O quinto discute-se assim. — Parece que além do juízo proferido no tempo presente, não haverá nenhum outro juízo, universal.
1. — Pois, é inútil acrescentar qualquer juízo, depois da atribuição dos últimos prêmios. Ora, no tempo presente é que se faz a atribuição dos prêmios e das penas. Assim, o Senhor disse ao ladrão, na cruz: Hoje serás comigo no paraíso. E noutro lugar o Evangelho diz: Morreu o rico e foi sepultado no inferno. Logo, é vão esperar o juízo final.
2. Demais. — A Escritura, segundo outra letra: Deus não julgará duas vezes a mesma causa. Ora, no tempo presente o juízo de Deus se exerce na ordem temporal e na espiritual. Logo, parece que não devemos esperar nenhum juízo final.
3. Demais. — O prêmio e a pena correspondem ao mérito e ao demérito. Ora, o mérito e o demérito não recaem sobre o corpo senão enquanto instrumento da alma. Logo, nem o prêmio ou a pena são devidos aos corpos senão por causa da alma. Logo, não há necessidade de nenhum juízo final para ser o homem premiado ou punido no seu corpo, além daquele pelo qual são punidas ou premiadas as almas.
Mas em contrário, o Evangelho: A palavra que eu tenho falado, essa o julgará no dia último. Logo, haverá em juízo no dia último além do juízo exercido no presente.
SOLUÇÃO. — Um ser mutável não pode ser julgado perfeitamente senão depois de consumado. Assim, nenhum juízo perfeito sobre a qualidade de uma ação pode ser proferido, antes de consumada, em si e nos seus efeitos. Pois, muitas ações, que parecem úteis, demonstram-se nocivas pelos seus efeitos. Semelhantemente, nenhum juízo perfeito pode ser proferido de um homem, enquanto não se lhe terminar a vida; porque pode de muitos modos mudar do bem para o mal ou vice-versa, ou do bem para o melhor, ou do mal para o pior. Donde o dizer o Apóstolo: Está decretado aos homens que morram uma só vez e que depois disto se siga o juízo. Devemos, porém, saber que, embora a morte termine a vida de um homem em si mesma, contudo permanece, de certo modo, dependente do futuro. — Primeiro, por viver ainda na memória dos outros, que às vezes dele guardam uma fama boa ou má, que não corresponde à verdade. — Segundo, por perdurar nos filhos, que são como parte do pai, segundo aquilo da Escritura: Morreu o pai dele e foi como se não morresse, porque deixou depois de si um seu semelhante. E contudo, muitos que foram bons deixaram maus filhos e inversamente. — Terceiro, quanto ao efeito das suas obras; assim, o sofisma de Ari e de outros sedutores gerarão a infidelidade até ao fim do mundo, bem como até o fim progredirá a fé nascida da pregação dos Apóstolos. — Quarto, quanto ao corpo que umas vezes é dado honras e, outras, é deixado insepulto ; e contudo vem ao cabo a resolver-se de todo em cinzas. — Quinto, quanto às coisas em que o homem fixou o seu afeto, por exemplo, em certos bens temporais, dos quais uns acabam mais depressa e outros duram mais diuturnamente. Ora, todas essas coisas estão sujeitas à estimativa do juízo divino. Por onde, não podem elas todas ser perfeita e manifestamente julgadas, enquanto dura o curso desta vida. Donde a necessidade de um juízo final, no dia derradeiro, quando o que concerne a cada homem em particular, perfeitamente e de qualquer modo, será perfeita e manifestamente julgado.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Certos foram de opinião que nem as almas dos santos serão premiadas no céu, nem as dos condenados punidas no inferno, até o dia do juízo. O que é manifestamente falso, pelo dito do Apóstolo: Temos confiança e ansiosos queremos mais ausentar-nos do corpo e estar presentes ao Senhor; o que é já não andar por fé, mas por visão, como resulta da sequência do texto. Ora, isso é ver a Deus em essência, no que consiste a vida eterna, conforme está claro no Evangelho. Por onde é manifesto que as almas separadas do corpo vivem na vida eterna. Donde se conclui que depois da morte, no concernente à alma, o homem está posto num estado imutável. E assim, para prêmio da alma não é necessário seja o juízo diferido para depois. Mas, como há outras causas que dizem respeito ao homem e se desenrolam em todo o decurso do tempo e que são alheias ao juízo divino, é necessário que de novo, ao fim dos tempos, sejam trazidas a juízo. Embora, pois, por elas o homem não mereça nem desmereça, contudo lhe redundam de certo modo em prêmio ou em pena. E por isso é necessário seja tudo ponderado no juízo final.
RESPOSTA À SEGUNDA. — Deus não julgará duas vezes a mesma causa, istoé, àmesma luz. Mas, a luzes diversas, nenhum inconveniente há em julgar ele duas vezes.
RESPOSTA À TERCEIRA. — Embora o prêmio ou a pena do corpo dependa do prêmio ou da pena da alma, contudo, não sendo a alma mutável, em virtude do corpo, senão por acidente, desde que estiver separada dele ficará num estado imutável e receberá então a sua sentença. Ao contrário, o corpo permanecerá mutável até ao fim dos tempos. Logo e necessàriamente, no juízo final é que há de receber o prêmio ou a pena.