Maria permaneceu no mundo, depois da morte de Jesus Cristo, para consolar a Igreja, diz Bossuet1. Ela o fez com suas orações e com seus méritos, que não deixaram de aumentar; sustentou os Apóstolos em seus trabalhos e em seus sofrimentos e exerceu um profundo apostolado oculto, que fecundava o apostolado dos discípulos de Cristo.
Já vimos anteriormente, ao falar das conseqüências do privilégio da Imaculada Conceição, que em Maria, assim como em Nosso Senhor, a morte não foi uma seqüela do pecado original, do qual foram preservados, mas a conseqüência da natureza humana, pois o homem, por sua natureza, é mortal, como os animais; só era imortal na origem, por um privilégio preternatural concedido no estado de inocência; com a perda do privilégio como conseqüência do pecado original e da falta do primeiro homem, a natureza permaneceu tal qual era: sujeita à dor e à morte.
Cristo, vindo a este mundo como Redentor, foi concebido in carne passibili, em carne passível e mortal2. O mesmo deve-se dizer da Santíssima Virgem. A morte foi então neles uma conseqüência não do pecado original, do qual foram preservados, mas da natureza humana abandonada às leis naturais, depois de ter perdido o privilégio da imortalidade.
Mas Jesus aceitou e ofereceu sua dolorosa paixão e morte para nossa salvação, e Maria, sobretudo no Calvário, ofereceu seu Filho por nós, oferecendo-se a si mesma com Ele. Fez por nós, assim como o Cristo, no martírio do seu coração, o sacrifício de vida mais generoso possível depois daquele de Nosso Senhor.
Quando, mais tarde, chegou a hora de sua morte, o sacrifício de sua vida já estava feito, e renovou-se tomando a forma perfeita disso que a Tradição chamou de ‘a morte de amor’, que não é somente a morte em estado de graça ou por amor, mas é conseqüência da intensidade de um amor tranqüilo mas intenso, pelo qual a alma preparada e aperfeiçoada para o Céu abandona seu corpo e vai unir-se a Deus na visão imediata e eterna da pátria celestial, como um grande rio se lança no oceano.
Sobre os últimos momentos da Virgem Maria, deve-se repetir o que escreveu São João Damasceno: “que morreu de uma morte sumamente serena”3. Isso o explica admiravelmente São Francisco de Sales em seu Tratado do amor de Deus4: Como a Santíssima Virgem, Mãe de Deus, morreu de amor por seu Filho. “É impossível imaginar que ela tenha morrido de outra categoria de morte que a de amor: a mais nobre de todas as mortes deve-se, por conseqüência, à mais nobre de todas as vidas... Se dos primeiros cristãos se diz que não tinham mais que um só coração e uma só alma (At 4, 32) por seu perfeito e mútuo amor; se São Paulo já não vivia mais ele mesmo, mas Jesus Cristo vivia nele (Gl 2, 29) pela união íntima de seu coração com o de seu Mestre... quanto mais certo é que a Santíssima Virgem e seu Filho não tinham senão uma só alma, um só coração e uma mesma vida... de modo que seu Filho vivia nela! A Mãe mais amorosa e mais amada que já existiu... de amor incomparavelmente mais eminente que o de todas as ordens de anjos e de homens, na medida em que os nomes de Mãe única e de Filho único são também os nomes acima de todos os outros nomes em matéria de amor...
“Se essa Mãe viveu da vida de seu Filho, também morreu da sua morte, pois, tal vida, tal e qual é a morte... Tendo reunido em seu espírito com viva e contínua memória todos os amabilíssimos mistérios da vida e da morte de seu Filho, e recebendo sempre diretamente as mais abrasadas inspirações que Ele, o sol da justiça, lançou sobre os mortais no auge da sua caridade... finalmente, o fogo sagrado desse divino amor consumiu-a totalmente, como um holocausto de suavidade; de maneira que morreu, e sua alma completamente arrebatada e extasiada foi transportada para os braços amorosos de seu Filho...
“Morreu por causa de um amor extremamente doce e tranquilo”. “O amor divino crescia a cada momento no coração virginal de nossa gloriosa Senhora, mas com um desenvolvimento doce, agradável e contínuo, sem agitações, sobressaltos ou violências... como cresce um rio caudaloso que, não encontrando obstáculos na planície, desliza suavemente, sem o menor esforço...
“Como o ferro, se está livre de todo impedimento, será atraído forte mas docemente pelo ímã, de modo que a atração será cada vez mais ativa e mais forte na medida em que um esteja mais próximo do outro e que o movimento esteja mais próximo de seu fim, assim também a Mãe Santíssima, não tendo nada em si que impedisse a operação do divino amor de seu Filho, unia-se a Ele num vínculo incomparável, por meio de êxtases doces, agradáveis e sem esforço... A morte da Virgem foi, portanto, mais doce do que se pode imaginar; seu Filho a atraía amorosamente, ‘com o suave aroma de seus perfumes’... O amor havia dado ao pé da Cruz a essa divina Esposa as supremas dores da morte; era, portanto, muito razoável que no final de sua vida a morte concedesse-lhe as soberanas delícias do amor”.
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Bossuet expressa-se da mesma maneira em seu primeiro sermão para a festa da Assunção, no primeiro ponto: “Se amar Jesus e ser amado por Ele são as duas coisas que atraem as bênçãos divinas sobre as almas, que abismo de graças não inundaria, por assim dizer, o coração de Maria! Quem poderá descrever a impetuosidade desse amor mútuo, no qual concorria tudo o que a natureza tem de terno e amável e tudo o que a graça tem de eficaz? Jesus nunca se cansou de ser amado por sua Mãe e essa Santa Mãe nunca acreditou ter amor suficiente para esse unigênito muito amado; ela não pedia outra graça a seu Filho além da fortuna de amá-lo, e isso mesmo atraía sobre ela novas graças.
“Medi, se puderdes, a santa impaciência que abrasava seu peito para se juntar a seu Filho... Se o grande apóstolo São Paulo quis romper incontinente os laços do corpo para ir buscar seu Mestre à direita do Pai, qual não deve ter sido a emoção do sangue maternal! O jovem Tobias, pela ausência de um ano, encheu o coração de sua mãe de dores indizíveis. Que diferença entre Jesus e Tobias! Que padecimento e solidão não sentiu a Virgem ao ver-se separada por tanto tempo do Filho a quem amava unicamente! Por quê? ― dizia ela, quando via um fiel partir deste mundo, por exemplo, Santo Estêvão e ainda outros ― por que, Filho meu, me reservais para o futuro? Por que me deixais aqui por última?... Depois de me terdes levado ao pé de vossa cruz para vê-lo morrer, por que me negais por tanto tempo vê-lo reinar? Deixai, deixai somente agir o meu amor; já teria desatado minha alma deste corpo mortal para transportar-me a vós, em quem unicamente vivo.
“Esse amor tão ardente, tão forte, tão inflamado, não enviava ao Céu um só desejo que não arrastasse consigo a alma de Maria.
“Então a Virgem divina entregou sua santa alma, sem dores nem violências, nas mãos de seu Filho. Assim como a menor sacudidela faz desprender da árvore o fruto já maduro... assim foi tomada essa alma santa e bendita para ser transportada instantaneamente ao Céu; assim morreu a Santíssima Virgem, por um impulso arrebatado do amor divino”.
Vemos nessa morte santíssima a plenitude final de graça no mais alto grau que pode ser na Terra; ela corresponde admiravelmente à plenitude inicial, que não deixou de crescer desde o instante da Imaculada Conceição, e dispõe Maria à plenitude consumada do Céu, que é sempre proporcionada, nos eleitos, ao grau de seus méritos no momento mesmo da morte.