O quarto discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não tinha a onipotência quanto à execução da própria vontade.
1. — Pois, diz o Evangelho que Jesus, tendo entrado numa casa, quis que ninguém o soubesse mas não pôde ocultar-se. Logo, não podia em tudo executar o propósito da sua vontade.
2. Demais. — Uma ordem é manifestação da vontade, como na Primeira Parte se disse. Ora, o Senhor mandou fazer certas coisas, cujo contrário veio a acontecer. Assim refere o Evangelho, que aos cegos depois de terem recuperado a vista, Jesus os ameaçou dizendo: Vede lá que o não saiba alguém. Mas eles, saindo dali, divulgaram por toda aquela terra o seu nome. Logo, não podia em tudo executar o propósito da sua vontade.
3. Demais. — O que podemos fazer por nós mesmos não o pedimos a outrem. Ora, o Senhor pediu ao Pai, na sua oração, o que queria fosse feito como se lê no Evangelho: Saiu ao monte a orar e passou toda a noite em oração a Deus. Logo, não podia executar em tudo o propósito da sua vontade.
Mas, em contrário, diz Agostinho: É impossível não se cumprir a vontade do Salvador; nem pode querer o que sabe não se dever fazer.
SOLUÇÃO. — De dois modos pode a alma de Cristo querer alguma coisa. — Primeiro, como devendo realizá-la ela própria. E então, devemos dizer que pôde tudo quanto quis. Pois, não lhe conviria à sapiência quisesse fazer por si o que não estava ao alcance do seu poder. — De outro modo, podia querer uma coisa como devendo ser feita pela virtude divina como a ressurreição do seu próprio corpo e outras obras milagrosas semelhantes. As quais não podia por virtude própria, mas sim enquanto instrumento da divindade, como se disse.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Diz Agostinho; devemos afirmar que Cristo quis o que foi feito. Pois, é mister advertirmos que tais coisas se realizavam nos confins da gentilidade, aos quais ainda não era tempo de pregar. Embora fosse inveja não aceitar os que espontaneamente se apresentavam a receber a fé. Por isso não quis ser anunciado pelos seus discípulos; mas, sim ser procurado pelos gentios. E assim se fez. — Ou podemos dizer que essa vontade de Cristo não se referia ao que por ela se devia fazer, mas ao que devia ser feito por outros e que não dependia da sua vontade humana. Por isso na Epístola do Papa Ágato, recebida pelo Sexto Sínodo, se lê: Pois então ele, criador e Redentor de tudo, não podia viver escondido na terra? Não, se o entendemos em relação à sua vontade humana, que se dignou assumir temporalmente.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Como diz Gregório, mandando calarem-se as suas virtudes o Senhor deu-se como exemplo aos servos que o seguiam, para também eles terem o desejo de ocultar as suas, embora manifestassem contra a vontade deles os outros, para aproveitarem do seu exemplo. Assim, pois, a sua ordem manifestava-lhe a vontade de fugir à glória humana, segundo aquilo do Evangelho: Eu não busco a minha glória. Mas, absolutamente falando, queria, sobretudo pela vontade divina, se publicasse o milagre feito, para utilidade dos outros.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Cristo orava tanto para a realização do que devia ser feito por vontade divina, como para a do que havia de fazer pela sua vontade humana. Pois, a virtude e a operação da alma de Cristo dependiam de Deus, que é quem obra em nós o querer e o fazer, como diz o Apóstolo.