O sexto discute-se assim. — Parece que a natureza humana se uniu ao Verbo de Deus acidentalmente.
1. — Pois, diz o Apóstolo, do Filho de Deus, que foi reconhecido no hábito isto é, na condição como homem. Ora, o hábito se acrescenta acidentalmente ao seu sujeito, quer consideremos o hábito como um dos dez predicamentos, quer como espécie de qualidade. Logo, a natureza humana se uniu acidentalmente ao Filho de Deus.
2. Demais. — Tudo o que se acrescenta a um ser completo, acidentalmente se lhe acrescenta; pois, chamamos acidente ao que pode existir ou não num sujeito sem que este por isso se corrompa. Ora, a natureza humana se acrescenta temporalmente ao Filho de Deus, cujo ser é abeter no perfeito. Logo, acidentalmente se lhe acrescenta.
3. Demais. — Tudo o que não pertence à natureza ou à essência de um ser lhe é acidente; porque tudo o que existe é substância ou acidente. Ora, a natureza humana não pertence à essência ou à natureza divina do Filho de Deus, porque não foi feita a união em a natureza, como se disse. Logo, à natureza humana necessariamente o Filho de Deus se uniu por acidente.
4. Demais. — O instrumento se une acidentalmente ao agente. Ora, a natureza humana em Cristo foi instrumento da divindade; pois, como diz Damasceno, a carne de Cristo foi o instrumento da sua divindade. Logo, parece que a natureza humana se uniu ao Filho de Deus acidentalmente.
Mas, em contrário, o que é predicado acidentalmente não predica a quididade, mas a quantidade ou a qualidade ou a existência modal. Se, pois, à natureza humana se uniu Cristo acidentalmente, quando se dissesse Cristo é homem, não se predicaria uma unidade, mas uma qualidade, uma quantidade ou uma existência modal. O que é contra uma decretal de Alexandre Papa, que diz: Sendo Cristo Deus perfeito e homem. perfeito, qual não é a temeridade de certos que ousam dizer que Cristo não tem nenhuma quididade, enquanto homem?
SOLUÇÃO. — Para responder com clareza à questão proposta, devemos saber que, sobre o mistério da união das duas naturezas em Cristo, apareceram duas heresias — Uma, a dos que confundem as naturezas; tal a de Eutíquio e de Diáscoro, ensinando que das duas naturezas se constituiu uma só natureza. E assim confessavam que Cristo tem duas naturezas, quase distintas antes da união; mas não existia em duas naturezas, quase cessada a distinção depois da união das naturezas. — Outra foi a heresia de Nestório e de Teodoro de Mopsueste, que separavam as pessoas. Assim, ensinavam ser uma a pessoa do Filho de Deus e outra, a do filho do homem, e essas as consideravam como entre si unidas, primeiro, segundo a habitação de uma na outra, isto é, enquanto o Verbo de Deus habitava nesse homem como templo. Segundo, quando à unidade de desejo isto é, enquanto a vontade do referido homem é sempre conforme à vontade do Verbo de Deus. Terceiro, pela operação, isto é, enquanto diziam ser esse homem o instrumento do Verbo de Deus. Quarto, pela dignidade do honra, enquanto toda honra prestada ao Filho de Deus o é ao mesmo tempo ao filho do homem, por causa da sua união com o Filho de Deus. Quinto, pela equivocação, isto é, pela comunicação dos nomes isto é, enquanto dizemos que esse homem é Deus e Filho de Deus. Ora, como é manifesto, todos esses modos importam numa união acidental.
Porém, certos mestres posteriores, pensando evitar essas heresias, nelas incidiram por ignorância. — Assim, uns deles concediam a unidade da pessoa de Cristo, mas admitiam duas hipóstases ou dois supostos, dizendo que o Verbo de Deus assumiu um homem composto de corpo e alma desde o princípio da sua concepção. E esta é a primeira opinião enumerada pelo Mestre das Sentenças. —Mas outros querendo salvar a unidade da pessoa, ensinavam que a alma de Cristo não estava unida ao corpo, mas que ambos separados um do outro, estavam unidos ao Verbo acidentalmente, de modo que assim não aumentava o número das pessoas, E esta é a terceira opinião enumerada no mesmo lugar pelo Mestre das Sentenças.
Ora, ambas estas opiniões incidem na heresia de Nestório. —A primeira, porque o mesmo é atribuir duas hipóstases ou dois supostos a Cristo e lhe atribuir duas pessoas, como dissemos acima. E se se apoiarem na expressão — pessoa — devemos notar que também Nestório admitia a anidade de pessoa por causa da unidade da dignidade da honra. Por isso o Quinto Sínodo determinou como anátema quem disse ser uma só pessoa pela dignidade, pela honra e pela do ração, como, na sua insânia, escreveu Teodoro juntamente com Nestário. —Quanto à outra opinião, ela incide no erro de Nestório quanto à admissão da união acidental. Pois, não há diferença entre dizer que o Verbo de Deus se unia a Cristo homem, por habitar neste como num templo, segundo ensinava Nestório, e dizer que o Verbo se uniu ao homem por se ter dele revestido como de uma roupagem, como o ensina a terceira opinião. A qual professa mesmo uma doutrina pior que a de Nestório, a saber, que a alma e o corpo não estão unidos.
Mas a fé católica, tomando uma posição média entre as referidas, não diz que a união de Deus e do homem foi feita segundo a essência ou a natureza, nem de modo acidental; mas, de um modo médio, segundo a subsistência ou a hipóstase. Por isso lemos no Quinto Sínodo: Sendo a unidade susceptível de muitas acepções, os sequazes da impiedade de Apolinário e de Eutiquio, operando a destruição de coisas que estavam unidas, isto é, suprimindo uma e outra natureza, concebiam a união como confusão; ao passo que os sequazes de Teodoro e de Nestório, comprazendo-se na divisão introduzem a unidade de afeição. Mas a santa Igreja de Deus, rejeitando a impiedade de uma e outra perfídia, confessa a união do Verba de Deus com a carne segundo a composição, que se funda na subsistência. Por onde é claro que a segunda das três opiniões enumeradas pelo Mestre das Sentenças, que
afirma a unidade da hipóstase de Deus e do homem, não se há de considerar opinião, mas sentença da fé Católica. Também semelhantemente, a primeira opinião, que admite duas hipóstases; e a terceira, que admite a união acidental, não se devem considerar opiniões, mas heresias condenadas nos concílios pela Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Como diz Damasceno, uma semelhança não implica igualdade completa e total, pois, o que é em tudo semelhante, é igual, não é semelhante; e sobretudo na ordem divina; assim, é impossível encontrar igualdade na Teologia, isto é, na divindade das pessoas, e na Dispensação, isto é, no mistério da Encarnação. Por onde, a natureza humana de Cristo é comparável a um hábito, isto é, a um vestimento, não pela união acidental, mas porque o Verbo é visível pela natureza humana como o homem pelo seu vestimento. E também porque o vestimento se muda, por ser feito segundo a figura de quem o veste, mas que nem por isso muda a sua forma por causa da roupa que veste; e semelhantemente, a natureza humana assumida pelo Verbo de Deus melhorou, sem que o Verbo de Deus se tenha mudado, como expõe Agostinho.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O que se une a um ser completo, acidentalmente se lhe une a menos que não seja levado à comunhão com esse ser completo. Assim, na ressurreição o corpo se une à alma preexistente, mas não, acidentalmente, pois, é assumida numa identidade de assistência, de modo que o corpo recebe da alma o seu ser vital. Mal, tal não se dá com a brancura, pois, uma coisa é o ser da brancura, e outra o do homem a que se ela acrescenta. Ora, o Verbo de Deus já tinha abeterno o seu ser completo, segundo a hipóstase ou pessoa; mas, temporalmente se uniu à natureza humana, não que esta fosse assumida numa unidade de ser, quanto à natureza, como o corpo está unido à alma, mas, numa unidade de ser quanto à hipóstase ou pessoa. Por onde, a natureza humana não está unida acidentalmente ao Filho de Deus.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O acidente se divide por contrariedade, da substância. Ora, a substância, como diz Aristóteles, é susceptível de dupla acepção: numa, é tomada como essência ou natureza; noutra, como suposto ou hipóstase. Por onde, basta para a união não ser acidental, que ela se faça segundo o hipóstase, embora não se tenha feito segundo a natureza.
RESPOSTA À QUARTA. — Nem todo o assumido como instrumento pertence à hipóstase do assumente, corno o demonstra o machado e a espada. Mas; nada impede que o assumido na unidade da hipóstase se comporte como instrumento, como o corpo do homem ou os seus membros. Ora, Nestório ensinava que a natureza humana foi assumida pelo Verbo, só a modo de instrumento, mas não, na unidade da hipóstase. Por onde, não concedia que Cristo homem fosse verdadeiramente Filho de Deus, mas, instrumento seu. Por isso ensina Cirilo: A Escritura diz que este Emanuel, isto é, Cristo, foi assumido não para exercer a função de instrumento, mas como Deus verdadeiramente humanado, isto eito homem. - Quanto a Damasceno, ensinou que a natureza humana em Cristo era um como instrumento pertencente à unidade da hipóstase.