Para se ter uma idéia completa dessa plenitude em seu desenvolvimento final, deve-se considerar o que é a beatitude eterna em Maria: a visão beatífica, o amor de Deus e a felicidade que dali resultam; em seguida, a sua elevação acima de todos os coros dos anjos, a sua participação na realeza de Cristo e as conseqüências que dali derivam.
A beatitude essencial de Maria
A beatitude essencial da Mãe de Deus supera por sua intensidade e extensão aquela concedida a todos os outros bem-aventurados. É uma doutrina certa. A razão é que a beatitude celeste, ou a glória essencial, é proporcionada ao grau de graça e de caridade que precede a entrada no Céu. Ora, a plenitude inicial de graça em Maria superava certamente a graça final dos maiores santos e dos anjos mais elevados, e é mesmo muito provável, senão certo, já o vimos, que ela também superava a graça final de todos os santos e anjos reunidos. Essa plenitude inicial foi-lhe outorgada para que fosse a digna Mãe de Deus, e a Maternidade Divina é, por seu fim, não o repetirei suficientemente, de ordem hipostática. Segue-se então que a beatitude essencial de Maria ultrapassa a de todos os santos tomados em conjunto.
Em outras palavras, assim como a visão da águia supera a de todos os homens colocados no mesmo lugar que ela, como o valor intelectual de um Santo Tomás o coloca acima de todos os seus comentadores reunidos, ou a autoridade de um rei sobre a de todos os seus ministros juntos, a visão beatífica em Maria penetra mais profundamente a essência de Deus contemplado face a face que a visão de todos os outros bem-aventurados, excetuando-se a santa alma de Jesus.
Ainda que as inteligências angélicas sejam naturalmente mais poderosas que a inteligência humana de Maria, e mesmo a de Jesus Cristo, a inteligência humana da Santíssima Virgem penetra mais profundamente a essência divina intuitivamente conhecida, pois está elevada e fortalecida por uma luz de glória intensíssima. De nada serve ter uma faculdade intelectual naturalmente mais poderosa para alcançar e penetrar melhor o objeto, sendo esse essencialmente sobrenatural; da mesma forma que uma humilde cristã iletrada, como Santa Genoveva ou Santa Joana d’Arc, pode ter uma fé infusa e uma caridade muito maiores que a de um teólogo dotado de uma inteligência natural superior e que seja muito instruído.
Daí, segue que Maria, no Céu, penetrando mais a essência de Deus, Sua sabedoria, Seu amor e Seu poder, vê melhor a irradiação dessa essência divina, do ponto de vista da extensão, na ordem das realidades possíveis e na ordem das realidades existentes.
Ademais, como os bem-aventurados vêem em Deus tanto mais coisas quanto mais extensa é a sua missão ― se, por exemplo, Santo Tomás compreende melhor que todos os seus comentadores e intérpretes o que concerne à influência e ao futuro de sua doutrina na Igreja ― Maria, em sua qualidade de Mãe de Deus, de Mediadora universal, de Corredentora, de Rainha dos anjos, de todos os santos e de todo o universo, compreende em Deus, in Verbo, muitíssimo mais coisas que os outros bem-aventurados.
Maria só não é superior, na glória, a Nosso Senhor, que, por sua inteligência humana, iluminada por uma luz de glória mais elevada, penetra a essência divina com uma profundidade maior ainda, e conhece assim alguns mistérios que Maria não alcança, porque só pertencem a Ele, como Salvador, Soberano Pontífice e Rei universal. Maria vem imediatamente depois d’Ele. Por isso a liturgia afirma, na festa de 15 de agosto, que ela foi elevada sobre todos os coros dos anjos: “Elevata est super choros angelorum, ad caelestia regna”; que ela está à direita de seu Filho: “Adstitit regina a dextris suis ― Apresentou-se a rainha à sua destra” 1. Maria constitui, na própria hierarquia dos bem-aventurados, uma ordem à parte, mais elevada que a dos serafins, diz Santo Alberto Magno 2, e mais que a dos querubins, porque a Rainha está muito mais acima dos primeiros servidores, que estes com relação aos que lhes seguem.
Ela participa mais que qualquer outra pessoa, como Mãe de Deus, da glória do seu Filho. E como no Céu a divindade de Jesus é absolutamente evidente, é também sumamente claro que Maria pertence, como Mãe do Verbo feito carne, à ordem hipostática, que ela tem uma afinidade especial com as Pessoas Divinas, e que participa também, mais que qualquer outro, do reinado universal de seu Filho sobre todas as criaturas.
É o que expressam maravilhosamente as orações litúrgicas: Ave Regina coelorum... Regina Coeli... Salve Regina... e nas ladainhas: Regina angelorum... Regina omnium sanctorum... Mater misericordiae, e assim por diante. Isso é o que afirma também o Papa Pio IX na bula Ineffabilis Deus, numa passagem já citada 3.
Essa doutrina é encontrada de maneira explícita em São Germano de Constantinopla4, São Modesto5, São João Damasceno 6, Santo Anselmo7, São Bernardo8, Santo Alberto Magno9, São Boaventura, Santo Tomás10 e em todos os doutores da Igreja.
A beatitude acidental de Maria
Para a sua beatitude acidental contribuem, finalmente, um conhecimento mais íntimo da humanidade gloriosa de Cristo, o exercício de sua mediação universal, de sua maternal misericórdia e o culto de hiperdulia que recebe como Mãe de Deus. Também se lhe atribui, de maneira eminente, a tríplice coroa dos mártires, dos confessores da fé e das virgens, pois sofreu mais que todos os mártires durante a Paixão de seu Filho, instruiu aos próprios Apóstolos de maneira íntima e privada, e conservou em toda sua perfeição a virgindade do espírito e do corpo.
Nela, a glória do corpo, que é irradiação da glória da alma, lhe é atribuída em grau, como clareza, agilidade, sutileza e impassibilidade.
Por todos esses títulos, Maria está elevada acima de todos os santos e de todos os anjos, e se torna cada vez mais claro que a razão e a raiz de todos esses privilégios é sua eminente dignidade de Mãe de Deus.