Skip to content

A infância espiritual

Outubro 3, 2020 escrito por admin

(Excerto da Alocução do Papa Bento XV, em 14-8-1921 ao promulgar as virtudes heróicas de Santa Teresinha).

 

“A criança tem consciência de sua fraqueza, e a esse respeito nos dá uma grande lição. Ela nos lembra a condição indispensável a toda santidade: o conhecimento de nossa fragilidade e de nossa incapacidade para o bem. A infância espiritual ‘exclui todo sentimento de soberba, a presunção de atingir por meios humanos um fim sobrenatural e a veleidade enganadora da auto-suficiência no momento do perigo e da tentação. Por outro lado, ela pressupõe uma fé viva na existência de Deus, uma homenagem prática ao seu poder e à sua misericórdia, um abandono confiante na Providência d’Aquele que nos concede a graça de evitar o mal e fazer o bem’. As qualidades desta infância espiritual são, portanto, admiráveis, sejam elas consideradas de um ponto de vista negativo ou positivo. Compreende-se, por isso, que Nosso Senhor Jesus Cristo a tenha indicado como condição necessária para adquirir a vida eterna. ‘Em verdade, eu vos digo: se não vos converterdes e não voltardes a ser como as criancinhas, não entrareis no reino dos céus’ (Mt. 18, 3)”.

Oh! a eloqüente lição que aniquila o erro e a ambição daqueles que, considerando o reino dos céus como um império da terra, sonham nele ocupar os primeiros lugares e perguntam qual deles lá será o maior! Mas para melhor estabelecer que a preeminência no reino dos céus será o privilégio da infância espiritual, o Senhor continua nestes termos: “Quem se fizer pequeno como esta criança será o maior no reino dos céus”. Em outra ocasião, quando várias mães apresentavam-Lhe seus filhos para que Ele as abençoasse, e os discípulos as queriam afastar, Jesus indignou-se e disse: “Deixai vir a Mim as criancinhas, não as afasteis, pois a elas pertence o reino dos céus”. E concluiu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo: quem não receber o reino dos céus como uma criancinha, não entrará nele” (Mc. 10, 15).

É preciso observar a força desta linguagem divina. Não basta ao Filho de Deus afirmar de maneira positiva que o reino dos céus pertence às crianças, ou que aquele que se tornar semelhante a uma criancinha será o maior no reino dos céus; Ele ensina, além disso, e de maneira explícita, a exclusão deste reino de todos aqueles que não se assemelharem às criancinhas. Ora, quando um mestre explica uma lição de várias formas, não quer ele, por esta multiplicidade de formas, mostrar que a sua lição lhe é particularmente cara? Se ele esforça-se por inculcá-la em seus alunos é porque deseja torná-la, de uma maneira ou de outra, mais seguramente entendida.

Devemos pois, concluir que o Divino Mestre deseja expressamente vejam seus discípulos na infância espiritual a condição necessária para obterem a vida eterna.

Diante da insistência e da firmeza deste ensinamento, pareceria impossível que uma única alma pudesse ainda negligenciar esta vida de confiança e de abandono, tanto mais que as palavras de Cristo, não somente de modo geral, mas de maneira especial, declaram esta linha de conduta obrigatória mesmo para aqueles que perderam a candura da infância. Alguns são levados a crer que esta vida de infância e abandono é unicamente reservada às almas cândidas, que o mal não despojou de sua primeira inocência. Não concebem a possibilidade da prática da infância espiritual por aqueles que perderam esta simplicidade original.

Mas não são as palavras do Divino Mestre: “Se não vos converterdes e não vos tornardes como as criancinhas”, indicadoras da necessidade absoluta de uma mudança e de um esforço neste sentido? “Se não vos converterdes”: eis aqui indicada a mudança que deverão operar os discípulos de Cristo para “tornarem a ser crianças”. E quem deve “tornar a ser criança”, senão aquele que não o é mais? “E se não vos tornardes como as criancinhas”: eis agora a indicação do esforço a realizar, pois entende-se que deve haver um verdadeiro trabalho por parte do homem maduro para voltar a ser o que já não é mais há muito tempo. As palavras de Jesus: “Se não vos tornardes como criancinhas” implicam, portanto, na obrigação de trabalhar para a reconquista dos dons da infância”.

 

Tradução de Maria Angélica de Sousa Bruno

AdaptiveThemes