John Vennari
Podemos dizer seguramente que a devoção à Sagrada Face tem uma importância especial para o nosso tempo, principalmente por esta razão: o Céu nos disse por meio da Irmã Maria de São Pedro que a Sagrada Face de Jesus é um símbolo da religião católica. Ainda mais, a imagem de sua Face que Ele nos deu para nossos tempos não é uma imagem bela, saudável e encantadora, mas surrada, sofredora e desfigurada: a imagem sofrida do Véu de Verônica1.
Como não ver nisso uma profecia velada para a Igreja de nossos dias? A crise de Fé que atingiu a Igreja desde os anos 1960 desfigurou a face do Catolicismo. Desfigurados foram o Santo Sacrifício da Missa, a teologia, a instrução religiosa católica para adultos e crianças, a formação nos seminários, os conventos e a vida religiosa, o interior de nossas igrejas; até o ensinamento católico sobre o sacramento do matrimônio está sendo desfigurado2. Em suma, a religião católica, representada pela Sagrada Face de Cristo, está agora desfigurada pelo cruel açoite do aggiornamento. Na mesma linha, há razões adicionais para considerar as revelações da Irmã Maria de São Pedro uma profecia para os dias de hoje.
1) “A Igreja será eclipsada”
Como já mencionado, há uma conexão entre as revelações de Nosso Senhor para a Irmã Maria e as de Nossa Senhora em La Salette. Ambas alertaram para a necessidade de reparação pelos pecados de blasfêmia e de profanação dos domingos. Mas nossa Bem-Aventurada Mãe também previu uma grande crise na Igreja. Entre outros avisos, Nossa Senhora de La Salette disse: “A Igreja será eclipsada.” 3 Esse período de provação para a Igreja, predito por Nossa Senhora, parece ter seu reflexo na Face desfigurada de Jesus, que é o símbolo da religião católica esbofeteada por seus inimigos. Lembremo-nos das palavras de Nosso Senhor:
“A Terra está coberta de crimes! Meu Pai está irado com a violação dos três primeiros Mandamentos de Deus. A blasfêmia para com o Santo Nome de Deus e a profanação do Santo Dia do Senhor completam a medida das iniqüidades. Esses pecados subiram ao Trono de Deus e provocaram sua cólera, que irromperá se sua justiça não for aplacada. Em nenhuma outra época esses crimes alcançaram tal ponto.” 4
Até esse ponto, nossa ênfase tem sido nos avisos do Céu sobre as violações ao Segundo e Terceiro Mandamentos, que são os pecados da blasfêmia e da profanação dos domingos. Contudo, Nosso Senhor, na citação acima, está indo além e menciona especificamente “a violação dos três primeiros Mandamentos”, que inclui o Primeiro: “Eu sou o Senhor teu Deus. Não terás outros deuses diante de Mim.” O que constitui, então, um pecado contra o Primeiro Mandamento? A resposta encontra-se no Catecismo do Concílio de Trento, no Catecismo de São Pio X e no Catecismo de Baltimore5. Em resumo, o Primeiro Mandamento proíbe idolatria, superstição, espiritismo, tentar a Deus, sacrilégio e pecados contra a Fé. O catecismo então pergunta: “Como um católico peca contra a Fé?” Resposta: “Um católico peca contra a Fé por apostasia, heresia, indiferentismo e ao tomar parte num culto não católico.” 6
Ao tomar parte num culto não católico! Isso é, de fato, uma poderosa acusação contra a presente prática ecumênica, que tem varrido e desfigurado a Igreja desde o Concílio. Por causa do ecumenismo, testemunhamos o inaudito escândalo de prelados, padres e leigos católicos rezando publicamente com membros de falsas religiões, e até mesmo conduzindo liturgias interdenominacionais [que não são liturgia de forma alguma] dentro de igrejas protestantes. Vemos nossos líderes do mais alto escalão na Igreja dialogando com a heresia, em vez de combatê-la aberta e corajosamente. Pela primeira vez em nossa história sagrada, desafiando dois mil anos de ensinamento católico, é política eclesiástica aceitar membros de falsas religiões com suas falsas crenças, em vez de combater seus erros e trabalhar para convertê-los à única verdadeira Igreja de Cristo. Isso é particularmente evidente na conhecida declaração do Cardeal Walter Kasper, então prefeito do Pontifício Conselho do Vaticano para Promoção da Unidade Cristã: “...hoje em dia não entendemos mais o ecumenismo no sentido de um retorno, pelo qual os outros ‘seriam convertidos’ e voltariam a ser ‘católicos’. Isso foi expressamente abandonado no Vaticano II.” 7
Essa declaração, que despreza o exaustivamente definido dogma de que “fora da Igreja não há salvação”, realmente reflete o verdadeiro “Espírito do Vaticano II”. O Padre Joseph Ratzinger, em seu livro de 1966 Theological Highlights of Vatican II, disse a mesma coisa sobre a nova orientação do Concílio em relação aos não-católicos:
“A Igreja Católica não tem qualquer direito de absorver as outras Igrejas... [uma] unidade básica ― de Igrejas que permanecem Igrejas, mas que se tornam uma só Igreja ― tem de substituir a idéia de conversão, mesmo que a conversão retenha sua significância para aqueles motivados em consciência a buscá-la.” 8
Essa nova orientação, que alega que não-católicos não precisam se converter porque já são “de alguma forma misteriosa” 9 parte da Igreja de Cristo, desafia o ensinamento perene da Igreja sobre a necessidade de não-católicos abandonarem seus erros e retornarem à única verdadeira Igreja de Jesus Cristo, como resumido por Pio XII, em 1949, numa Instrução sobre o movimento ecumênico:
“...a doutrina católica completa e inteira deve ser apresentada e explicada: de forma alguma é permitido deixar em silêncio ou dissimular por termos ambíguos a verdade católica sobre [...] a única verdadeira união que acontece por meio do retorno dos dissidentes à única Igreja de Cristo10. [a Igreja Católica]”
Além disso, essa recusa em combater a heresia, particularmente a heresia do protestantismo, traz à mente as palavras do renomado escritor do século XIX, o Padre Frederick Faber: “Onde não há ódio pela heresia, não há santidade.” 11
Uma das muitas razões pelas quais a Igreja sempre proibiu esse tipo de prática ecumênica propagada desde o Vaticano II deve-se ao fato de que ela põe a única verdadeira religião estabelecida por Nosso Senhor em pé de igualdade com credos inventados pelo homem. De fato, os dois mil anos de ensinamento católico condenando o ecumenismo estão sumarizados na Encíclica de Pio XI de 1928, Mortalium Animos; uma condenação profética e completa do ecumenismo do Vaticano II. Foi ali que o Papa Pio XI alertou:
“...é manifestamente claro que a Santa Sé não pode, de modo algum, participar de suas assembléias e que, aos católicos, de nenhum modo é lícito aprovar ou contribuir para essas iniciativas [ecumênicas]: se o fizerem concederão autoridade a uma falsa religião cristã, sobremaneira alheia à única Igreja de Cristo.” 12
Da mesma forma, o bispo Dom George Hay demonstra magistralmente a condenação das Escrituras a respeito da associação religiosa com não-católicos, especialmente em seu livro The Sincere Christian (O Cristão Sincero), sob o título “Sobre a comunicação em religião com aqueles que estão separados da Igreja de Cristo”.
Tragicamente, o “pan-cristianismo” condenado por Pio XI, por todos os seus predecessores e pelas Sagradas Escrituras é visto agora pelos homens nos mais altos escalões de nossa Igreja como um limiar de esperança. Assim, na ordem objetiva13, o acomodamento do ecumenismo com falsas religiões constitui um pecado contra o Primeiro Mandamento, um dos três que Nosso Senhor disse estarem sendo especialmente violados em nosso tempo e merecedor de severo castigo. E temos visto os resultados do ecumenismo: desfigura e eclipsa o Catolicismo, porque tenta acomodar a verdade católica com os erros dos hereges. A Missa Nova, fabricada de acordo com os princípios do ecumenismo e elogiada por muitos protestantes como aceitável para eles14, é provavelmente o exemplo mais notável de como o ecumenismo desfigura a verdadeira Fé católica. Mais exemplos serão dados adiante.
2) A Blasfêmia dos Hereges
Nosso Senhor queixou-se com a Irmã Maria de São Pedro sobre os pecados contra o Segundo Mandamento, nomeadamente a blasfêmia. Se consultarmos o Catecismo do Concílio de Trento, veremos que quem apóia a heresia e “destitui a Sagrada Escritura de seu sentido reto e verdadeiro” é culpado de pecado contra o Segundo Mandamento15. Assim, aqueles que distorcem o significado das Escrituras ― especificamente, os protestantes ― são, na ordem objetiva, culpados desse pecado, porque a perversão das Sagradas Escrituras é uma irreverência em relação à Santa Palavra de Deus. Em contraste, em nome do ecumenismo, católicos são agora encorajados a assistir a palestras de pastores em templos protestantes16. Além disso, o Diretório para a Aplicação dos Princípios e Normas sobre o Ecumenismo, publicado pelo Vaticano em 1993, encoraja uma inaudita camaradagem ecumênica entre católicos e não-católicos, algo sempre considerado pela Igreja como um grave pecado contra a Fé. O Diretório:
Os líderes de nossa Igreja praticamente abandonaram o ensinamento tradicional do Catecismo do Concílio de Trento. Enviam agora católicos para os braços dos protestantes que, na ordem objetiva, blasfemam contra Nosso Senhor por meio da perversão de Sua Palavra nas Sagradas Escrituras. À luz dos pedidos de reparação de Nosso Senhor à Irmã Maria de São Pedro pelos pecados contra o Segundo Mandamento, talvez possamos empreender a prática diária da oração da Seta de Ouro em reparação a Nosso Senhor pela irreverência dos protestantes em relação às Sagradas Escrituras e pelos iludidos “ecumenistas católicos” que promovem a camaradagem religiosa com membros de falsas religiões e dela participam.
3) A Infiltração Comunista na Igreja
Há uma terceira razão pela qual as revelações de Nosso Senhor à Irmã Maria de São Pedro parecem ter uma aplicação especial para nossa época. Em 1847, Nosso Senhor nomeou os comunistas como “os inimigos da Igreja e de seu Cristo” 18. Disse também que puniria o mundo não por meio dos elementos, mas antes pela “malícia dos homens rebeldes” 19. Mais de cem anos depois, vivemos agora num período em que as ações maliciosas desses “homens rebeldes” têm uma influência direta na desfiguração da religião católica, representada na Face torturada de Cristo.
A Dra. Bella V. Dodd foi uma comunista de alto escalão, designada como Advogada Geral do Partido Comunista nos Estados Unidos. Posteriormente, entretanto, retornou à Fé católica, que tinha abandonado cedo em sua vida. Na década de 1950, após sua conversão, ministrou numerosas palestras sobre a bem-sucedida infiltração comunista nas instituições religiosas e na Igreja Católica em particular, explicando que, nos anos 30 e 40, o Comitê Central havia decidido enviar radicais aos seminários para subverter a Igreja desde dentro. Agentes comunistas começaram a fazer isso por todo o Ocidente e a própria Bella Dodd, segundo conta, recrutou pessoalmente mais de mil jovens radicais para que entrassem em seminários católicos ― e ela foi apenas uma dentre os comunistas que assim fizeram20.
Outro ex-comunista, o Sr. Manning Johnson, deu um testemunho similar. Em 1953, declarou ao Comitê de Atividades Antiamericanas:
“Uma vez que a tática de infiltração em instituições religiosas foi estabelecida pelo Kremlin, (...) os comunistas descobriram que a destruição da religião poderia ocorrer muito mais rapidamente por meio da infiltração da Igreja por comunistas que operassem de dentro dela.”
E completou: “O sucesso dessa política de infiltração de seminários foi além de nossas expectativas comunistas.” 21 Provavelmente não foi coincidência que, ao mesmo tempo em que o Sr. Johnson dava esse testemunho, os dominicanos franceses tivessem se tornado tão comunistas em sua conduta a ponto de, em 1953, a Ordem ter escapado por pouco de ser dissolvida por comando do Papa Pio XII22. Falando da infiltração de instituições religiosas em geral, Manning Johnson explicou:
“...o grande plano para tomar as organizações religiosas foi gestado realmente durante aquele período particular [1935], e o fato de que os comunistas possam se gabar nas manchetes do Daily Worker de terem o apoio de 2.300 ministros protestantes é resultado daquele plano, que começou nos anos 30, quando eu era membro do Partido Comunista.” 23
Outro depoimento de Bella Dodd chegou-me por uma testemunha de primeira mão, um conhecido meu, agora falecido, que a ouviu pessoalmente no início da década de 1950 dizendo que os comunistas, àquela altura, tinham seus homens instalados nos mais altos postos da Igreja Católica. Esses homens estavam trabalhando para que a Igreja sofresse tal mudança que não seria mais capaz de fazer algo efetivo contra o comunismo. No início dos anos 50, descrevendo as mudanças que aconteceriam no futuro, Bella Dodd previu que “em dez ou quinze anos, vocês não reconhecerão a Igreja Católica.” Ela explicou que a tática era destruir não a instituição da Igreja, mas antes a Fé das pessoas, e até usar a própria instituição, se possível, para destruir a Fé por meio da promoção de uma pseudo-religião ― algo que se parecesse com o catolicismo, mas que não o fosse realmente24.
A Sra. Dodd também afirmou que os comunistas eram uma força atuante nas Nações Unidas25, e que o Conselho Mundial de Igrejas pertencia, “de cabo a rabo”, a eles. Isso é especialmente digno de nota, já que esse Conselho foi um pioneiro em termos de “diálogo” e ecumenismo. O CMI vangloria-se de ser “o instrumento mais abrangente do movimento ecumênico no mundo de hoje.” 26
O período de tempo indicado por Bella Dodd para a violenta convulsão na Igreja (“dez ou quinze anos” a partir do início da década de 1950) coincide precisamente com o acordo Roma-Moscou. Às vésperas do Vaticano II, os líderes de nossa Igreja prometeram não condenar o comunismo em troca da participação de observadores russo-ortodoxos no Concílio27. Esse acordo também forma a base da Ostpolitik28 da Igreja com a China comunista, sendo ainda parte da nova abordagem do Vaticano II que promove a alegada “abertura ao mundo”, em lugar da confrontação corajosa dos graves males. O resultado foi aquele previsto por Bella Dodd: a Igreja Católica não é mais capaz de fazer algo efetivo, nem mesmo remotamente, contra o comunismo e outros programas anticristãos29. A previsão de Bella Dodd também coincide com a violenta onda que atingiu a Igreja nos anos 60 devido ao progressismo e ao ecumenismo do Concílio Vaticano II, que continua a desfigurar nossa religião até hoje30.
Por essas e outras razões, penso que podemos considerar as revelações de Nosso Senhor sobre a reparação à Sagrada Face como uma profecia velada sobre a presente crise de Fé. Praticar essa devoção, creio, é um meio especial de fazer reparação a Nosso Senhor pelos ultrajes que Ele sofre em nossos tempos, e poderia até nos dar, talvez, graças especiais para sermos fiéis até a morte ao ensinamento e à prática tradicionais da Igreja durante este período de ― nas palavras da Irmã Lúcia de Fátima ― “desorientação diabólica” da alta hierarquia. E mesmo que essa devoção não nos dê essas graças automaticamente, podemos certamente pedi-las em nossas orações à Sagrada Face. Nosso Senhor nos deu grande esperança em uma das Nove Promessas31: “Por essa oferta [de sua Sagrada Face], nada vos será recusado.”
Para encerrar esta seção sobre a presente crise na Igreja, há uma última citação de Nosso Senhor que tem especial relevância. Em 13 de fevereiro de 1848, numa das mensagens finais dadas à Irmã Maria de São Pedro, Nosso Senhor fez um apelo urgente: “A Igreja está ameaçada por uma horrível tempestade. Rezai! Rezai!” 32
Os comentaristas da época interpretaram essas palavras como uma previsão dos sofrimentos pelos quais a Igreja passou durante as revoluções do século XIX na França e na Itália. Mas à luz das considerações acima, essa previsão parece aplicar-se ainda mais à crise de Fé existente desde o Concílio Vaticano II, porque, de fato, a Igreja passa agora por “uma horrível tempestade”. Até o Papa Paulo VI teve de admitir em 1972 que “a fumaça de Satanás entrou na Igreja de Deus.” 33 Tragicamente, tudo na Igreja tornou-se ainda mais desfigurado desde que Paulo VI pronunciou essas terríveis palavras.