O terceiro discute-se assim. — Parece que a alma de Cristo não pode conhecer infinitas coisas no Verbo.
1 — Pois, repugna à noção do infinito o ser ele conhecido; assim, como diz Aristóteles, infinita é a quantidade a que sempre se lhe pode acrescentar. Ora, é impossível separar a definição, do definido, porque então seria contraditório o existirem simultaneamente. Logo, é impossível a alma de Cristo conhecer coisas infinitas.
2. Demais. — A ciência de coisas infinitas é infinita. Ora, a ciência da alma de Cristo não pode ser infinita, pois, sendo criatura, a sua capacidade é finita. Logo, a alma de Cristo não pode conhecer coisas infinitas.
3. Demais. — Nada pode ser maior que o infinito. Ora, a ciência divina, absolutamente falando, abrange mais coisas que a da alma de Cristo, como se disse. Logo, a alma de Cristo não conhece coisa infinitas.
Mas, em contrário. — A alma de Cristo conhece todo o seu poder e tudo o a que ele se estende. Ora, pode ela purificar de pecados infinitos, segundo o Evangelho: Ele é a propiciação pelos nossos pecados; e não somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo. Logo, a alma de Cristo conhece coisas infinitas.
SOLUÇÃO. — A ciência só pode ter por objeto o ser, porque o ser e a verdade se convertem. Ora, um ente pode ser considerado a dupla luz: absolutamente, quando atual; ou relativamente, quando potencial. E como um ser é conhecido enquanto atual e não enquanto potencial, segundo o ensina Aristóteles, a ciência tem por objeto primário e principal o ser atual e secundariamente, o ser potencial, não cognoscível em si mesmo, mas na medida em que o é o ser em cuja potência existe. Ora, quanto à primeira modalidade da ciência, a alma de Cristo não conhece coisas infinitas. Pois; não são infinitas em ato, em qualquer tempo; porque a estado de geração e de corrupção não, dura infinitamente. Por onde, é certo o número tão só dos seres não sujeitos à geração e a corrupção, como dos susceptíveis de uma e de outra. — Mas, quanto à segunda modalidade da ciência, a alma de Cristo conhece coisas infinitas no Verbo. Pois, sabe, como se disse, tudo o que está na potência da criatura. Ora, como na potência da criatura então coisas infinitas, deste modo conhece coisas infinitas, quase por uma certa ciência de simples inteligência, não porém pela de visão.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — O infinito, como dissemos na primeira Parte, é susceptível de dupla acepção. — Primeiro, em razão da forma. E então o infinito o é negativamente; isto é, é a forma ou o ato não limitado pela matéria ou por um sujeito em que ela seja recebida. E esse infinito, é, em si mesmo, cognoscível por excelência, por causa da perfeição do ato, embora não seja compreensível pela potência finita da criatura, e diremos, nesse sentido que e Deus é infinito. Ora, tal infinito a. alma de Cristo conhece, embora não o compreenda. — Noutro sentido, o infinito o é em razão da matéria. E esse é o chamado infinito privativo; isto é, por não ter a forma que lhe era natural- tivesse, E tal é o infinito quantitativo, desconhecido por natureza, por ser quase a matéria privada da forma, como diz Aristóteles, ora, todo conhecimento é pela forma ou pelo ato. Por onde, se esse infinito devesse ser conhecido ao modo do objeto conhecido seria impossível conhecê-lo. Pois, o seu modo é serem consideradas as suas partes, uma depois da outra, como diz Aristóteles. E, neste sentido, é verdade que quem lhe enumera as partes, isto é, tomando uma depois de outra, sempre lhe poderá acrescentar outra. Ora, como as coisas materiais podem ser consideradas pelo intelecto imaterialmente, e as coisas múltiplas, uníficadamente, assim também coisas infinitas o intelecto pode concebê-las, não como infinitas, mas como finitas; de modo que, coisas em si mesmas infinitas sejam finitas para o intelecto que a conhece. E, deste modo, a alma de Cristo conhece coisas infinitas, isto é, enquanto as conhece, não considerando-as uma por uma mas numa certa unidade; por exemplo, numa criatura, em cuja potência existem em número infinito, é principalmente no Verbo.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nada impede ser o infinito, a uma luz, finito, a outra; como se, na ordem da quantidade, imaginemos uma superfície infinita em comprimento e finita em largura. Assim, pois, se existissem infinitos homens, em número, teriam certamente a infinidade, de algum modo, isto é, quanto à multidão; mas não a teriam quanto a ideia da essência, porque toda essência seria limitada pela ideia de uma só espécie. Mas, o ser absolutamente infinito, pela sua essência mesma, é Deus, como demonstramos na Primeira Parte. Ora, o objeto próprio do intelecto é a quididade, como diz Aristóteles, na qual se inclui a ideia de espécie. Assim, portanto, a alma de Cristo, por ter uma capacidade finita, atinge certamente o infinito absoluta e essencialmente, que é Deus, mas não o compreende, como dissemos. Mas o infinito potencial das criaturas a alma de Cristo pode compreendê-lo; por se lhe referir pela ideia de essência por onde não tem infinidade. Pois, também o nosso intelecto intelige o universal, isto é, a natureza genérica e específica que tem de certo modo infinidade, por poder ser predicado de infinitos seres.
RESPOSTA À TERCEIRA. — O infinito a todas as luzes não pode ser senão único. Donde o dizer o Filósofo que, tendo o corpo dimensão em todos os sentidos, é impossível haver varias corpos infinitos. Mas, se um corpo fosse infinito num só sentido, nada impediria que existissem vários corpos infinitos; assim, se concebêssemos várias linhas infinitas em comprimento, tiradas ao longo de uma superfície finita em largura. Ora, não sendo o infinito nenhuma substância, mas um acidente das coisas chamadas infinitas, como diz Aristóteles; assim como o infinito se multiplica conforme a diversidade dos seus sujeitos, assim há de a propriedade do infinito necessariamente multiplicar-se, de modo a convir em particular a cada um desses sujeitos. Ora, uma propriedade do infinito é a de ser maior que qualquer ser. Assim, pois, considerada uma linha como infinita, nela nada é maior que a sua infinidade; semelhantemente, se considerarmos qualquer das outras linhas infinitas, é claro que de cada uma delas são as partes infinitas. Logo e necessariamente, em todos esses infinitos nada há de maior, numa das referidas linhas; contudo, na outra linha e na terceira, haverá várias partes também infinitas, além destas, O que também vemos se dar com os números; pois, as espécies dos números pares são infinitas e, semelhantemente, as dos números ímpares; e contudo os números pares e os impares são mais que os pares. Donde devemos concluir, que nada há maior que o infinito em absoluto e a todos os respeitos; mas, quanto ao infinito determinado segundo certo ponto de vista, nada há maior que ele na sua ordem; mas, podemos conceber algo maior que ele, fora dessa ordem. E assim, deste modo, infinitas coisas estão no poder da criatura; contudo, mais estão no poder de Deus que no da criatura. Semelhantemente, a alma de Cristo conhece coisas infinitas pela ciência de simples inteligência; Deus porém conhece mais coisas por esse modo de inteligir.