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As Raízes Católicas dos Estados Unidos

Pe. William J. Slattery

Ainda que a maioria dos acadêmicos há muito ignorem o fato, desde o início do século XX importantes historiadores não-católicos têm se dedicado a reavaliar as raízes católicas da América do Norte. Entre eles esteve o eminente Herbert Eugene Bolton (1870-1953), intelectual da Universidade da Califórnia que, em 1932, tornou-se presidente da American Historical Association. Honrado com as mais altas condecorações por uma dezena de faculdades e universidades nos Estados Unidos e no Canadá, foi também aclamado internacionalmente, notavelmente por Pio XII, que em 1949 o nomeou “Cavaleiro de S. Silvestre”. Em cerca de 90 publicações, tais como Outpost of Empire (1931), Rim of Christendom (1936) e o discurso The Epic of Greater America, Bolton mostrou que os americanos só poderão entender sua identidade nacional por meio de uma visão holística de todo o contexto pré-colonial e colonial, particularmente das influências espanholas e francesas.

Um terço de seu The Colonization of North America – 1492-1783 é dedicado às expedições e assentamentos católicos que ocorreram antes que os Peregrinos do Mayflower1 desembarcassem em Plymouth em 1620. Seus escritos revelam o pensamento de alguém de fora do catolicismo que freqüentemente se surpreende e admira com vigor aqueles católicos que, com inteligência, ousadia, braços e suor, construíram sociedades regionais católicas que beneficiaram todas as raças norte-americanas. Com a habilidade de um mestre em história, Bolton, juntamente com o agnóstico Francis Parkman entre outros, revelou quão verdadeira foi a declaração de Leão XIII aos americanos: “Os nomes originalmente dados a tantas de suas cidades, montanhas, rios e lagos mostram e testemunham claramente o quanto suas origens foram profundamente marcadas com as pegadas da Igreja Católica.” Ao nos confrontarmos com esses fatos, descobriremos que também houve Pais Fundadores Católicos dos Estados Unidos e do Canadá.

 

Os Vikings católicos que chegaram em terra firme

A saga da presença católica na América do Norte começa em dois lugares: na Groenlândia (entre as brumas da história) e em algum lugar da costa oriental do nosso continente.

A Groenlândia foi colonizada por Érico, o Vermelho, com 14 embarcações de colonos no ano 985 d.C. Em 999, seu filho, Leivo, então com 19 anos, “homem grande e poderoso, de comportamento admirável, sábio e muito justo em todas as coisas”, passou um inverno na corte do Rei Olavo Tryggvason2. Persuadido pelo Rei, Leivo converteu-se à Fé católica. Voltou à Groenlândia na companhia de um padre e, lá chegando, no inverno de 1000-1001, contou à família sobre sua fé recentemente descoberta. Seu pai ficou furioso, mas sua mãe, Thjodhild, abraçou o catolicismo e fundou a primeira capela em Brattahlid, “e lá, ela e aqueles do povo que haviam aceitado o cristianismo, e foram muitos, ofereciam suas preces.” Leivo “logo começou a pregar o cristianismo e a Fé católica pela terra, comunicando a mensagem do Rei Olavo Tryggvason ao povo e dizendo-lhes quanta excelência e glória havia nessa Fé.”

Muitos groenlandeses se tornaram católicos no início do século XII. Em 1124, de acordo com a Saga de Einar Sokkesson, os católicos enviaram uma delegação, chefiada por Sokkesson, ao Rei Sigurdo, o Cruzado3, pedindo que lhes enviasse um bispo residente. O rei propôs Arnaldo, sacerdote da corte real, como primeiro bispo de Gardar (atual Igaliku). Arnaldo, apesar de seus protestos quanto a sua indignidade, foi consagrado pelo arcebispo de Lund, que recebera autoridade de Roma para nomear e consagrar bispos para a região. O novo bispo chegou à Groenlândia em 1126, após um ano na Islândia, e fundou a Diocese de Gardar, a primeiríssima diocese norte-americana.

A diocese floresceu nos 26 anos em que esteve sob a liderança de Arnaldo, uma vez que “o Bispo Arnaldo parece ter sido um típico prelado medieval, humilde e devoto em sua vida privada, mas zeloso e inflexível em qualquer matéria que se referisse aos direitos de seu ofício e de sua diocese.” Ao longo dos anos, os católicos nórdicos construíram cerca de 16 igrejas de pedra, entre elas a catedral de arenito em forma de cruz, de 25m de comprimento, por cujas ruínas ainda podemos caminhar, parar e rezar em mística comunhão com nossos antigos irmãos e irmãs Vikings, cheios de admiração por sua fé.

A Igreja cresceu por três séculos na terra dos fiordes de gelo, planícies floridas e incontáveis geleiras, sob a liderança dos bispos de Gardar, cuja linhagem ao longo dos séculos podemos rastrear nos registros dos arquivos do Vaticano. A população parece ter chegado a cerca de 10.000 pessoas no século XIV.

“No entanto, a alvorada é breve, e o dia muitas vezes não corresponde à sua promessa.” 4. Um declínio gradual tomou conta da Igreja Católica na Groenlândia, causado por questões políticas, econômicas e negligência eclesiástica, exacerbado pelo clima severo e pelo isolamento geográfico. Em 1448, o Papa Nicolau V, preocupado com os relatos de uma Groenlândia sem padres, escreveu que os groenlandeses “têm estado, conseqüentemente, durante estes últimos 30 anos, sem o conforto e o ministério de bispo ou padre, a não ser pela presença de alguns de disposição muito zelosa, e a grandes intervalos, e apesar dos perigos do mar furioso, que se aventuram a visitar a ilha e a administrar-lhes os sacramentos naquelas igrejas que os bárbaros deixaram de pé.” Uma carta do pontífice Bórgia, Alexandre VI (1492-1503), escrita em 1492, apesar de silenciar sobre as causas eclesiásticas e políticas, ainda assim soa um sinistro alarme, lembrando-nos de que o destino da Igreja em qualquer terra ou século depende grandemente das ações e omissões dos homens.

E então aconteceu a misteriosa colonização da costa oriental dos Estados Unidos e do Canadá. A evidência documental é bem insistente: várias fontes antigas narram que monges irlandeses fundaram ali em algum lugar um oásis cristão, que nas sagas islandesas e em suas Crônicas da Groenlândia é chamado Hvitramannaland (Terra do Homem Branco) ou Irland It Mikla (Irlanda Maior), localizado a Oeste no mar, próximo à boa Vinlândia. Durou pelo menos até o ano 1000 com uma ativa presença católica, como se deduz pela narrativa no Landnámabók do islândes pagão Ari Marsson, que, perdido em viagem, lá aportou em 983 e foi batizado.

A arqueologia tem confirmado recentemente que os Vikings tiveram um ou mais assentamentos nas praias orientais dos atuais Canadá ou Estados Unidos, próximos a Irland It Mikla. Leivo, filho de Érico, o Vermelho, em sua viagem de retorno da Noruega para a Groenlândia no ano 1000, saiu do curso e descobriu a área que os Vikings chamaram de “Vinlândia”. Por essa informação, somos gratos aos sóbrios relatos nas sagas de Thorfinn Karlsefni, preservadas em 28 manuscritos. No ano 1003, foi o próprio Karlsefni que fundou uma colônia em algum lugar na costa americana, que, entretanto, acabou após três anos devido a dissensões internas.

Mas existiram outros assentamentos duradouros na Vinlândia, como sabemos graças às descobertas feitas nos anos 1960 sobre uma comunidade nórdica em L’Anse aux Meadows em Newfoundland5. Arqueólogos dataram a idade desse assentamento em 1000 anos. Uma vez que provavelmente a população nórdica da Groenlândia era significativamente católica por volta do ano 1090, a presença católica na Vinlândia é uma hipótese razoável. Há também a insistente referência em seis diferentes pergaminhos das crônicas islandesas mencionando secamente que em 1121 “o bispo Érico partiu da Groenlândia para chegar à Vinlândia.” Érico não era um bispo da Groenlândia, mas um missionário, provavelmente da Noruega ou da Islândia, que tinha ido à Groenlândia para ordenar sacerdotes e exercer outras funções, e que, enquanto lá, decidiu seguir caminho até a colônia da Vinlândia. Nada mais se sabe sobre o misterioso prelado, e, considerando o que sabemos, ele pode ter passado o restante de sua vida edificando a Igreja Católica no continente norte-americano.

Portanto, historicamente podemos dizer que o século XI viu o primeiro altar estabelecido nas costas da Groenlândia e provavelmente também na Vinlândia; que embarcações vikings lançaram âncora, um sacerdote católico pisou em terra firme, fincou a Cruz, e o continente norte-americano ouviu a entoação das palavras sagradas da Missa Tradicional Católica e viu a hóstia branca ser erguida para abençoá-lo e reivindicá-lo para Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Rumo à Flórida, às Montanhas Rochosas e ao Álamo

Cinco séculos depois, outros católicos desembarcaram e se aventuraram pelos ermos, planícies, montanhas, rios e lagos do Novo Mundo, desde St. Augustine na Flórida até Los Angeles na Califórnia, desde o Álamo (“San Antonio de Valero”) no Texas até Le Détroit du Lac Érie6.

Ponce de Léon chegou à Flórida em 1513. Com efeito, o nome da região vem do fato de ter sido avistada pela primeira vez pelos espanhóis na Pascua Florida [Domingo de Páscoa]. Em setembro de 1540, a expedição de Francisco Vásquez de Coronado, da qual fazia parte o Pe. Juan de Padilla, já havia alcançado o Grand Canyon e as Montanhas Rochosas. Em 1542, enquanto estabelecia a primeira Missão católica nos Estados Unidos que conhecemos hoje, o Pe. Padilla foi crivado por flechas nas planícies do Kansas, tornando-se assim o proto-mártir da nação.

Em 21 de maio de 1542, braços fortes sob mantos cobertos de poeira já haviam carregado a cruz na marcha mais longa até então já feita no continente americano, uma vez que sacerdotes acompanharam a expedição de De Soto através da Geórgia, pelas Carolinas, através do Tennessee, Alabama e Mississippi, prosseguindo pelo Arkansas e Oklahoma, Texas e Louisiana. “Se os padres que acompanharam De Soto”, escreve o historiador John Gilmary Shea, “tiveram a chance de rezar a Missa, a marcha do Santíssimo Sacramento e do Preciosíssimo Sangue através do continente foi completa.” De qualquer forma, padres já haviam pregado a Fé em ambos os lados do Mississippi, já cristianizado desde 1519 com o esplêndido nome de “Río del Espíritu Santo”.

O dia 8 de setembro de 1565 ouviu o Pe. Francisco López de Mendoza Grajales oferecer o Santo Sacrifício na fundação da cidade mais velha da nação, St. Augustine na Flórida. Dentro de 100 anos, os incansáveis missionários da região estabeleceram mais de 40 assentamentos para cerca de 26.000 nativos americanos. Os assentamentos chegavam ao norte até St. Catherine’s Island na costa da Geórgia, e recebiam nomes como Ascension, Our Lady of the Rosary e St. Joseph.

Em 1598, nove anos antes de os ingleses desembarcarem em Jamestown, dez frades franciscanos chegaram com Juan de Oñate e colonos espanhóis ao Novo México, que chamaram de Santa Fe. Lá construíram San Gabriel, o primeiro assentamento permanente na área.

Em 1691, Damian Massenet, capelão franciscano de uma expedição ao interior do Texas, acampou na localidade que atualmente é a cidade de San Antonio, cristianizando o novo assentamento com o nome do santo do dia, Antônio de Pádua. O ano 1718 viu a fundação da primeira Missão, “San Antonio de Valero” (mais conhecida hoje como o Álamo). O fundador da Missão de San José foi o Venerável Antonio Margil, popularmente conhecido como “o Padre Voador”, que viajava freqüentemente a pé cerca de 50 milhas por dia, e que deu início a centenas de Missões numa vida de atividades sem descanso, indo das florestas tropicais da Costa Rica até o leste do Texas e as fronteiras da Louisiana.

Entre os pioneiros no Centro-Oeste e no Oeste estavam padres como Francisco Garcés, que, em 1775, liderou os primeiros homens brancos de que se tem registro que entraram em Nevada. No mesmo ano, em Utah, os padres Escalante e Dominguez seguiram o rio que fluía através do Spanish Fork Canyon, chamando-o Río de Aguas Calientes (atualmente o Spanish Fork River). Em 24 de setembro, avistaram o lago e o amplo vale de Nuestra Señora de los Timpanogotiz (atualmente Lago e Vale Utah), que descreveram como “o local mais agradável, belo e fértil em toda a Nova Espanha.”

No século XIX, católicos eram geralmente homens da fronteira, de uma forma ou de outra. Entre eles são notáveis o Pe. Pierre-Jean De Smet, o Apóstolo das Montanhas Rochosas, Pe. Ravalli em Montana e Idaho, e Pe. Lucien Galtier em Minnesota, que construiu uma capela de toras de madeira dedicada a São Paulo em 1841, em torno da qual a cidade de mesmo nome (St. Paul) se desenvolveu.

 

Em direção a Quebec e à América Setentrional e Ocidental

Um exemplo claríssimo de “colonialismo católico”, radiante em sua pureza inicial, foi a fundação do que agora é a cidade de Montreal, na província de Quebec. A inspiração nasceu no coração de um leigo francês conhecido por sua vida de oração mística, Jérome de Dauversière, que estava convencido de que deveria fundar uma Missão na região superior do Rio St. Lawrence. Graças à fervente fé de Paul Chomedey de Maisonneuve, um soldado, e os esforços de 35 franceses que queriam estabelecer um centro de evangelização para os nativos americanos, o projeto decolou. Antes de zarparem, esses bravos homens e mulheres reuniram-se sob o grande Pe. Jean-Jacques Olier, na Catedral de Notre Dame, para consagrarem a si mesmos e seu projeto à Bem-Aventurada Virgem Maria. Ao chegarem ao destino, em maio de 1632, deram a seu assentamento o nome de “Ville Marie” (atualmente Montreal), cantaram o Veni Creator Spiritus e passaram o primeiro dia em adoração ao Santíssimo Sacramento.

Aquilo era o catolicismo em ação: nobres homens e mulheres dedicados a trazer tudo o que fosse bom, verdadeiro e santo a seus próximos na América do Norte, mesmo que isso significasse abandonar sua amada terra e seus parentes na Europa. A pureza de seus motivos e de sua conduta foi uma fragrância sempre presente na história dos outros católicos que fundaram o que se tornou a então intensamente católica terra de Quebec.

Notáveis entre eles foram os “Black Robes7, os padres e irmãos da Companhia de Jesus. Desde o início do século XVII, alguns dos mais admiráveis jovens da França cruzaram o Atlântico para derramar sua vida na América do Norte.

Sua primeira sede foi em Quebec, de onde os jesuítas se espalharam para inaugurar territórios de Missão entre os Hurons em Ontário, Michigan e Ohio; com os Iroquois de Nova Iorque e os Abnakis no Maine; entre os Chippewas, Algonquins e Ottawas no Wisconsin e em Michigan; com os Illinois; e finalmente, entre os Creeks e outras tribos na Louisiana.

O desbravador jesuíta mais famoso foi Jacques Marquette (1635-75). Descrito por seu superior como um homem de “comportamento maravilhosamente gentil”, causou profunda impressão nos nativos americanos, o que é compreensível, pois além de seu natural encanto, aos 38 anos de idade já havia aprendido seis dialetos nativos durante seu trabalho com os Illinois, os Pottawatomis, os Foxes, os Hurons, os Ottawas, os Mackinacs e os Sioux. Sua conduta deixava transparecer um amor excepcionalmente sensível por Deus. Parkman fala de maneira tocante da devoção do padre francês à Imaculada Conceição, em cuja honra nomeou a última Missão por ele fundada, sete semanas antes de sua morte “entre as florestas”.

Em 1673, ele e Louis Jolliet, juntamente com cinco companheiros, partiram de St. Ignace (Michigan) em canoas de casca de bétula em atendimento ao apelo de alguns índios, entre os quais alguns Illinois, que tinham vindo até o padre para pedir-lhe que visitasse sua terra natal próxima a um grande rio. Lançando seus remos nas águas, viajaram mais de 2.000 milhas através do ermo, tornando-se os primeiros europeus a ver e mapear a parte norte do Mississippi, que descobriram desembocar no Golfo do México e não — como se tinha pensado até então — no Pacífico em algum lugar da Califórnia. Em sua jornada, passaram o inverno de 1674 na área que agora é Chicago. Bancroft, escrevendo sobre esses jesuítas, exclama com admiração: “Não se dobrou um cabo, ou se entrou por um rio, mas um jesuíta liderou o caminho.”

Todos os católicos norte-americanos podem reivindicar filiação espiritual dos mártires Isaac Jogues (1607-1646), Jean de Brébeuf (1593-1649) e seus companheiros. Os Hurons chamaram Brébeuf de “Echon”, que significa “árvore que cura” ou “aquele que leva o fardo pesado”, seja porque lhes trazia remédios ou porque o padre, de forte compleição, geralmente carregava mais do que sua parte da carga nas jornadas, ou talvez por ambas as razões. Em 16 de março de 1649, os Iroquois capturaram Jean de Brébeuf e Gabriel Lalemant perto de Georgian Bay. O relato de suas mortes não é para os de coração fraco. Seus captores os amarraram a estacas, arrancaram-lhes o escalpo e os mutilaram, jogaram água fervente sobre seus corpos e aplicaram fogo, colares e machadinhas incandescentes sobre suas peles. Nem um único grito escapou dos lábios de Brébeuf. Os Iroquois, espantados com tamanha super-humana coragem, arrancaram-lhe depois o coração e o comeram, esperando receber algo de seu espírito.

Foi a consumação heróica de uma saga de 15 anos repleta de atos de heroísmo diário, como ele mesmo, de maneira resignada e com um toque de humor, escreveu numa carta de 1636 aos ardentes jovens jesuítas na França que esperavam juntar-se a ele: “Quando forem até os Hurons... vocês chegarão numa época do ano em que as pulgas os manterão acordados durante quase toda a noite. E esse pequeno martírio, para não falar dos mosquitos, biriguis, e outros de mesma linhagem, dura geralmente não menos que três ou quatro meses do verão.”

 

Os Católicos e os Nativos Americanos

As crônicas do Novo Mundo dos séculos XV a XIX abrem uma janela para uma paisagem repleta de padres que simplesmente são figuras maiores que suas próprias vidas: homens que aplicaram suas mentes aguçadas, corações nobres e corpos incansáveis como escudos para a dignidade dos nativos americanos. Eles não devem ser esquecidos jamais. Como em qualquer situação envolvendo homens pecadores, sempre haverá sombras. Entretanto, a verdade que resplandece é que graças a sacerdotes católicos, que abandonaram família, amigos, conforto e cultura para viver com e para os povos do Novo Mundo, a integração racial por meio do casamento, e não a segregação, tornou-se a norma nas Américas, ao menos onde os políticos não bloquearam os esforços da Igreja, como aconteceu na América do Norte anglo-saxã.

Historiadores protestantes e outros intelectuais são críticos da colonização anglo-saxã da América e às vezes chamam a atenção para o quão diferente foi a abordagem católica. C. S. Lewis observou: “Os ingleses... se contentaram com a colonização, que concebiam principalmente como um sistema social de fornecimento de saneamento básico, um alívio para ‘pessoas necessitadas que agora preocupam o império britânico’ e ‘que passam os dias cuidando dos enforcamentos’.” Quão diferente eram os católicos! Como observou o historiador John Tracey Ellis, ao comentar sobre os missionários espanhóis (embora o mesmo pudesse ser dito também dos franceses e dos portugueses):

“Havia um elemento de compaixão pelo pele-vermelha como filho de Deus, na forma de pensar dos missionários espanhóis, que estava completamente ausente na atitude da maioria dos colonos ingleses ao longo da costa do Atlântico. O que inspirava os extraordinários sacrifícios dos missionários, era a convicção de que o índio tinha uma alma digna de ser salva. Isso, e apenas isso, explica a persistência obstinada com a qual os missionários seguiam em frente diante de repetidos reveses e tragédias, tais como o assassinato do Frei Juan de Padilla, seu proto-mártir, nas planícies do Kansas em 1542. Como explicar de outra forma o fato de tantos sacerdotes altamente dotados, como o jesuíta tirolês, Eusébio Kino, e o franciscano de Majorca, Junípero Serra, ambos homens treinados na universidade, terem abandonado seu ambiente cultural para dedicarem suas vidas ao crescimento moral e espiritual desses povos selvagens?”

A cena profundamente tocante, descrita pelo historiador Francis Parkman, de padres jesuítas cuidando dos doentes entre os Hurons, que sofriam de uma epidemia de varíola, repetiu-se milhares de vezes pelas Américas do Norte e Latina:

“Mas quando os vemos, no sombrio fevereiro de 1637 e nos ainda mais sombrios meses subseqüentes, indo a pé de uma vila infectada até a outra, perambulando pela neve encharcada, sob florestas nuas e gotejantes, ensopados pelas chuvas incessantes, até avistarem ao longe através das tempestades as habitações agrupadas de algum vilarejo bárbaro; quando os vemos entrando um após o outro nessas infelizes moradas de miséria e escuridão, e tudo para um único fim, o batismo dos enfermos e moribundos... devemos admirar o zelo abnegado com que o fizeram.”

Não é possível superestimar a importância do que todo esse heroísmo sacerdotal conseguiu. Uma nova raça — os mestiços — passou a existir, nascidos dos casamentos entre católicos europeus e nativos americanos. Sob o ensinamento e a vigilância de tantos sacerdotes, os colonizadores espanhóis, franceses e portugueses reconheceram a igual dignidade dos nativos. Não era só uma questão de discursos floridos, mas de ações concretas. Qual ação poderia ter sido mais concreta do que os milhares de casamentos realizados pelos padres entre europeus e nativos americanos? Eles os casavam, batizavam seus filhos e os educavam. Então vinha a Igreja coroando e selando sua dignidade ao elevar alguns dos nativos ao mais alto grau no catolicismo — o de santo canonizado — como ocorreu com o mulato São Martinho de Porres — a quem todos os católicos, seja negro, mulato ou branco, papa ou camponês, dobram o joelho como a heróis, e rezam como a intercessores.

Se ao menos permitissem à Igreja fazer o mesmo na América Anglo-Saxônica, como ela fez na América Latina! As realizações da Igreja na América Latina apresentam-se como um contraste com a história das relações entre os nativos americanos e os colonizadores no Norte, onde a Igreja, num contexto sócio-político freqüentemente hostil ao catolicismo, foi impedida em seus esforços de evangelização e promoção da integração. É um tanto doloroso lembrar o grau de anti-catolicismo nos Estados Unidos, que impediu a Igreja de levar a cabo sua missão. Mesmo nas 13 colônias, católicos quase não eram tolerados desde o início do século XVIII, apesar do fato de a colônia católica em Maryland, fundada por Lord Baltimore, ter acolhido todos os grupos cristãos. O decreto de 1704 do Parlamento de Baltimore, proibindo os católicos de ensinar, ou mesmo de rezar a Missa em público, causa indignação até os dias de hoje.

Os próprios nativos geralmente reconheciam os benefícios das Missões e, com poucas exceções, amavam os sacerdotes católicos com quem tinham contato. Um relato enviado ao centro missionário da Igreja em Roma (Propaganda Fide) em 1821 dizia: “Eles têm uma grande veneração pelos Black Robes (assim chamam os Jesuítas). Contam como os Black Robes dormiam no chão, expunham-se a todo tipo de privação e não pediam dinheiro.”

Um convicto protestante escocês, Alexander Forbes, apesar de bastante crítico às Missiones em alguns aspectos, mesmo assim dizia:

“A melhor e mais inequívoca prova da boa conduta dos padres franciscanos encontra-se na ilimitada afeição e devoção invariavelmente a eles demonstrada pelos índios que lhes estão sujeitos. Estes os veneram, não apenas como a amigos e pais, mas com um grau de devoção que se aproxima da adoração. Por ocasião das remoções que aconteceram nos últimos anos por causas políticas, a aflição dos índios em se separarem de seus pastores foi extrema. Suplicaram que lhes fosse permitido seguir os padres em seu exílio, com lágrimas e lamentações, e com todas as demonstrações de verdadeiro pesar e irrestrita afeição. De fato, se alguma vez já existiu exemplo mais perfeito, em justiça e propriedade, na comparação do padre e seus fiéis com um pastor e seu rebanho, é no caso de que estamos tratando.”

A diferença católica devia-se à visão de mundo católica. Esta foi sumarizada pelas primeiras palavras no registro de viagem de um dos primeiros exploradores da América do Norte, um leigo protestante convertido ao catolicismo, Samuel de Champlain (1567-1635): “A salvação de uma única alma vale mais do que a conquista de um império.”

(Angelus Press, Julho/2020 - tradução: Permanência)

  1. 1. Assim são chamados os imigrantes ingleses puritanos que partiram da Inglaterra em setembro de 1620 a bordo do navio Mayflower, rumo aos Estados Unidos. [N. do T.]
  2. 2. Olavo I da Noruega (960-1000). [N. do T.]
  3. 3. Sigurdo I da Noruega (1090-1130). [N. do T.]
  4. 4. J. R. R. Tolkien, O Silmarillion, p. 124, Martins Fontes, 2002.
  5. 5. Extensa ilha na costa leste do Canadá. [N. do T.]
  6. 6. “O estreito do Lago Erie”, de onde vem o nome da cidade de Detroit. [N. do T.]
  7. 7. Literalmente “Túnicas Pretas”. [N. do T.]
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