O nono discute-se assim. Parece verdadeira a proposição, referente a Cristo: o homem começou a existir.
1 — Pois, diz Agostinho: Antes de existir o mundo, nem nós existíamos, nem o mediador entre Deus e os homens – o homem Jesus Cristo. Ora, o que não existiu sempre, começou a existir. Logo, o homem, com referência a Cristo, começou a existir.
2. Demais. — Cristo começou a ser homem. Ora, ser homem é existir em sentido absoluto. Logo, o homem Cristo começou a existir absolutamente falando.
3. Demais. — Homem implica o suposto da natureza humana. Ora, Cristo nem sempre foi suposto da natureza humana. Logo, o homem Cristo começou a existir.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Jesus Cristo era ontem e é hoje; o mesmo também será por todos os séculos.
SOLUÇÃO. — Não se pode dizer, sem acrescentar nenhuma restrição, que o homem Cristo começou a existir. E isto por duas razões. — Primeiro, porque essa afirmação é falsa, absolutamente falando, segundo a doutrina da fé católica, que nos ensina haver em Cristo um suposto e uma hipóstase, assim como uma só pessoa. Neste sentido, pois, quando aplicamos a palavra homem a Cristo, designamos um suposto eterno, a cuja eternidade repugna tenha começado a existir. Por isso, é falsa a proposição: O homem Cristo começou a existir. Nem obsta que o começar a existir convenha à natureza humana, expressa pela palavra homem; pois, o termo atribuído ao sujeito não é tomado formalmente pela natureza mas antes, formalmente, pelo suposto, como dissemos. — Segundo, porque mesmo se essa proposição fosse verdadeira, nem por isso deveríamos usar dela, sem restrição, para evitar heresia de Ario que, assim como atribui à pessoa do Filho de Deus o ser criatura, e menor que o Pai, assim também lhe atribui o começar a existir, dizendo que existia quando não existia.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O lugar citado se entende em sentido restrito, significando que o homem Jesus Cristo não existia, na sua humanidade, antes de existir o mundo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O Verbo começar não nos autoriza a argumentar do inferior para o superior. Pois, não há sequência se dissermos: Isto começou a ser branco, logo começou a ser colorido. Porque começar implica em existir num determinado tempo e não, antes. Assim, não há sequência neste raciocínio: Isto antes não era branco, logo não era antes colorido. Ora, existir, em sentido absoluto, é superior ao homem. Logo, não há sequência no raciocínio: Cristo começou a ser homem, logo, começou a existir.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O nome de homem, quando tomado por Cristo, embora signifique a natureza humana, que começou a existir, contudo implica um suposto eterno, que não o começou. Por onde, quando atribuído ao sujeito, é tomado pelo suposto; e quando atribuído ao predicado, refere-se à natureza. E por isso: é falsa a proposição — O homem Cristo começou a existir; mas é verdadeira esta outra: Cristo começou a ser homem.