O primeiro discute-se assim. — Parece que por uma mesma adoração não deve ser adorada a divindade e a humanidade de Cristo.
1. — Pois, a divindade de Cristo deve ser adorada pela adoração comum ao Pai e ao Filho; donde o dizer o Evangelho: Todos honrem ao Filho assim como honram ao Pai. Ora, a humanidade de Cristo não é comum com o Pai. Logo, não deve pela mesma adoração ser adorada a humanidade de Cristo e a sua divindade.
2. Demais. — A honra é propriamente o prêmio da virtude, como diz o Filósofo. Ora, a virtude merece o seu prêmio pelo seu ato. Mas, como, em Cristo, uma é a operação da sua natureza divina e outra, da humana, como demonstramos, resulta que deve ser uma a honra tributada à sua humanidade, e outra à sua divindade.
3. Demais. — A alma de Cristo, se não estivesse unida ao Verbo, devia ser venerada pela excelência da sabedoria e da graça que tem. Ora, nada perdeu da sua dignidade por se ter unido ao Verbo. Logo, à natureza humana em Cristo deve ser tributada uma adoração própria, além da que lhe é prestada à divindade.
Mas, em contrário, diz o Quinto Sínodo: Quem afirmar que adora a Cristo nas suas naturezas, o que constitui duas adorações; e que não adora, por uma só adoração, o Verbo de Deus encarnado, simultaneamente com a sua carne, como foi estabelecido desde o início da Igreja de Deus, esse seja anátema.
SOLUÇÃO. — Em quem é honrado duas coisas podemos considerar, a saber: A pessoa a quem a honra é tributada e a causa da honra. Ora, propriamente, a honra é prestada a todo ser por si subsistente. Assim, não dizemos que a mão de um homem é honrada, mas que esse homem o é. E se às vezes dissermos, que é honrada a mão ou o pé de alguém, isso não significa sejam essas partes por si mesmas honradas, mas que, nelas, honramos o todo. De cujo modo também um homem pode ser honrado por alguma exterioridade sua, como na sua roupa, na sua imagem ou no seu embaixador. Mas, a causa da honra é princípio em virtude do qual o honrado tem alguma excelência; pois, a honra é a reverência prestada a alguém por causa da sua excelência, como se disse na Segunda Parte. Se, pois, num só homem existirem várias causas de ser honrado, Por exemplo, a Superioridade, a ciência e a virtude, esse homem receberá por certo uma só honra por parte de quem o honra, mas serão várias as honras, pelas suas causas; pois, o mesmo homem é o honrado tanto pela ciência como pela virtude. Ora, havendo em Cristo uma só pessoa, de natureza divina e humana, e também uma só hipóstase e um suposto, só uma é a adoração e só uma a honra por parte dos que o adoram; mas, quanto à causa por que é honrado, podemos considerar várias as adorações, de modo que será uma a honra tributada à sabedoria incriada e outra, à salvação criada. - Mas, se tivesse Cristo várias pessoas ou hipóstases seriam também várias as adorações, em sentido absoluto. E tal é o que o Sínodo condena. Pois, determina o seguinte: Quem ousar dizer que devemos coadorar o homem assumido, com o Verbo de Deus, como se fossem duas adorações diferentes, e que, ao contrário, não é a mesma adoração que honra o Emanuel, enquanto Verbo feito carne, esse seja anátema.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Na Trindade três são os honrados, mas uma só a causa da honra. O contrário se dá no mistério da Encarnação. Por isso, é uma a honra tributada à Trindade e outra a tributada a Cristo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Não é a operação a honrada, que é só a razão da honra. Por isso, o haver em Cristo duas operações não prova serem duas as adorações, mas sim, duas causas de adoração.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Se a alma de Cristo não estivesse unida ao Verbo de Deus, seria a parte mais principal da humanidade dele. Por isso sobretudo devia ser honrada, por a ser nele o homem a parte principal. Mas, por estar a alma de Cristo unida a uma pessoa mais digna, a essa pessoa sobretudo, a qual a alma de Cristo está unida, é devida a honra. Mas isso não diminui a dignidade da alma de Cristo, ao contrário, a aumenta, como também dissemos.