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Artigo 9 - Se a justiça versa sobre as paixões.

O nono discute-se assim. – Parece que a justiça é relativa às paixões.

1. – Pois, diz o Filósofo, que a virtude moral versa sobre o prazer e a tristeza. Ora, o prazer, isto é, a deleitação, e a tristeza são determinadas paixões, como se disse, quando se tratou das paixões. Logo, a justiça, sendo uma virtude moral, versa sobre as paixões.

2. Demais. – A justiça retifica as nossas ações relativas a outrem. Ora, essas ações não podem ser retificadas, se não o forem as paixões; pois, da desordem destas provém a daquelas. Assim, a concupiscência das práticas venéreas conduz ao adultério; e o amor exagerado ao dinheiro leva ao furto. Logo, a justiça versa necessariamente sobre as paixões.

3. Demais. – Assim como a justiça particular, assim também a justiça legal regula os nossos atos relativos a outrem. Ora, a justiça legal versa sobre as paixões; do contrário, não se estenderia a todas as virtudes, das quais algumas versam manifestamente sobre as paixões.

Mas, em contrário, O Filósofo diz, que ela versa sobre os nossos atos.

SOLUÇÃO. – Duas coisas põem em evidência a verdade desta questão. - A primeira é o sujeito da justiça, que é a vontade, cujos movimentos ou atos não são paixões como dissemos; pois, só os movimentos do apetite sensitivo é que se chamam paixões. Por onde, a justiça não versa sobre as paixões, como se dá com a temperança e a fortaleza, pertencentes ao irascível e ao concupiscível, que versam sobre elas. - A segunda é a matéria. Pois, a justiça regula os nossos atos relativos a outrem. Ora, não é pelas paixões interiores que comunicamos imediatamente com outrem. Por onde, a justiça não versa sobre as paixões.

DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. – Nem toda virtude moral tem como matéria o prazer e a tristeza; assim, a fortaleza versa sobre o temor e a audácia. Mas, todas as virtudes morais se ordenam para o prazer e a tristeza, como para certos fins consequentes. Pois, conforme diz o Filósofo, o prazer e a tristeza constituem um fim principal, referindo-nos ao qual dizemos que tal coisa é bem e tal outra, mal. E, deste modo, são também matéria da justiça; porque não é justo quem não se compraz com atos justos, segundo Aristóteles.

RESPOSTA À SEGUNDA. – Os atos exteriores são um meio termo, de certo modo, entre as coisas exteriores, que lhes constituem a matéria, e as paixões interiores, que são os princípios deles. Ora, pode, às vezes, haver falta num desses elementos, sem haver no outro. Por exemplo, quem furtasse um bem de outrem, não pelo desejo de tê-lo, mas, pelo de ser nocivo; ou, inversamente, se alguém o cobiçasse, sem, contudo, querer furtá-lo. Ora, a retificação dos atos, enquanto se completam exteriormente, pertence à justiça; mas, o retificá-los, enquanto nascidos das paixões, pertence às outras virtudes morais que versam sobre elas. Por onde, o furtar as coisas alheias lesa a justiça porque contraria a igualdade que deve existir nas coisas exteriores; a liberalidade, por proceder da cobiça imoderada das riquezas. Ora, como os atos externos não se especificam pelas paixões internas, mas, antes, pelas coisas externas, que são os seus objetos, resulta que, propriamente falando, os atos externos constituem a matéria, mais, da justiça, que das outras virtudes morais.

RESPOSTA À TERCEIRA. – O bem comum é o fim das pessoas particulares que vivem em comunidade; assim como o bem do todo é o de cada parte. Ao passo que o bem de um particular não é o fim de outro. Por onde, a justiça legal, que ordena para o bem comum, pode aplicar-se às paixões interiores, que formam, de certo modo, a disposição própria de cada um, mais do que a justiça particular, que nos ordena ao bem particular de outrem. Embora a justiça legal mais principalmente se estenda aos atos externos das outras virtudes, isto é, enquanto a lei nos manda praticar obras próprias do homem forte, do temperado e do pacífico, como diz Aristóteles.

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