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A denúncia de Dom Lefebvre

A prova dos nove

Não se pode negar honestamente – a menos que se queira ir contra as evidências – que o Concílio Vaticano II retomou em seus documentos principais, com maior ou menor mimetismo, grande parte das posições seja dos primeiros modernistas, seja de seus sucessores da nouvelle théologie. 

Em apoio ao que acabamos de dizer, parece-nos conveniente expor aqui algumas declarações significativas sobre a matéria, feitas por representantes qualificados da “nova teologia” hoje triunfante, ou ainda por personalidades da esfera maçônica e comunista.

N o verão de 1976, por exemplo, o L´Osservatore Romano (quotidiano oficial da Santa Sé) dedicou a sua famosa “terceira página” a um artigo celebrando o modernista Tommaso Gallarati-Scotti, no qual o quotidiano reconhecia:

“Nos últimos anos, uma grande consolação lhe veio [a Gallarati-Scotti – n. d. r] do Concílio Vaticano II, porque sentiu que as amarguras experimentadas em sua juventude [por causa da condenação do modernismo – n. d. r.] não foram sofridas em vão: a Igreja avançava por um caminho áspero e difícil, mas no qual muitas coisas, outrora esperadas, se tornavam realidade viva.”1

Ora, se o Vaticano II representou uma ‘consolação’ para o modernista impenitente Tommaso Gallarati-Scotti e se o L´Osservatore Romano pôde tranquilamente elogia-lo no período pós-conciliar, fica claro qual julgamento fazer – ao menos para aqueles que não procuram se cegar voluntariamente – acerca de um Concílio que transformou em “realidades vivas” as posições modernistas; e é fácil compreender quem manda hoje na Igreja.

Por seu lado, o dominicano subversivo Yves Congar (logo nomeado cardeal, evidentemente pelos “méritos” adquiridos) exultava afirmando que, com o Vaticano II, “a Igreja fez sua pacífica revolução de outubro.”2

Edward Schillebeeckx o.p., enfim, era more solito ainda mais explícito:

“...Vaticano II foi uma espécie de confirmação do que tinham feito os teólogos [neo-modernistas, n.d.r] antes do Concílio: Rahner, Chenu, Congar e outros; [...] não foi de modo algum o ponto de partida de uma nova teologia, mas somente o selo do que certos teólogos tinham feito antes do Concílio; teólogos que tinham sido condenados, afastados do ensino, exilados, foram os responsáveis pela teologia que triunfou no Concílio. [...] O Concílio foi um compromisso. Por um lado, foi um Concílio liberal, que consagrou os novos valores modernos da democracia, da tolerância, da liberdade. Todas as grandes idéias da revolução americana e francesa, combatidas durante gerações pelos papas, bem como todos os valores democráticos foram aceitos pelo Concílio. Por outro lado, o concílio não conseguiu dar uma resposta ao fermento de revolta que já se anunciava. [...] Ele aceitou nossa teologia, nos confirmando em nossa pesquisa teológica. Nós nos sentimos livres como teólogos e liberados das suspeitas, do espírito de inquisição e de condenação. O espírito de Humani Generis (1950) pesava sobre nós, essa encíclica de Pio XII que condenou Le Saulchoir e la Fourvière: as escolas dos dominicanos e dos jesuítas [Congar, Chenu, Lubac e amigos – n. d. r.]. Nós éramos todos suspeitos antes do Concílio e o Concílio nos liberou.”3

Quando se fala em clareza...

“A extraordinária abertura do Concílio – escreveu o número especial de Propaganda do Partido Comunista italiano por ocasião de seu congresso de 1964 – justamente comparado aos Estados Gerais de 1789, mostrou ao mundo inteiro que a velha Bastilha político-religiosa fora abalada em suas fundações. [...] Apareceu uma possibilidade, até então imprevista, de nos aproximarmos, através de manobras adaptadas, de nossa vitória final.”4

Yves Marsaudon, alto dignatário maçom também entoou seu canto de vitória pelo triunfo dos “valores” maçônicos acolhidos pelo Vaticano II:

“Se existisse ainda algumas ilhotas em comunhão de pensamento com a época da Inquisição, elas seriam afogadas pela maré ascendente do ecumenismo e do liberalismo, cuja consequência das mais tangíveis será a inversão das barreiras espirituais que ainda dividem o mundo. Desejamos do fundo do coração o sucesso da Revolução de João XXIII5

E para os que não estão completamente convencidos, eis o final: “Os católicos não devem esquecer de que todos os caminhos [isto é, todas as religiões – n. d. r.] conduzem a Deus, e eles devem se manter nessa corajosa noção de liberdade de pensamento que – a este respeito pode-se realmente falar de revolução, partindo de nossas lojas maçônicas – se estendeu magnificamente acima da cúpula de São Pedro”; depois do Vaticano II, naturalmente, e é por isso que Marsaudon pôde concluir, exultante: “todo maçom digno do nome [...] não fará outra coisa senão se alegrar sem nenhuma restrição dos resultados irreversíveis do Concílio.”6

“Sem nenhuma restrição”. Está claro o suficiente?

Os partidários da nova “Igreja conciliar” e do “irreversível caminho ecumênico” estão em boa companhia.

 

Adesão da “Igreja Conciliar” à Maçonaria

Fica claro o porquê de, por ocasião da morte de Paulo VI, o Grão Mestre do Grande Oriente italiano (e “bispo” da esotérica “Igreja gnóstica” na Itália), Giordano Gamberini, ter podido escrever a guisa de elogio fúnebre do papa: “Para nós, trata-se da morte daquele que derrubou a condenação de Clemente XII e de seus sucessores. É, pois, a primeira vez – na história da maçonaria moderna – que morre o Chefe da maior religião ocidental sem que esteja em estado de hostilidade com os maçons. [...] pela primeira vez na história, os maçons podem prestar homenagem no túmulo do papa, sem ambiguidade nem contradição.”7

De resto, a abertura feita pelo Vaticano II aos “valores” do iluminismo e a “dois séculos de cultura liberal” (Cardeal Ratzinger), com a política de mãos estendidas para a maçonaria, que é a guardiã e a representante mais importante desses valores, havia sido programada bem antes. É o que nos diz o célebre religioso Pe. Rosario Esposito (abertamente pró-maçom) que numa carta enviada ao Grão Mestre Gamberini, e publicada em La Rivista Massonica, escreveu: “Caro Gamberini, apreciei, mesmo na sua frieza cartesiana, o seu editorial sobre a morte do papa [Paulo VI – n. d. r.]. Julgo que ele teria gostado, pois nunca teve medo de nada. [...] O dominicano Pe. Félix Morlion, muito conhecido como fundador da Universidade Internacional “Pro Deo” [...], me relatou um dia ter conversado com o então Monsenhor Montini acerca das relações desastrosas entre a Igreja e a maçonaria. Montini lhe teria dito: “Não passará uma geração e, entre as duas sociedades, a paz se estabelecerá”. O episódio já tinha sido narrado, sem citar o nome do pontífice, em um artigo publicado em “Vie Pastorale”, de dezembro de 1974. Agora que o pontífice morreu, não há razão de se manter o segredo. E a previsão – ou antes, a decisão – cumpriu-se plenamente...”8

A “paz”, como vimos, efetivamente ocorreu, mas com a rendição incondicional da Igreja católica, em nome da qual, após a obra de demolição iniciada por João XXIII, Paulo VI e os homens do Vaticano II, abusando de sua autoridade, aceitaram e impuseram aos fiéis o liberalismo e o laicismo de Estado (Dignitatis Humanae), o falso ecumenismo (Lumen Gentium I, 8; Unitatis Redintegratio; Nostra Aetate) e a mentalidade democrática antropocêntrica (Lumen Gentium III, 22) que sempre fora o estandarte da ideologia laico-maçônica.

O estandarte das filhas da viúva, como gostam de se definir os maçons, foi içado triunfalmente sobre a cúpula de São Pedro. O vírus da AIDS iluminista e neo-modernista fora inoculado nas veias do mundo católico, e todas as suas defesas imunitárias iriam desaparecer, uma após a outra.

 

A denúncia de Dom Marcel Lefebvre

No dia 20 de dezembro de 1966, numa carta-resposta ao Cardeal Ottaviani, Prefeito do Santo Ofício, que, alarmado pela súbita e universal explosão da crise no seio do clero e entre os fiéis, enviara um questionário a esse respeito aos bispos do mundo inteiro, Dom Marcel Lefebvre apontou abertamente a causa, a saber: as “novidades” do Concílio Vaticano II.

Reproduzimos aqui longos trechos desta carta:

“[...] Creio que é meu dever vos expor de modo claro – escrevia o prelado francês – o resultado das minhas conversas com muitos bispos, padres e leigos da Europa e da África, e das minhas leituras em países de língua inglesa e francesa.

Seguiria com gosto a ordem das verdades anunciadas na vossa carta, mas ouso dizer que o mal presente me parece bem mais grave do que a negação ou o questionamento de uma verdade da nossa fé. Ele se manifesta atualmente por meio de uma confusão extrema das ideias, na desagregação das instituições da Igreja, instituições religiosas, seminários, escolas católicas, em suma, daquilo que representou o permanente sustento da Igreja, mas isso não é senão a continuação lógica das heresias e dos erros que minam a Igreja há muitos séculos, em particular após o liberalismo do século passado, que buscou a todo preço conciliar a Igreja com as ideias que desaguaram na Revolução.

A Igreja avançou na medida em que se opôs a essas ideias, que vão contra a sã filosofia e a teologia; ao contrário, cada comprometimento com o pensamento subversivo provocou um alinhamento da Igreja com o direito comum e o risco de torná-la escrava das sociedades civis.

Por outro lado, cada vez que grupos católicos se deixaram levar por esses mitos, os papas corajosamente lhes reconduziram ao bom caminho, lhes esclareceram e, quando preciso, lhes condenaram. O liberalismo católico foi condenado por Pio IX, o sillon por São Pio X, o comunismo por Pio XI e o neomodernismo por Pio XII. Graças a essa vigilância admirável, a Igreja se consolidou e se desenvolveu. As conversões de pagãos e de protestantes eram numerosas; a heresia estava em completa derrota, os Estados aceitaram a legislação católica.

Mas, certos grupos de eclesiásticos, impregnados dessas falsas doutrinas, lograram divulgá-las na Ação Católica e nos seminários, graças a uma certa indulgência dos bispos e a uma tolerância de certos Dicastérios romanos. Não passou muito tempo e os bispos foram escolhidos do meio desses padres. E aqui entramos na questão do Concílio. As comissões preparatórias dedicaram-se a proclamar a verdade em face dos erros, para fazer com que desaparecessem da Igreja. Isso teria sido o fim do protestantismo e o início de uma nova era fecunda para a Igreja. Ao contrário, essa preparação foi odiosamente rejeitada para dar lugar à maior tragédia que a Igreja jamais sucumbiu. Assistimos ao matrimônio da Igreja com as ideias liberais. Negaríamos as evidências se fechássemos os olhos e não afirmássemos corajosamente que o Concílio permitiu que aqueles que professam erros e tendências condenadas pelos papas que citamos, crer legitimamente que as suas doutrinas agora são aprovadas. [...] Em regra quase geral, quando o Concílio inovou, enfraqueceu a certeza das verdades ensinadas pelo Magistério autêntico da Igreja como pertencentes ao tesouro da Tradição. Quer se trate da transmissão da jurisdição dos bispos, das duas fontes da Revelação, da inspiração das Escrituras, da necessidade da graça para a justificação, da necessidade do batismo católico, da vida da graça nos heréticos, cismáticos e pagãos, dos fins do matrimônio, da liberdade religiosa, dos novíssimos etc., sobre esses pontos fundamentais, a doutrina tradicional era clara e ensinada de forma unânime nas universidades católicas. Ao contrário, numerosos textos do Concílio agora permitem que se duvide dessas verdades.

As consequências foram rapidamente tiradas e aplicadas na vida da Igreja.

- Dúvidas sobre a necessidade da Igreja e dos sacramentos provocaram o desaparecimento das vocações sacerdotais.

- Dúvidas sobre a necessidade e a natureza da conversão de todas as almas estão em vias de provocar o desaparecimento das vocações religiosas, a ruína da espiritualidade tradicional nos noviciados, a inutilidade das missões.

- Dúvidas sobre a legitimidade da autoridade e a exigência da obediência, causadas pela exaltação da dignidade humana, da autonomia da consciência, da liberdade, estão em vias de atingir todas as sociedades, a começar pela Igreja, as sociedades religiosas, as dioceses, a sociedade civil, a família. O orgulho tem por consequência todas as concupiscências dos olhos e da carne. Isso talvez seja uma das constatações mais assustadoras de nossa época: ver a que decadência moral chegaram a maior parte das publicações católicas. Nelas se fala sem nenhum pudor da sexualidade, da limitação da natalidade por todos os meios, da legitimidade do divórcio, da educação mista, do flerte como meios necessários para a educação católica, questiona-se o celibato sacerdotal etc.

- Dúvidas sobre a necessidade da graça para a salvação estão em vias de provocar o desprezo do batismo, agora adiado, o abandono do sacramento da penitência. De resto, trata-se sobretudo de um comportamento dos padres, e não dos fiéis. Ocorre o mesmo com respeito à Presença Real: são os padres que agem como se não cressem mais, escondendo o tabernáculo, suprimindo todos os sinais de respeito relacionados ao Santíssimo Sacramento e todas as cerimônias em sua honra.

- Dúvidas sobre a necessidade da Igreja, fonte única de salvação, sobre a Igreja católica, única religião verdadeira, decorrentes das declarações sobre o ecumenismo e a liberdade religiosa, destruindo a autoridade do Magistério da Igreja. Roma, com efeito, não é mais a única e necessária “Magistra Veritatis” (Mestra da Verdade)

É preciso concluir, portanto, constrangidos pela evidência dos fatos, que o Concílio favoreceu de modo inconcebível, a difusão dos erros liberais. A fé, a moral, a disciplina foram atingidos nos seus fundamentos, segundo as previsões de todos os papas. A destruição da Igreja avança a passos largos.

Por ter concedido uma autoridade exagerada às conferências episcopais, o Soberano Pontífice tornou-se impotente. Quantos exemplos dolorosos em um único ano!

Contudo, o sucessor de Pedro, e ele apenas, pode salvar a Igreja. Que o Santo Padre se cerque de valorosos defensores da fé, que os designe às dioceses mais importantes. Que se digne a proclamar, por meio de documentos importantes, a verdade, para combater o erro sem temor das contradições, sem medo de cismas, sem receio de pôr em questão as disposições pastorais do Concílio.”

Esse diagnóstico preciso e doloroso de Dom Lefebvre – inútil recordá-lo – caiu no vazio mais absoluto.

  1. 1. Osservatore Romano, 7 de junho de 1976.
  2. 2. Yves Congar, Le Concilie jour a jour. Paris, pág. 215.
  3. 3. Entrevista em Jesus, maio de 1993.
  4. 4. Citado in Mons. R. Graber, Saint Athanase et l´Église de notre temps, ed. Civiltà, Brescia 1974, pág. 73.
  5. 5. Y. Marsaudon, L´oecumenisme vu par um franc-maçon de tradition, ed. Vitiano, Paris, 1964.
  6. 6. Ibidem
  7. 7. La Rivista Massonica, julho, 1978, n. 5, p. 290.
  8. 8. La Rivista Massonica, agosto de 1978, n. 6, pp. 371-372.
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