicamente antimonárquico, estaria preparando a queda da coroa; se é racionalista, é anticatólico. Quando falo em racionalismo, falo também em naturalismo, que é a negação do sobrenatural: só o que a razão alcança existe, negando-se assim a Revelação de Deus e sua Igreja. Se o imperador aceita o discurso, rejeita a Igreja, e a coroa estaria desprovida do que lhe dá fortaleza.

Mas o imperador disse apenas: “Deixa!” Um homem, Carlos de Laet, presente ao discurso, escreveu num de seus textos, que na hora em que o imperador disse “deixa” e permitiu que se proferisse o discurso positivista, a coroa iria cair, porque o imperador estava colocando as bases da república.

Em 1889, os republicanos conseguem derrubar a monarquia, o imperador é expulso do país junto com os que o apoiavam, entre eles o Visconde de Ouro Preto. Se a relação Igreja e Estado durante o Império já era claramente tensa, na república torna-se explosiva; é decretada oficialmente a separação entre a Igreja e o Estado, a liberdade religiosa, casamento civil — tornando o casamento religioso “desnecessário”; [segundo as leis da Igreja], o casamento civil é um simples concubinato, não é considerado casamento.

Outra coisa que os bispos perceberam na separação entre a Igreja e o Estado, que se manifesta de várias formas, é a quebra da autonomia dos estados federativos. Esta separação foi de tal forma chocante que se tornou impossível o diálogo entre as duas esferas. Vinte anos depois da instituição da república, apesar da maioria da população ainda ser católica, o estado já não o era. A república tolerava a Igreja e, na medida do possível, ia avançando com leis cada vez piores. Por ex., em 1977 é aprovada a lei do divórcio, a qual já era discutida desde 1915. É incrível como vem de longe o combate contra a concepção católica da família.

 

A Ação de Grandes Bispos no Brasil

Os bispos brasileiros perceberam que era preciso recristianizar o país; este é o momento em que aparecem os grandes bispos — São Pio X era o Papa então reinante — com grandes idéias, como o Bispo do Rio de Janeiro, então capital do Brasil, Cardeal Arcoverde, e outros cinco bispos. Um deles era um padrezinho de São Paulo de uma cidade pequena perto de Campinas, chamada Espírito Santo do Pinhal, que foi estudar em Roma, Padre Sebastião Leme. É ordenado em Roma, aos vinte e três anos de idade, e em razão da necessidade de um bispo para Recife, São Pio X, percebendo sua qualidade, sagra-o bispo aos vinte e nove anos; diz-se que ele era no dia da sagração, o bispo mais jovem da Igreja. Os outros eram o de João Pessoa [Dom Adauto Aurélio de Miranda Henriques], o de Porto Alegre [Dom João Batista Becker], o de Belo Horizonte [Dom Antonio dos Santos Cabral] e o de Cuiabá [Dom Francisco de Aquino Correia].

Dom Sebastião Leme afirmava que era preciso conquistar para Nosso Senhor as elites do pensamento, e que as idéias estão presentes na massa de um modo implícito. As pessoas têm certas idéias sem “pensar”. Se nós formos conversar com alguém hoje em dia — com as senhoras, por ex. — provavelmente elas vão responder tal como aprenderam pela televisão, isto é, serão liberais, defensoras da liberdade religiosa, etc. Se formos mais além e lhes perguntarmos sobre as leis iníquas, elas nos responderão o que a mídia estiver falando. Enfim, o que está de um modo implícito nas massas, necessariamente esta de modo explícito e claro nas elites intelectuais. Dom Leme insistia na necessidade de formar uma elite católica, com princípios católicos muitos claros e que soubesse transmiti-los ao povo, para fazê-lo de novo católico, sobretudo porque estava ele em Recife, de onde fluíam as idéias positivistas, racionalistas e marxistas. Ele também tentava buscar formas de convivência entre a Igreja e o Estado.

Outro bispo, o da Paraíba, compreendeu que a ordem moral é o que fundamenta a sociedade; o mais importante deveria ser o amar a Deus sobre todas as coisas; só a partir daí conseguir-se-ia uma base social católica.

Lendo sobre cada um desses bispos, tenho de reconhecer que não imaginava que fossem tão bons. Comparados aos de hoje em dia, pode-se dizer que aqueles eram bispos católicos; não haveria o menor problema em ajoelhar-me aos pés deles, e obedecê-lhes, pois representavam a autoridade católica perfeita; o que diziam era profundamente católico e bem fundamentado.

O bispo da Paraíba, Dom Adauto, era tão bom que o Papa São Pio X o convidou para que saísse do seu estado e se dirigisse para o Rio de Janeiro como bispo auxiliar do Cardeal Arcoverde, com direito à sucessão, a fim de que fosse cardeal do Rio de Janeiro; assim, de certa forma, ele seria o líder de todos os bispos do país. Por sua doutrina ser antiliberal, seria uma grande luz para o Brasil inteiro. Mas, por humildade, recusa o cargo, e o Papa convida Dom Sebastião Leme, e este, aos trinta e poucos anos de idade, vai ao Rio de Janeiro para auxiliar do Cardeal Arcoverde, vindo a ser mais tarde o cardeal Dom Sebastião.

O bispo de Minas defendia o que se pode chamar de nação católica e princípio de autoridade. O bispo de Porto Alegre, Dom João Becker, nascido na Alemanha, era mais intelectual; em textos bastante longos, ele descreveu a corrupção do país. Também defendeu o princípio de autoridade contra a concepção do indivíduo autônomo, que o Pe. Calderón explicou ser próprio do liberalismo. Dom Becker defende duas idéias que se pode resumir numa frase: junto à fé o amor à pátria. Ele também defendia não só a formação de elites intelectuais, mas que saíssem delas homens para ocupar cargos no governo. E foi no estado do Rio Grande do Sul onde houve de fato liderança católica, como também posteriormente em Belo Horizonte.

O bispo de Cuiabá — estado com um território gigantesco — Dom Francisco de Aquino, chegou a desempenhar também o cargo de governador do Estado de 1918 a 1922, e seus textos também são bastante luminosos.

Naquele tempo não havia a CNBB, mas havia certa coordenação entre os bispos que iam com certa regularidade ao Rio de Janeiro, a então capital do país. Por ex., Dom Sebastião Leme, sagrado bispo em 1911, ficou responsável por Olinda e Recife até 1921, mas em 1916, escrevia uma carta à Diocese de Olinda do Rio de Janeiro.

 

Carlos de Laet

Dito isto, vamos falar agora sobre os dois grandes homens. Primeiro, Carlos Maximiliano Pimenta de Laet. Pronuncia-se Laéti e não Laê. Sabemos disso ao ler uma carta dele a Machado de Assis, por ocasião do surgimento de um projeto de reforma ortográfica, que tornaria o Português escrito mais próximo ao oral; ele escreve a carta ironicamente, grafando-a tal como se fala, já conforme a [pretendida] reforma ortográfica; e a carta, embora engraçadíssima, é horrorosa, porque a ortografia não coincide com a fonética, evidentemente. E ele assina Laéti.

Nasce de uma família profundamente católica. Nosso Senhor deu a ela uma inteligência excepcional; para que se tenha uma idéia, aos vinte anos de idade ele se gradua em Letras, no Colégio Pedro II. Durante sete anos tirou sempre o primeiro lugar, e nunca obteve nota que não fosse a máxima. Aos vinte e quatro anos se forma engenheiro e geógrafo; aos vinte e cinco em Física e Matemática sempre com notas máximas. Aos vinte e seis anos, começa a dar aulas no próprio Pedro II, como professor de Português, Geografia e Aritmética; nessa época ele publica um livro de poesias. Casa-se e começa também a escrever nos jornais uma das crônicas mais famosas de todo o Brasil, que se intitulava Microcosmos.

Carlos de Laet era um homem muito profundo. Seus textos e artigos em geral eram polêmicos e combativos. Cada vez mais conhecido, convidavam-no freqüentemente a proferir discursos e conferências e a comparecer em formaturas como paraninfo. Em 1922, houve um congresso eucarístico no Rio de Janeiro, ele foi convidado a dar uma das conferências, mesmo com vários bispos presentes. No seu estilo há muita ironia, que algumas vezes exagerava nas farpas. Num dos artigos ele comenta uma tradução da obra de Virgílio, a Eneida. O tradutor, Odorico Mendes, queria que o Português guardasse a quantidade original de sílabas em cada verso. Só que nossa língua é mais extensa que o Latim, o que o obrigou a inventar e mudar palavras. Carlos de Laet comenta e finaliza: “Bom essa tradução latino-brasileira da Eneida saiu de tal forma que é mais fácil ler do Latim diretamente”.

Como grande católico, muitas vezes entrava em polemicas para defender a Igreja. Por ex., ele traduziu um livro de um padre italiano sobre espiritismo, no qual escreve um apêndice sobre o espiritismo no Brasil, num trabalho muito bem feito. Outra polêmica foi com um pastor prebisteriano, e saiu-se tão bem que acabou escrevendo o livro “A Heresia Protestante”, que se tornou bastante conhecido na época.

Em 1889, o Visconde de Ouro Preto, amigo de Carlos de Laet, o aconselhou a se candidatar a deputado pelo Partido Liberal. Mas os liberais, que o odiavam porque ele era católico, chamavam-no de ultramontano. Mesmo assim se candidatou e se elegeu pela Paraíba e pelo Mato Grosso. Porém, esse é o ano do advento da república e ele não toma posse. A república, na sua guerra contra a Igreja, não só combatia as idéias católicas, mas também coisas que tinham nomes católicos: mudaram o nome do Campo de Sant’ana no Rio de Janeiro para Praça da República. Um dia, chegando à sala de aula, Laet declara aos alunos que o tema da aula era “regência verbal”, e como tudo o que recorda a religião ou o império caducou, ele teria de falar sobre “presidência verbal”.

O Colégio Pedro II troca de nome e passa a se chamar Instituto Nacional de Educação Secundária; ele propõe uma votação aos professores para o retorno do nome antigo, e por isso é demitido, aos 43 anos de idade, após o quê, passa a lecionar no Colégio São Bento e no Seminário São José. Por sua influência como jornalista e escritor, torna-se membro e fundador da Academia Brasileira de Letras; ainda no papado de São Pio X recebe de Roma o título de conde papalino. Aos 68 anos, chamam-no de volta ao colégio de onde fora demitido, para em seguida ser nomeado diretor. Suas ocupações o impedem de continuar a escrever para os grandes jornais. Dom Sebastião Leme protesta, rogando-lhe que volte a escrever artigos porque muitos brasileiros só liam sobre religião quando ele escrevia nos jornais.

Carlos de Laet morre aos 80 anos de idade.

Suas principais idéias podemos resumi-las em três: em primeiro lugar, a tradição religiosa: ele não só defendia o catolicismo com a pluma, mas com a própria vida, pois era profundamente católico, e antes mesmo que o episcopado começasse a promover as devoções populares, pediu ao bispo do Rio que promovesse o mês de Maria, cuja devoção ele já fazia em casa com o Pe. João, que mais tarde viria a ser arcebispo do Rio de Janeiro. Em segundo lugar, a defesa do bom uso da Língua Portuguesa. E em terceiro lugar, uma devoção à pátria-mãe, Portugal, uma vez que, segundo ele, se a religião e a língua formam a pátria, devemos ambas a Portugal; e junto a essa devoção, um encantamento pela monarquia e D.Pedro II, apesar de dois bispos terem ido para a cadeia e da enorme influência da maçonaria no governo imperial. Neste caso, compreende-se que o encantamento dele com a monarquia [se baseasse] sobretudo no choque negativo do advento da república.

Podemos tirar da vida dele, como ensinamento, o bem que faz uma vida católica profunda, firme, vinda do berço, não importando o ofício a que se dedique.

 

Jackson de Figueiredo

Outro grande intelectual católico brasileiro é Jackson de Figueiredo. A vida dele é muito contrastante com a de Carlos de Laet, e mais atraente por mil aspectos. Ele nasceu em Sergipe, Aracaju, em 1891, dois anos depois da instauração da república. Ao contrário de Carlos de Laet, ele não nasceu numa família católica. Seu pai era muito culto, professor de muitas disciplinas, uma delas grego; não era católico e por isso Jackson de Figueiredo não recebera formação católica. Ele era o filho mais velho. O pai, desde cedo, notou a vivacidade, a capacidade e a belicosidade do filho que, embora capaz de brigar por uma idéia, era muito reservado. Contam-se vários casos, como o ocorrido na escola, onde sendo ele muito conhecido, informaram-lhe de uma festa à qual ele estaria obrigado a comparecer, mas ele recusou; ordenaram que fosse porque todos da escola iriam; “Não vou”, disse ele; um o chama para a briga e Jackson lhe dá uma surra e diz: “Eu é quem escolho meus amigos, não quero ir à festa”. Na faculdade ocorreu coisa parecida, dessa vez enfrentando sem medo soldados armados de espada, enquanto ele munido com um pedaço de pau. Um deles bateu com a espada em sua cabeça; não o matou mas deixou-lhe uma cicatriz.

Nos estudos foi fomentado pelo pai, que desejava tivesse ele uma grande formação, a tal ponto que nos fundos de sua casa havia uma biblioteca só para o filho estudar. Quando cresce e entra na Faculdade Livre de Direito da Bahia, em 1919, o pai já não se contentava com a biblioteca nos fundos da casa, e comprou um sítio, para que toda vez que o filho voltasse da Bahia a Sergipe, pudesse lá ir e estudar em paz. O pai tinha obsessão com estudos; e Jacson aproveita a oportunidade e se aplica a eles. Mas, como eu disse, o contraste dele com Laet é muito grande: não vinha de uma família católica, sua formação em casa estava longe da fé e na faculdade fora muito pior; ele aprende muito das idéias provenientes da “Escola de Recife”, a filosofia individualista e pessimista do filósofo Nietzsche.

Dessa má formação ele viria a se ressentir durante toda a vida. Em muitas de suas cartas, já convertido, ele escreve aos amigos explicando a angústia e o choque que sentia na alma; o contraste entre a vida católica que vê, entende e pratica, e o sentimento de que dentro dele há algo que a contraria. Numa das cartas, escreve: “Eu sinto dentro de mim como se fosse um anarquista, um liberal”. Ele não era nem liberal nem anarquista, porém sofria porque nele havia o choque entre a conversão e a formação.

Ele se formou em 1913. No ano seguinte foi ao Rio trabalhar como advogado. Através de relações da família, ele entrou em contato com um filósofo nordestino, mais exatamente do Ceará, Farias Brito. Jackson era jovem, tinha 24 anos, e o filósofo já era de bastante idade. Fiquei impressionado que mesmo jovem Jackson de Figueiredo entra tanto e tão a fundo nas idéias do filósofo que logo publica dois livros chamados “A filosofia de Farias Brito” e “A filosofia social de Farias Brito”. Sua filosofia era reputada neo-tomista, mas não se aplicava à letra de São Tomás; também era considerada espiritualista, mas nunca se declarava católica, o que era indício de que havia alguma coisa errada. Pesquisando um pouco mais, parece que Farias Brito era maçom, por isso esse “Santo Tomás” e por isso esse espiritualismo vago.

Farias Brito, ou melhor, Santo Tomás trouxe de certa forma Jackson de Figueiredo às portas da fé. Farias Brito faleceu dois anos após conhecê-lo. Jackson abandonou as idéias trágicas de Nietzsche e as idéias positivistas e começou a conhecer Santo Tomás, em 1917. Nessa época ele lera uma carta de certo bispo que estava passando pelo Rio de Janeiro, Dom Sebastião Leme, em que se tratava da necessidade de uma espiritualidade profunda, de um catolicismo profundo, de uma formação intelectual profunda, de formação de elites; em suma, de uma vida católica de verdade. Jackson de Figueiredo foi conhecê-lo pessoalmente, converteu-se, casou-se e começou então uma vida católica. Vindo a ser bispo no Rio, Dom Sebastião Leme tornou-se seu amigo.

Em 1921, aos trinta anos de idade e três após a conversão, relendo o que o bispo escrevera na Paraíba, compreendeu que era preciso retomar o princípio de autoridade em Deus Nosso Senhor, e passou a publicar uma revista chamada A Ordem. No ano seguinte, entendeu que não bastava uma revista, era também necessário reunir essa elite intelectual; fundou então o Centro Dom Vital. Por isso podemos dizer que de certa forma é o avô da capela do Rio. Dom Lourenço Fleichman ontem falou justamente do Centro Dom Vital, do qual Gustavo Corção era membro, e saiu nos anos 60 para fundar a Permanência. Podemos dizer que a Permanência é filha do Centro Dom Vital; e se Gustavo Corção é o pai de nossas capelas, Jackson de Figueiredo é o avô.

Com o Centro Dom Vital ele buscou a formação de uma elite católica seriamente comprometida com sólidos princípios católicos, os quais ele comparava com uma muralha sobre a qual punha sua metralhadora contra os erros modernos.

Um escritor dos anos trinta, ao comparar Carlos de Laet e Jackson de Figueiredo, ambos já falecidos, dizia que faltou ao primeiro esse caráter apostólico de difusão da fé por meio da fundação de alguma coisa como Jackson de Figueiredo fez logo após a conversão.

Jackson, certa vez, indo a Minas Gerais, em Muzambinho — cidade natal de várias pessoas de Passos, onde temos uma capela — conheceu dois senhores muito católicos que acabam indo ao Rio mais tarde, Hamilton Nogueira e Pedro Alves. O primeiro torna-se vice-presidente do Centro Dom Vital. Formado em Direito, jornalista, ele escreve artigos em vários jornais, como o Gazeta de Notícias, onde também trabalhava Carlos de Laet do qual ele era discípulo.

Jackson também escreve vários livros, como “A Reação do Bom Senso”, “A Coluna de Fogo”, “Afirmações”. Percebendo a mediocridade do catolicismo no Brasil, afirmou: “O catolicismo só tem uma coisa a temer: ser mal conhecido. Existem cristãos que imaginam agradar a Deus sacrificando a própria razão, imolando-a, querendo crer de olhos fechados, isto é um erro”. Deseja uma recristianização da inteligência brasileira.

Numa vida muito breve, aos trinta e sete anos de idade morre Jackson de Figueiredo. Ele gostava muito de pesca e, num domingo, após a Missa, com um amigo e o filho de oito anos de idade, foi pescar nas imediações entre São Conrado e a Barra. Nesse lugar há uma gruta à beira de um penhasco, um paredão de pedra. Ele tinha uma fé muito profunda, e lá ensinava ao filho que se deve ter um olhar sobrenatural para todas as coisas: “Vê esse mar enorme, dizia ao filho, e esse céu admirável, e toda a beleza em que vivemos, tudo criado por Deus Nosso Senhor”. E erguendo uma folha qualquer ensinava ao filho que o homem não é capaz de fazer uma simples folha. Uma aula de fé, uma aula de catecismo simples diante da paisagem. Esse lugar era de fato bastante perigoso. Em determinado momento ele puxa o anzol e, quando vai enfiar a isca, perde o equilíbrio e cai, chocando-se nas pedras antes de cair no mar.

As ondas rebentavam nas pedras e, por causa da pancada que sofrera, Jackson de Figueiredo não conseguiu sair do mar. Tanto o filho quanto o amigo entram em desespero, por não poderem fazer nada. Ele ergue o braço como numa despedida e não mais é visto. Assim morre Jackson de Figueiredo, desse modo tão inesperado.

A última carta que ele escreveu, muito me impressionou. Ela foi escrita numa sexta-feira, num Dia de Finados, dois de novembro de 1928, justo antes de sua morte, a Alceu Amoroso Lima, que se convertera em agosto. Eles trocavam cartas, e Jackson dizia que escrevia para que ele, Alceu, se convertesse.

Suas últimas palavras foram: “Vou adiante, levado nas costas, no dorso dessa grande onda da vida para onde Deus quiser”. E foi assim que ele morreu, levado pelas ondas do mar. É curioso também que muitas de suas poesias são sobre o mar...

Depois de sua morte, muitas pessoas escrevem sobre Jackson de Figueiredo. Dom Sebastião Leme, já bispo do Rio, escreve um artigo lindíssimo sobre ele, assim como o Padre Leonel Franca e tantos outros.

E aquele homem, recém-convertido, Alceu Amoroso Lima, passa a ser o presidente do Centro Dom Vital, e presidente vitalício.

O Centro Dom Vital se espalhou pelo Brasil inteiro, num total de 20 “centros”. Em 1932, o CDV funda uma faculdade católica, que seria a primeira do Brasil, com o objetivo de reunir todas as áreas de conhecimento, no espírito da fé. Essa faculdade veio a ser a PUC, que hoje é um desastre. Incentivou uma liga eleitoral católica para que se promovesse entre os católicos o conhecimento de quais candidatos fossem realmente católicos e tivessem uma plataforma conforme a doutrina social da Igreja, além de uma associação universitária católica para formação religiosa e militante dos estudantes ou para os operários.

Alceu Amoroso Lima assim que foi eleito fez uma declaração que me chocou muito, em razão do um tom pretensioso para um recém-convertido. Afirmava que Jackson tinha imposto ao Centro Dom Vital um espírito polêmico que ele pretendia arrancar do movimento, porque ele, Jackson de Figueiredo, havia-o colocado lá por temperamento. Jackson se definia como uma metralhadora em cima de um muro de princípios — essa era a sua orientação. Os nossos rumos que tentaremos imprimir, propunha Alceu, iam em direção contrária: tratava-se dos rumos da liberdade, da universalidade e da paz. Isso ele escreve logo depois que assumiu o Centro Dom Vital. Um recém-convertido que já quer mudar a orientação da instituição... Bom, o Centro Dom Vital continuou, mas nós entendemos hoje quais seriam os frutos das palavras ditas por Alceu que nos anos 60 iria se tornar um homem de esquerda, um católico entre aspas — na verdade, comunista.

 

Conclusão

Era isto o que eu gostaria de lhes mostrar sobre a vida desses dois homens, Carlos de Laet e Jackson de Figueiredo; não somente suas vidas, mas o que é possível fazer. É possível a existência de um grupo de leigos católicos. Aqui em São Paulo as coisas andaram bastante ruins porque os grupos que existem, infelizmente também muito ruins, fundam-se distantes da orientação dos sacerdotes. E vemos que a obra de Jackson de Figueiredo foi grande, porque ele começou seguindo a idéia de um bispo, Dom Sebastião Leme, e a levou adiante unido a esse bispo, e assim continua com o Pe. Leonel Franca. Por isso, o Centro Dom Vital conseguiu fazer tanto bem naquela época. Não é só possível ter uma formação, mas necessário, para se formar uma elite intelectual católica, cada um no seu lugar, e cada um segundo suas aptidões, dentro de uma vida verdadeiramente católica. Jackson se tinha uma formação neo-tomista com Farias Brito, assim que se converteu passa a ler Santo Tomás, diretamente da Suma Teológica. Era um homem muito prático, muito fogoso, mas era Santo Tomás a fonte onde ele ia beber a boa doutrina.

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