O primeiro discute-se assim. — Parece que a Cristo, enquanto homem, não compete ser a cabeça da Igreja.
1. — Pois, a cabeça influi o sentimento e o movimento nos membros. Ora, o sentimento e o movimento espirituais, oriundos, da graça não os influi em nós Cristo homem. Pois, como diz Agostinho, não Cristo enquanto homem, mas só enquanto Deus, é quem dá o Espírito Santo. Logo, não lhe compete, enquanto homem, ser a cabeça da Igreja.
2. Demais. — Uma cabeça não poder pertencer a outra. Ora, de Cristo, enquanto homem, a cabeça é Deus, conforme o Apóstolo: Deus é a cabeça de Cristo. Logo, Cristo em si mesmo não é cabeça.
3. Demais. — A cabeça, no homem, é um membro particular, e recebendo a sua influência do coração. Ora, Cristo é o princípio universal de toda a Igreja. Logo, não é cabeça da Igreja.
Mas, em contrário, o Apóstolo: Constituiu-o a ele mesmo cabeça de toda a Igreja.
SOLUÇÃO. — Assim como toda a Igreja é considerada um corpo místico, por semelhança com o corpo natural do homem, o qual tem atos diversos distribuídos por membros diversos, consoante o ensina o Apóstolo; assim também Cristo é chamado cabeça da Igreja por semelhança com a cabeça do homem. No que podemos considerar três coisas: a ordem, a perfeição e a virtude. A ordem, por ser a cabeça a primeira parte do corpo humano, principiando de cima. Donde vem o costume de chamar cabeça a todo princípio, segundo a Escritura: Puseste na cabeça de todas as ruas o sinal público da tua prostituição. — A perfeição, porque a cabeça dá o vigor a todos os sentidos interiores e exteriores, ao passo que os outros membros só têm o tato. Donde o dizer a Escritura: O ancião e o homem respeitável, esse é a cabeça. — A virtude, enfim, porque a virtude e o movimento dos outros membros, e a governação dos atos deles vêm da cabeça, por causa da virtude sensitiva e motiva aí dominante. Por isso, o dirigente se chama cabeça do povo, segundo àquilo da Escritura: Porventura, quando tu eras pequeno aos teus olhos, não foste feito cabeça de toda as tribos de Israel? Ora, essas três coisas cabem a Cristo espiritualmente. — Assim, primeiro, pela sua proximidade com Deus, a sua graça é a mais alta e a primeira, embora não no tempo; porque todos os outros receberam a graça em dependência da graça dele, conforme as palavras do Apóstolo: Os que ele conheceu na sua presciência, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. — Segundo, a perfeição ele a tem, quanto à plenitude de todas as graças, conforme o Evangelho: E nós o vimos cheio de graça e de verdade, como se demonstrou. — Terceiro, tem a virtude de influir a graça em todos os membros da Igreja, conforme ainda o Evangelho: E todos nós participamos da sua plenitude. — Por onde é claro que Cristo é convenientemente chamado cabeça da Igreja.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Dar a graça ou o Espírito Santo convém a Cristo, enquanto Deus, autoritativamente; mas instrumentalmente lhe convém enquanto homem, isto é, enquanto a sua humanidade foi instrumento da sua divindade. E assim, os seus atos, em virtude da divindade, foram salutíferos para nós, como causadores em nós da graça, tanto por meio do mérito como de uma certa eficácia. Ora, Agostinho nega que Cristo, enquanto homem, dê o Espírito Santo por autoridade. Mas, instrumental ou ministerialmente também se diz que os outros santos dão o Espírito Santo, segundo o Apóstolo: Aquele que vos dá o Espírito Santo, etc.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Nas locuções metafóricas a semelhança não deve ser buscada na sua totalidade; pois, do contrário, já não seria semelhança, mas a realidade mesma. Ora, a cabeça natural não tem outra cabeça, por não ser o corpo humano, parte de outro corpo. Mas o corpo, assim chamado por semelhança, isto é, uma multidão ordenada, é parte de outra multidão; assim como a multidão doméstica é parte da multidão civil; por onde, o pai de família, cabeça da multidão doméstica, tem como cabeça superior o regente da cidade. E, deste modo, nada impede seja Deus a cabeça de Cristo, embora seja este a cabeça da Igreja.
RESPOSTA À TERCEIRA. — A cabeça tem uma eminência manifesta em relação aos outros memdo corpo, ao passo que o coração tem uma certa influência oculta. E por isso é comparado ao Espírito Santo, que invisivelmente vivifica e une a Igreja; enquanto que Cristo mesmo é comparado à cabeça, segundo a natureza visível, que o coloca, como homem, acima dos outros homens.